#metoo: “É um mito a história de que a importunação sexual é difícil de provar”

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O crime de importunação sexual, onde se inclui o assédio sexual e os atos exibicionistas, é punido, desde 2015, com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. Desde então o número de denúncias foi crescendo ano após ano, mas até à data não houve condenações.

À dificuldade de fazer prova do crime em tribunal, junta-se uma cultura que só agora começa a habituar-se à criminalização de comportamentos enraizados. De certa forma, nestes casos, a primeira depende muitas vezes da segunda, defende a advogada Rita Braga da Cruz, membro da direção da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.

Rita Braga da Cruz é membro da APMJ e advogada especialista nas questões da violência doméstica e de género.

“São alterações recentes ao código penal, portanto, são coisas que estão qualificadas, em termos criminais, há relativamente pouco tempo. O facto de não haver condenações, se já há casos que chegaram à fase de julgamento, terá que ver talvez com falta de formação e com uma necessidade de alterar também mentalidades neste aspeto: de não ser levado ainda a sério como uma conduta que tem de ser punida criminalmente”, diz a advogada, em declarações ao Delas.pt.

Mas como se prova que se foi vítima de importunação sexual, quando muitas vezes há apenas a palavra de uma pessoa contra a outra?

“Pois, o problema é esse”, começa por afirmar Rita Braga da Cruz. Problema porque não se credibiliza a palavra da vítima e começa tudo aí. “É um mito a história de que a importunação sexual é difícil de provar, porque temos aqui a palavra das vítimas que é fundamental e das testemunhas que, por vezes, elas apresentam e que viram mensagens ou ouviram conversas. Isso tem de ser tudo ponderado”.


“Nalguns tipos de crime ligados ao património não se põe a questão se a pessoa está a dizer a verdade e depois nestas situações, que são pessoais e de teor sexual, já se põe em causa a palavra das pessoas. Acho que isto é uma questão de mentalidade.”


As situações que cabem na definição do crime de importunação sexual, definido pelo artigo 170º. do Código Penal ocorrem, com frequência, entre quatro paredes ou em contextos de pouca exposição pública, por isso, a advogada, que no próximo dia 9 dá uma conferência na Guarda sobre “Violência de Género e Doméstica (do Inquérito à Audiência de Julgamento), sustenta que “tem de se credibilizar a prova que existe e não há razões para partir do princípio que as vítimas estão a mentir”.

A questão está em aferir isso mesmo. Rita Braga da Cruz reforça que, em casos como estes, a validação terá de ser feita através dos testemunhos prestados. “A prova faz-se pelas declarações da vítima, que em muitos casos é a única testemunha do crime que contra si foi praticado. Temos de partir do princípio que o arguido é inocente a vítima é mentirosa? Temos de partir do princípio que a pessoa está a dizer a verdade”

A advogada que exerce nas áreas de direito penal, em especial nas questões da violência doméstica e de género, direito da família e direito civil, compara a avaliação que se faz em situações de importunação sexual com a de outros tipos de crime.

“É interessante ver que nalguns tipos de crime ligados ao património não se põe a questão se a pessoa está a dizer a verdade e depois nestas situações, que são pessoais e de teor sexual, já se põe em causa a palavra das pessoas. Acho que isto é uma questão de mentalidade.”

Mas se a mudança de mentalidades ainda não se reflete em condenações, os números do Ministério Público parecem indicar que existe uma maior consciencialização das vítimas sobre os seus direitos, registando-se um aumento, de ano para ano, de inquéritos abertos para estes crimes.

Veja, em baixo, os dados de 2015 a 2017:

2015 – instaurados 659 inquéritos (sem DIAP de Lisboa)

2016 – instaurados 733 inquéritos

2017 – 865 inquéritos

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