Um prémio para a melhor mulher a cuidar do ambiente

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O Terre de Femmes Portugal premeia mulheres que contribuem para a preservação do meio ambiente, mas não só. Damos-lhe a conhecer Inês Rodrigues e Milene Matos, as vencedoras das edições de 2016 e 2015, com projetos que oferecem melhor qualidade de vida às aldeias da Guiné-Bissau e que ensinam, de forma inclusiva, a reconhecer e respeitar a biodiversidade.
O concurso foi lançado pela primeira vez em Portugal em 2009, até hoje já recebeu 90 candidaturas e distinguiu 17 mulheres. A entidade promotora é a Fundação Yves Rocher que desta forma, segundo explica explica Paula Cunha, responsável de Relações Públicas da marca:

“Pretende dar destaque e visibilidade a mulheres eco cidadãs para que elas possam mostrar o caminho e ser uma fonte de inspiração. Os projetos apoiados são projetos globais em que a proteção do ambiente está sempre ligada a um benefício para o coletivo”,

As duas últimas edições, de 2015 e 2016, destacaram os projetos de duas fazedoras que, em áreas distintas, estão a marcar a diferença. O lançamento da 8.ª edição do Terre de Femmes Portugal começou esta semana com o anúncio no site e a abertura das candidaturas.

Inês, a senhora da luz

Perguntámos se o facto de ser licenciada em línguas não a desmotivou ao lançar-se num projeto desenquadrado da sua área de formação? E a resposta foi:

“Não. Confesso que nunca tinha pensado nisto desta forma. Obviamente, tive que ler bastante e falar com os técnicos para perceber a componente solar, mas a vontade de ajudar foi sempre maior. Quando não se sabe, aprende-se. O importante é que as pessoas beneficiadas sintam uma melhoria nas suas vidas.”

Lição número um: quem transforma ideias em ações não se emaranha em evasivas, mas foca-se na procura de uma solução. A resposta à nossa pergunta é de Inês Rodrigues, 39 anos, licenciada em Inglês e Alemão, com mestrado em Educação e Formação de Adultos, de momento a concluir doutoramento em Equidade e Inovação na Educação. Casada, mãe de uma menina, leciona no CICCOPN (Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte), onde o seu projeto Tabanca Solar ganhou forma. Lição número dois: o tempo tem a elasticidade que lhe soubermos dar.

Em 2011, Inês teve vários alunos dos PALOP que lhe falavam sobre as dificuldades de viver em África, nomeadamente as relacionadas com a falta de eletricidade. Mas como é que, a partir de Portugal, os poderia ajudar? Explica:

“Decidi fundar a ONGD Educafrica e juntar uma equipa de professores de diversas áreas dispostos a colocar as suas competências ao serviço dos outros. Fizemos um primeiro diagnóstico e lançámos o desafio aos alunos para encontrar soluções energéticas de baixo custo, feitas com materiais amigos do ambiente que se podem encontrar em qualquer parte do mundo”.

Dito assim, parece fácil. O que é certo é que, apesar das dificuldades, nasceu o projeto Tabanca Solar. Hoje, são já quatro as alternativas implementadas na Guiné-Bissau, o país escolhido pela equipa por ser um dos 10 “com menor índice de desenvolvimento humano a nível mundial” e dos “menos apoiados por entidades internacionais”, justifica.
Em várias localidades estão já em funcionamento “o forno solar, que permite esterilizar equipamento de Centros de Saúde e confecionar refeições sem utilizar lenha, ao mesmo tempo que evita as queimaduras provocadas pelo fogo; o sistema fotovoltaico adaptado às condições do país e de fácil manutenção, que ilumina centros materno-infantis; a Gota de Luz, uma lâmpada solar feita com garrafas de água e que gera luz equivalente a uma lâmpada de 40 watts; e o desidratador solar, para combater o desperdício alimentar, que permite desidratar frutas e legumes de forma natural e conservá-las durante bastante tempo.” Em aldeias onde a eletricidade é ainda uma miragem, o Tabanca Solar faz milagres.

Inês, que se desloca à Guiné-Bissau uma vez por ano para monitorizar o que já está instalado, dar formação e estabelecer novos contactos com instituições e população, testemunha:

“A vida das pessoas muda muito. Só estando lá e vendo é que se consegue entender. E pedem mais: mais formação, mais soluções como estas.”

Uma das premissas do projeto é a facilidade de o operacionalizar e implementar: o objetivo passa por “conceber soluções que sejam fáceis de construir e de manter; por formar pessoas para que estas possam replicar.” As Gotas de Luz já foram, inclusive, feitas por alunos de 6 e 7 anos. Lição número 3: ideias simples podem dar grandes resultados.
Milene, uma força da natureza
“No meu entender, é mesmo impossível preservar ou proteger determinado património se este não for conhecido e respeitado por quem com ele convive de perto. Conhecer a biodiversidade local ‘na primeira pessoa’ cria na população um sentimento de orgulho e de pertença difícil de atingir de outras formas. Só com o conhecimento vem o respeito, logo, a vontade de proteger.”

Aos 33 anos, Milene Matos é doutorada em Biologia e protagonista de um percurso, de vida e académico, notável que, de resto, partilhou no TEDxAveiro, em 2015. Nasceu no Luxemburgo e lá aprendeu a procurar consolo na Natureza; apesar dos graus negativos, era na rua, com a vegetação e os bichos que construía o seu mundo de menina. Quando a família se mudou para Portugal, Milene, ainda miúda, foi viver para uma pequena aldeia, longe da Europa moderna, onde tudo era diferente do que estava habituada. Mais uma vez, foi na Natureza que encontrou conforto.

Este é o enquadramento necessário para se perceber a sua paixão pela biodiversidade, a mesma que a fez estudar Biologia na Universidade do Algarve e estagiar na Mata do Buçaco. O tempo passou, como é seu costume, e Milene prosseguiu carreira académica, candidatando-se a um doutoramento totalmente financiado que teria a Amazónia como cenário. No entanto, durante o trabalho realizado na Mata Nacional do Buçaco percebeu o quanto havia a fazer por cá no que toca à conservação e estudo da biodiversidade, mais concretamente a da região centro do país. A que inclui cerca de 150 espécies de vertebrados; 10 das 17 espécies de anfíbios e 15 das 25 espécies de morcegos em Portugal…

Ficou e terá sido durante o doutoramento, altura em que teve maior contacto com os habitantes da região, que a cientista se deu conta da falta de conhecimento da generalidade das pessoas sobre aquele lugar tão rico e tão nosso. Urgia divulgar e explicar.

Foi desta ideia de partilha que nasceu o Bio Somos Todos, que, como a própria explica, é “um projeto que fomenta a sustentabilidade, a consciência ambiental e o respeito pelos valores naturais, tendo como lema ‘Natureza e educação para todos. Por um mundo mais justo e sustentável’. Sempre com base na proteção da biodiversidade e no conhecimento da mesma, criamos oportunidades educativas e de restauro ambiental onde quer que nos solicitem ou onde nos autorizem a atuar, desde áreas públicas a privadas.”

Inclusivo, multidisciplinar e intergeracional, o projeto de Milene Matos tende a criar oportunidades principalmente em áreas e para públicos mais desfavorecidos ou com menos oportunidades educativas – por exemplo no interior do país, junto da população idosa. Para a cientista, “o saber só tem sentido quando o transformamos em ações práticas; quando tem utilidade para as pessoas. Para agirmos é preciso arregaçarmos as mangas e ir para o terreno.” Fica a sugestão!

De que forma o prémio Terre de Femmes Portugal, no valor de 10 mil euros, contribui para que Inês e Milene dessem continuidade aos seus projetos? Inês responde:

“Já este ano pudemos, em maio, construir dois desidratadores solares e iniciar uma campanha de sensibilização para a recolha de resíduos na Guiné-Bissau. É um país ainda com lixeiras a céu aberto e sem recolha e por isso o lixo amontoa-se. Vamos, igualmente, iniciar estudos para fazer funcionar a lâmpada solar durante a noite.”

Para Milene Matos os 10 mil euros foram impulsionadores de novos projetos:

“O valor do prémio foi essencial para dar seguimento a muitas ideias que aguardavam um pequeno empurrão. Neste último ano, foi possível concretizar uma série de pequenos sonhos que de outra forma teriam ido impossíveis de concretizar. O grande objetivo está agora a realizar-se, que é o de criar uma ONG que irá chamar-se BioLiving, para permitir uma leitura mais internacional.”

As candidaturas ao prémio Terre de Femmes Portugal decorrem até 30 de setembro. O regulamento está aqui. Se é mulher e tem um projeto ambiental com alcance social, concorra!

Imagens cedidas pela Fundação Yves Rocher