Uma revista especial para tirar a arte feminina da invisibilidade

ana vidigal - obra

A revista ‘Contemporânea, sobre arte e cultura contemporâneas, lança, esta quinta-feira, dia 6 de abril, uma edição especial sobre as desigualdades de género no contexto das artes visuais.

Refletindo sobre a importância e visibilidade, histórica e sociológica, da arte produzida por artistas mulheres, esta magazine digital especializada traz, entre outros conteúdos, um ensaio da artista Ana Vidigal, com o título “O Discreto Charme da Misoginia”.

Ana Vidigal (José Carlos Pratas/Global Imagens)
Ana Vidigal (José Carlos Pratas/Global Imagens)

A revista reúne também outros ensaios de artistas, curadoras e teóricas, como Antonia Gaeta, Daniela Agostinho, Luísa Santos, Pedro Barateiro e Susana Pomba, e inclui duas entrevistas, dirigidas por João Mourão e Luís Silva, programadores na Kunsthalle Lissabon, em Lisboa. Uma delas é com as artistas/ativistas Guerilla Girls, que desde 1985 – sob anonimato e recorrendo ao uso de máscaras de gorila – fazem da denúncia das desigualdades no campo das artes visuais, sobretudo as de género, a matéria do seu trabalho. A conversa teve como pretexto a exposição que o coletivo tem patente, até maio, na Whitechapel Gallery, em Londres, sobre esta desigualdade na Europa. A outra conversa é com Suzanne Cotter, diretora do Museu de Serralves.

O lançamento da revista, que se realiza pelas 18h30, desta quinta-feira, no MAAT, em Lisboa, será ainda acompanhado por uma performance de Susana Mendes Silva, intitulada “O Orgão”, com a participação de Cláudia Duarte e Sónia Baptista e por uma intervenção do coletivo Pipi Colonial, criado em 2016 e que procura, a partir de uma perspetiva feminista e através da curadoria e programação, questionar a “teia de relações entre género e colonialidade”, na arte.

Ana Cristina Cachola, investigadora e professora na Universidade Católica e curadora, é um dos elementos desse coletivo e é a editora deste número especial da ‘Contemporânea’.

Deste percurso e das conversas com Celina Brás, diretora da revista e da Making Art Happen, surgiu o convite para fazer uma edição dedicada à relação entre feminismo e arte, que evolui dessa temática para outra discussão. Em foco neste edição especial da ‘Contemporânea’ está a questão da “visibilidade, neste caso, da invisibilidade de género no sistema de arte contemporânea, em particular, mas não só, no português, onde ainda é uma coisa que se faz notar de forma aguda”, explica ao Delas.pt Ana Cristina Cachola.

A investigadora explica que as diferenças de géneros entre artistas se fazem notar, desde logo, “na ausência de representação de artistas mulheres nas coleções privadas, nas coleções públicas, na programação dos museus ou outros espaços – com algumas exceções – e das galerias comerciais de arte.” Mas não ficam por aqui, já que depois as outras instâncias de legitimação artística, que vão da produção de catálogos à crítica especializada, acabam por refletir e dar continuidade a uma menor visibilidade do trabalho feminino.

O que é preciso mudar?
Como qualquer outra área, a arte não está imune ao padrão cultural em que se insere, mesmo que entre tantas vezes em rutura e conflito com ele.

“Apesar de o feminismo ter sido super importante para a própria constituição daquilo que é arte contemporânea, as instituições ainda são permeadas por uma desigualdade e falta de paridade”, começa por lembrar a investigadora, dando como exemplo, entre os motivos que contribuem para a discriminação de género nas artes, a perceção que se constrói, desde a infância, de que o sucesso e o brilhantismo são traços masculinos.

A isso soma-se o facto de o próprio setor não reconhecer a existência dessa desigualdade, passo fundamental para que haja uma mudança.

“É preciso que haja uma consciência de que o próprio sistema reproduz a desigualdade de género”, defende Ana Cristina Cachola, explicando que grande parte do problema reside no facto de as instâncias artísticas que promovem essa invisibilidade do trabalho artístico feminino “são elas próprias invisíveis e estão de tal forma cimentadas no tecido cultural e social que é muito difícil sequer ganharem a consciência de que estão a ser sexistas, misóginas e discriminatórias” “Portanto, é muito mais difícil serem alteradas ou dar nas vistas por esse facto”, salienta.


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Paralelamente, e apesar dos casos de sucesso femininos que existem na arte portuguesa, a investigadora insiste que é importante “perceber que as exceções que existem são realmente exceções, que, por um conjunto de fatores, conseguiram de alguma forma inscrever-se no sistema da arte”.

Ana Cristina Cachola dá como exemplo a disparidade entre o número de mulheres nos cursos e a sua posterior projeção no mercado artístico. “Se pensarmos que nas escolas públicas e privadas de arte existe mais ou menos uma paridade – até diria mais mulheres – e que os artistas que depois são apresentados nas diferentes instâncias são praticamente só homens, percebemos que tem de haver uma consciência e responsabilidade do sistema para inverter esta larga e profunda discriminação.”

Filha de colecionador sabe avaliar
A questão da desigualdade na arte revelou-se relativamente cedo para a investigadora, filha do colecionador de arte contemporânea António Cachola.

Foi na coleção do pai que se começou a aperceber dessa desigualdade. “Há um grande interesse por ideais feministas, pelas questões de desigualdade desde a adolescência, mas a consciência de a desigualdade ser tão profunda começou a surgir nos últimos três anos.”

A sua primeira aproximação à arte surge, assim, por “razões biográficas” e ainda em terras alentejanas. Ana Cristina Cachola nasceu em Elvas e cresceu em Campo Maior. Mais tarde, já em Lisboa, aprofundou esses conhecimentos, ao nível académico e através da curadoria