Vacinas e ruturas de stock discutidas no Parlamento

Uma das medidas propostas a discussão passa por alargar a vacina do HPV aos rapazes, uma das recomendações feitas pela Sociedade Portuguesa de Pediatria para 2015-16  [Foto: Shutterstock]
Uma das medidas propostas a discussão passa por alargar a vacina do HPV aos rapazes, uma das recomendações feitas pela Sociedade Portuguesa de Pediatria para 2015-16 [Foto: Shutterstock]

Esta sexta-feira, 22 de abril, o Parlamento começa a discutir um projeto de resolução que pretende voltar a colocar a vacinação, as ruturas de stocks e o alargamento do Plano Nacional de Vacinação (PNV) na ordem do dia. Para o Bloco de Esquerda, que apresenta este projeto de resolução, os objetivos passam pelo reforço e alargamento do programa nacional de vacinação. E pede mais: quer que sejam tomadas “medidas para garantir a reposição de stocks das vacinas que integram o PNV, garantindo que não existirão ruturas futuras que coloquem em causa o esquema recomendado da vacinação universal”, que se administre a “vacina contra o vírus do Papiloma humano” também aos indivíduos do sexo masculino e que ” inclua no PNV a vacina contra o rotavírus”, lê-se no documento, onde não são avançados custos associados a estas medidas.

Confrontados com o arranque deste debate, não foi possível, até ao momento, receber respostas por parte da Sociedade Portuguesa de Pediatria, que, no seu plano de recomendações para 2015 e 2016, contempla, entre outras, o alargamento da vacina contra o HPV aos rapazes. Também da parte da da Direção-Geral da Saúde não houve respostas até ao momento.

Hugo Machado, enfermeiro nesta área de saúde, considera que a vacina do Rotavirus e HPV para rapazes “devem ser justificadas de uma forma mais credenciada, tendo em conta os custos elevados que efetivamente trariam, não só pelo medicamento em si, mas por todos os atos associados”. Numa perspetiva exclusivamente pessoal e distanciado das entidades para as quais trabalha, este enfermeiro sublinha que “pessoalmente” tomou “a vacina do HPV em 2011”. Mas lança dúvidas: “Não percebo como haverá imunidade de grupo quando metade da população não é vacinada. Nem como a recente redução do número de doses e de grupos etários para convocar, não libertou verbas suficientes para vacinar os rapazes aos 10 anos, mesmo que sem campanha para jovens de idades maiores ou limitando o acesso a rapazes mais velhos. Mais vale alguns e começar em algum ponto do que nenhuns por injusto que possa parecer”.

Ruturas de stocks: como evitar?
As ruturas no stock são outros dos temas abordados neste projeto de resolução, com o BE a deixar exemplos mais incidentes no interior norte do país. “A vacina adsorvida contra a difteria, o tétano, a tosse convulsa, a poliomielite e conjugada contra o Haemophilus influenzae tipo b, que esteve em falha em vários centros de saúde, em especial no interior do país; ou, mais recentemente, a rutura de stock da Hib (Haemophilus influenzae do tipo b), da VIP (anti-poliomielite) e da DTPa (tétano, difteria e tosse convulsa) em diversos centros de saúde do distrito da Guarda”, são casos enumerados neste documento.


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“As ruturas de stocks são situações que vão sempre acontecer com qualquer bem em qualquer local, cuja causa pode começar no fornecedor de matéria prima chegando até ao distribuidor final”, alerta o enfermeiro Hugo Machado.

E apesar de considerar que “a falha de fornecimento de vacinas é algo expectável pontualmente em qualquer ponto do país”, este especialista considera que “tal não colocará em risco qualquer criança, exatamente por ser pontual”. “O que neste ponto é essencial ser observado é todo o processo que vai desde o fornecedor de matéria-prima até ao distribuidor final e reduzir ao máximo o número de intervenientes, de forma a eficientemente se reduzir a hipótese de falhas, sem haver desperdício. A informatização da totalidade dos stocks existentes é também essencial”, recomenda.

Sem se referir a casos específicos, Hugo vinca que “os prestadores públicos e privados em Portugal recebem as vacinas da mesma entidade pública, pelo que a falha deveria afetar os dois sistemas de igual forma”.

Cidadãos mais envolvidos nestas matérias

E se o BE relança a discussão sobre o alargamento do PNV e incide os holofotes sobre os pontos onde a distribuição diz estar mais frágil, Hugo Machado olha também noutras direções e considera que as medidas que promovem “a participação dos cidadãos” são as que se revestem de prioridade acentuada. E enumera: “A criação de um registo vacinal único em Portugal e consultável pelo cidadão (através da Plataforma de Dados de Saúde, cujo registo de utilizador sugiro a todos os leitores); a partilha pública e transparente de todas as informações pertinentes ao cidadão sobre vacinas; e a possibilidade do cidadão poder partilhar a sua sugestão ou reclamação desde casa sobre qualquer elemento ligado à vacinação através do site da DGS”.

Não vacinar é solução? É de evitar? E como?

É uma das mais acesas e apaixonantes questões com a qual cada vez mais pais se dizem confrontar É também complicado ter um olhar imparcial sobre uma matéria tão delicada.

Ao mesmo tempo, é importante lembrar notícias que têm dado conta de estudos que indicam que os surtos de doenças como sarampo ou tosse convulsa num mundo industrializado como o dos Estados Unidos da América, e desde 2000, estão ligados a movimentos antivacinas

Ao delas.pt, Hugo Machado lembra que “a vacinação em Portugal é dos poucos serviços de saúde assegurado pelo Estado a todas as crianças – no público ou no privado – a custo zero, cabendo apenas aos seus cuidadores a responsabilidade de levar a criança ao local de vacinação. Este acesso à vacinação é assim o primeiro problema para a criança”.

“A toma destas substâncias tem sido alvo de discussão desde a sua existência, não só pelo receio do desconhecido, mas também por quase sempre estarem associadas a investimento e ganho económico de alguém”, contextualiza Hugo Machado

E é nos vários fatores que condicionam a escolha, e no sentido de ter acesso ao maior volume de informação, que aquele enfermeiro se detém, “A toma destas substâncias tem sido alvo de discussão desde a sua existência, não só pelo receio do desconhecido, mas também por quase sempre estarem associadas a investimento e ganho económico de alguém. Por isso foram criadas diversas estruturas (em Portugal estamos sob a influência do INFARMED e da EMA) para avaliar a segurança dos medicamentos e inclusive a autorização da sua utilização no nosso território, incluindo vacinas”, lembra Hugo Machado.

Para o especialista, “o cidadão pode e deve interagir com estas entidades sempre que tiver dúvidas no que respeita a um medicamento, fundamentando a sua dúvida. Tendo estes princípios por base, a recusa de vacinar com base nas características do medicamento, será provavelmente um sinal que outros medicamentos serão também recusados à criança pelos mesmos receios, ou pelo profissional de saúde que a aconselha nesse sentido”.

Num segundo ponto, e por considerar que a “vacinação implica sempre uma agressão à criança, principalmente se injetável”, Hugo Machado diz ser compreensível “o receio dos pais”. A solução? “Um dos pontos fundamentais para a adesão à vacinação passa pela utilização de formas combinadas de vacinas”, para que “numa injeção se consiga proteger contra inúmeros agentes”.

“A vacinação implica sempre uma agressão à criança, principalmente se injetável”, afirma o enfermeiro

O acesso surge – no entender do especialista – como possível agente decisor nesta matéria. “A acessibilidade aos serviços de vacinação deve também ser equacionada. Quantos cuidadores não têm dificuldades em decidir quando levar as crianças à vacina pois os horários propostos pelos serviços são completamente sobrepostos ao seu horário de trabalho e desfasados de outras visitas aos mesmos locais?”

Por fim, lembra: “A vacinação não é o fator único para a prevenção de doenças transmissíveis. A melhoria da salubridade habitacional, o cumprimento de regras de higiene, a redução de contactos com crianças infetadas, são efetivamente dos fatores mais marcantes de redução destas doenças”, elencando exemplos como o da Poliomielite ou a Hepatite A.

“Apenas a conjugação de todas estas medidas permite que, numa comunidade, não haja transmissão de doenças, inclusive entre crianças que, por algum motivo, não foram vacinadas ou em que o efeito da vacina não foi o esperado. Compreensivelmente, esta imunidade de grupo está diretamente ligada à percentagem de crianças vacinadas. Num local onde só uma criança é vacinada, até ela contrairá o agente patogénico, mas as manifestações da doença serão bastante diminuídas ou até inexistentes”, alerta.