Vera Ribeiro: “A maioria das mulheres é muito pobre na fantasia e no imaginário”

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Psicóloga clínica e sexóloga, Vera Ribeiro, mulher do futebolista Rui Patrício, quer pôr os casais a terem uma vida íntima mais plena. Para lá da prática clínica que exerce há cerca de uma década, a especialista é também autora do Manual de Sedução – Jogos Sensuais, Técnicas e Tudo o que Precisa de Saber para Ter Mais Prazer. Um livro para o qual contou com a ajuda do companheiro e no qual revela passos, dicas, recomendações para uma intimidade mais realizada.

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Ao Delas.pt, Vera Ribeiro fala da falta de imaginação, da banalização, conta o que leva os homens a procurarem mais a sexologia do que as mulheres, analisa os perigos da pornografia e aborda – em tempo de #MeToo e de acusações de agressão sexual – qual a margem de superação para uma mulher que viveu traumas dessa natureza.

Como é a sexualidade dos portugueses? Boa ou má?

Boa ou má, não é por aí! Mas podia ser mais completa. Pelo que tenho percebido, está a tornar-se muito redutora, mecanicista, muito por objetivo de lazer, de ter relações sexuais. A importância do outro, de dar prazer, de viver intimidade parecem estar a perder-se. A sexualidade dos portugueses está um bocadinho empobrecida. Faltam, muito, as bases da relação. Portanto, estamos a banalizar este conceito de sexualidade. Muito devido aos órgãos de comunicação social, por fomentarem muito esta sexualidade banal e mecanicista. Ela deve antes ser vista de forma muito natural e deve ter em conta a parte emocional, o outro, tudo isso deve ser mais estimulado.

Porque acontece?

Pegando nas 50 Sombras de Grey. Quando se deu início a esse tipo de literatura – bondage –, houve um despertar, uma curiosidade, mas já se está a banalizar, tornando-a em algo menos construtivo. Depois, as pessoas também não se focam nas coisas mais simples: tentam fazer algo, adquirir algo, fazer algo diferente quando a simplicidade é a resposta. É preciso dar importância à pessoa que está à nossa frente e conhecer-se a si mesmo.

“É preciso dar importância à pessoa que está à nossa frente e conhecer-se a si mesmo”

Numa altura em que as relações são tão diferentes entre si e abertas, o que leva a Vera a fazer um livro [Manual de Sedução – Jogos Sensuais, Técnicas e Tudo o que Precisa de Saber para Ter Mais Prazer] sobre uma sexualidade menos transgressora?

Há, no início do livro, uma parte mais individual para nos compreendermos melhor, percebermos o que gostamos e o que podemos seguir. É preciso não tornar complexo algo que está entre os dois. Mesmo que seja um casal mais arrojado, que queira experimentar coisas diferentes, se ele não tiver esta díade bem alimentada, essa sensualidade e intimidade nunca vão existir. E é ai que está a origem.

 

Os casais estão capacitados para saber pedir ajuda?

Penso que o livro vai dar esse mote. Pretendo ter menos utentes na consulta (risos) porque acho que é importante potenciar esse lado da capacitação, de os casais terem mais ferramentas para se autorregularem e resolverem os seus problemas. Caso isso não aconteça e o livro se torne incompleto, então sabem que existe uma especialidade que trata desses assuntos e à qual podem recorrer para resolver.

Dos casos que foi apresentando no livro, reparei que as pessoas tendem a aparecer, numa primeira fase, sozinhas. Porque acontece?

Normalmente, quem se dirige à minha consulta em primeiro lugar são os homens. Eles procuram ajuda muito cedo do que as mulheres, numa primeira instância.

Porque é que as mulheres resistem mais em ir às consultas de sexologia?

É cultural, mas não só. As mulheres têm muito a tendência em empurrar o problema com a barriga. O tempo resolve ou não será nada de mais, ou se calhar a outra pessoa, o parceiro é que está a ver o problema de forma muito grave, há coisas mais importantes, etc,, etc, etc. Elas vão atribuindo outras causas à situação, eles são mais pragmáticos. Elas arranjam muitas desculpas, muitas situações que consideram prioritárias, e não a parte mas íntima. Elas acabam por protelar esta procura e, quando o fazem, já estão numa situação limite, já têm um ultimato para resolver a sua situação e a do casal. Já vem com pressão, há um divórcio iminente.

Há solução?

Sim. Há sempre solução porque desde que exista interesse em resolver, a solução está sempre iminente nesse horizonte.

Mas sendo o homem que toma a dianteira, é depois fácil levar as mulheres à consulta?

É fácil convencê-las ir a uma primeira consulta porque é meramente informativa. As relações muitas vezes já estão num limite e elas acabam por aceitar. Mas, normalmente, o nosso dever é criar empatia, explicar o que acontece nas consultas, quais são os procedimentos, as taxas de sucesso, quantas consultas serão necessárias, tendo em conta o que conhecemos do caso. A entrega e o empenho são, depois, fundamentais para o sucesso.

O que é preciso que as mulheres mudem para que isto deixe de ser um obstáculo na vida delas?

A forma de estar, o seu interior, a forma como lidam com a sua intimidade tem obviamente que mudar. Se não fez esse caminho sozinha – em termos culturais ou de aprendizagem – tem de haver uma ajuda extra. Muitas mulheres queixam-se da falta de desejo pelo marido há cinco anos, mas têm sexo. Dizem: ‘Não tenho desejo sexual, não tenho vontade, faço porque ele quer para ficar satisfeito’. Isto é, infelizmente, um depoimento muito comum nas mulheres. É muito triste. E o problema é acharem que não há solução. Partem do princípio: ‘não me vou queixar, tenho amigas que passam pelo mesmo’. É uma questão cultural. Temos de entender que o sexo faz parte, é natural na relação e quando não corre bem, há algo que pode ser feito. Isto tem de ser incutido na nossa sociedade.

Há ainda os preconceitos.

Obviamente, o que tenho dito em consulta é que homens e mulheres são completamente diferentes – hormonas diferentes, vontades diferentes. Portanto, a disponibilidade do homem não vai ser igual à da mulheres e, às vezes, basta explicar isto às pessoas para elas entenderem. Há homens que me dizem: ‘por mim, fazia sexo todos os dias’. Obviamente, uma mulher não tem todos os dias vontade, não é possível isso. Essa vontade hormonal ou orgânica tem de ser alimentada por uma vontade mais emocional, de afeto, de carinho, mais romantismo. Tem de haver algo mais

“Temos de entender que o sexo faz parte, é natural na relação e quando não corre bem, há algo que pode ser feito. Isto tem de ser incutido na nossa sociedade”

Nas consultas, quais os maiores problemas apresentados pelas mulheres?
A problemática mais pertinente nas mulheres é o desejo sexual hipoativo. Esta é a razão pela qual muitas vão à consulta. É uma situação primária. Nunca, desde sempre, teve esse desejo, essa vontade e, noutras situações, é uma vontade decrescente, é uma perda que vai sendo verificada ao longo do tempo. Tanto uma, como outra têm de ser analisadas e ver qual é a causa dessa perda ou inexistência.

Quais são os fundamentos desse desejo sexual hipoativo?

A equipa é multidisciplinar e está ligada à endocrinologia, sexologia. Tem de se fazer uma avaliação para perceber a causa: hormonal, neurológica, psicológica. Por exemplo, uma mulher no pós-parto ou mesmo passado um ano de ter sido mãe não tem um desejo sexual acentuado, e é normal que aconteça. Estar, por exemplo, a amamentar pode ser uma das causas para isso e faz com que o desejo seja inferior. Já recebi casos de menopausa precoce, e aí há uma razão hormonal. Não sendo essa a razão, há todo um contexto de vida, um conjunto de recomendações de alteração de estilo de vida que podem levar a uma mudança. A maioria das mulheres é muito pobre na fantasia e no imaginário.

Porquê?

Porque não têm tempo. Se nós mandarmos construir uma pirâmide das prioridades, a intimidade vem sempre cá para baixo. Há coisas muito mais importantes para elas. Mas esquecem-se que a relação que têm é o alicerce para tudo o resto. Viramos a pirâmide ao contrário, que é o que habitualmente fazemos.”

(Gerardo Santos / Global Imagens)

 

E os homens, quais as razões que mais os encaminham para consulta?

Há uns anos, era a disfunção erétil. Agora, como se fala muito da ejaculação rápida ou precoce, acabam por ser esses que acabam por sair à rua e a procurar ajuda. Dá para contornar. Se entendermos a sexualidade como um todo e não apenas como a penetração, claro que tem solução. No final, ele sente-se bem equilibrado.

A especialista Maria do Céu Santo disse, ao Delas.pt, que “não existe disfunção sexual, existe é disfunção de vida”.

(risos) Um dos exercícios que fazemos na consulta – e os casais acham imensa graça – passa por os ajudar a organizar as rotinas. Eles sentem que quando estão a ser acompanhados, que há um mediador, que há alguém que determina que as coisas vão ser de outra forma, e tudo corre lindamente.

“Um dos exercícios que fazemos na consulta – e os casais acham imensa graça – passa por os ajudar a organizar as rotinas”

E qual a taxa de regresso dos casais à consulta?

Alguns regressam, sim. Habituam-se a este estilo e deixam-se levar pela nova rotina. Há sempre um que diz que o outro não fez tudo como estava recomendado, começou a descuidar. Mas se mantiverem o quotidiano criado em consulta, não vejo por que razão a relação volta ao mesmo.

Mas a taxa é alta?

Às vezes, o regresso cinge-se a um telefonema ou email. Depois de falarmos um pouco, fazemos um regresso à chamada de atenção: ‘Lembram-se como estavam quando vieram cá pela primeira vez? O que falavam? O ponto em que estavam?’. No fundo, é tentar fazer uma chamada de atenção precoce para que não haja uma recaída. Quando não fazem esta procura inicial, se deixarem as coisas avançar, já vêm muito mais desanimados porque já fizeram o percurso de terapia, e não lhes está a apetecer fazer tudo outra vez. Já sabem os exercícios, as técnicas. Mas enganam-se porque faz parte do nosso trabalho encontrar outras soluções, técnicas, exercícios. Obviamente não vamos repetir tudo de novo.

“Às vezes, o regresso cinge-se a um telefonema ou email. Depois de falarmos um pouco, fazemos um regresso à chamada de atenção”

No livro, fala na pornografia como elemento que pode afastar o universo da imaginação. Quais são os limites, então?

Falamos na possibilidade de admitir esse caminho, mas é muito mais recomendado viajar para trás na relação ou ver revistas, que fomentam muito mais a criatividade e fantasia. Recomenda-se muito mais a literatura erótica.

Quais os perigos da pornografia?

O perigo é, claro, o empobrecimento, de que tanto se fala a nível da sexualidade. Para já, o que se vê nos vídeos não é o que acontece na realidade, há um desfasamento muito grande. Se forem jovens a visionar, eles vão tentar repetir, vão achar que é uma realidade que depois não existe, que na prática é desagradável estar a tentar imita posições, tempo ejaculatório. Os filmes servem para uma resposta muito rápida do utilizador e não propriamente para uma melhoria de sexualidade.

“O perigo DA PORNOGRAFIA é, claro, o empobrecimento, DE que tanto se fala a nível da sexualidade”

Sob a capa de uma vida sexual menos intensa, um parceiro ser compelido por outro a ter práticas sexuais que, de todo, não quer? Pergunto se estes casos existem efetivamente, se já teve de lidar com eles, se é fácil identificar esta fronteira?

Em consulta nunca me deparei com isso. Já ouvi queixas de ‘faço para que ele se cale’. Se não é o que pretende e não tem prazer, é uma agressão. Já soube, sim, de casos judiciais de mulheres que conseguiram provar que eram agredidas sexualmente no seu casamento, algo que é muito difícil de provar.

Como evitar isso?

Devemos ouvir ambos elementos do casal, de onde vem desejos, eventuais infidelidades. Tendo essa informação do meu lado, recolhida, traçarei o objetivo. Quando há sugestão de outras práticas, é logo dito que a abordagem deve ser voluntária, não vou sugerir aceitação, mas antes entendimento no casal.

“Já soube, sim, de casos judiciais de mulheres que conseguiram provar que eram agredidas sexualmente no seu casamento, algo que é muito difícil de provar”

E o sexo como resolução de conflitos. Quão comum é?

O cérebro feminino tem mais dificuldades em resolver os problemas assim (risos). Mas o homem tende a ter essa aproximação. As mulheres sentem-se muitas vezes, pelo que é verbalizado em consulta, ofendidas. Para ela, a prática é mais emocional, é sinal de bem-estar entre o casal. A mulher, neste aspeto, é mais racional. Do que assisti desde há uns anos para cá, elas verbalizam muito mais este facto.

Há vida sexual saudável para quem foi vítima de agressões sexuais, violação fosse na infância, fosse noutro momento da vida?

Sem acompanhamento e se o trauma for um abuso da sua intimidade, creio que não terá uma vida sexual igual a quem não viveu essa circunstância. Há sempre uma imagem e um significado diferentes. Havendo acompanhamento, é facilmente contornável.

Como?

Separando o significado do que se passou face ao que vai acontecer mais tarde em relações sexuais e de intimidade. Tudo tem de estar bem arrumadinho. O que foi um acontecimento tem de ser olhado como tal, a vida íntima é outro mundo diferente. O trauma não é só o acto em si, é tudo aquilo que envolve. Agora, há casos muito complicados de pessoas que vivem uma vida a esconder o que lhes aconteceu. Fico por vezes impressionada com relatos que foram absolutamente guardados pelos próprios. Consegue-se superar quando as pessoas estão dispostas a pôr um limite a esse sofrimento.

“Sem acompanhamento e se o trauma for um abuso da sua intimidade, creio que não terá uma vida sexual igual a quem não viveu essa circunstância. Havendo, é facilmente contornável”

É a mulher de Rui Patrício, guarda-redes do Sporting, em que medida ele participou ou a apoiou na elaboração deste livro?

Nas nossas áreas profissionais, ajudamo-nos mutuamente dentro do que podemos e conhecemos. Não vou negar que haver um equilíbrio emocional em casa – e isto para qualquer profissão – reflete-se profissionalmente. E o livro foi fruto dessa tranquilidade, dessa ajuda, também de opiniões. O Rui ajudou-me a que o livro fosse mais pragmático e simples possível.

Como assim?

Ajudou-me que o livro não fosse tão clínico. Foi-me dando a opinião do que era percetível para ele, porque havia alturas em que eu sentia que tinha mesmo de mudar a linguagem. Ele foi uma grande ajuda (risos).

“Não vou negar que haver um equilíbrio emocional em casa – e isto para qualquer profissão – reflete-se profissionalmente”

É fácil, junto da opinião pública, demonstrar onde começa e termina a Vera especialista em sexologia e onde começa e acaba a Vera mulher do guarda-redes, entre outros, da Seleção Nacional?

Sexologia ou sexóloga. A própria família sabe o conceito e a especialidade, não nos deixamos afetar por provocações ou títulos que emitam sobre o tema. Fiz sempre questão de separar as duas realidades, são águas diferentes. Esta é a minha profissão há dez anos, nada tem que ver com o Rui. E como tem por base a psicologia, trocamos muitas ideias sobre isso. É uma área com a qual ele está muito familiarizado.

Imagem de destaque: Gerardo Santos/Shutterstock

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