Victoria Guerra: Uma atriz entre os dois grandes filmes portugueses do ano

MV5BMzgzMzgzYTUtYmNhYy00YTUxLWJkNDMtN2I3YzNhOWFiNmY4XkEyXkFqcGdeQXVyMjgyOTI1ODY@

A passadeira vermelha do Festival de Veneza, que termina este sábado, 7 de setembro, recebeu este ano uma comitiva portuguesa. O realizador e o elenco de A Herdade marcaram presença no evento, onde o filme foi nomeado para alguns dos prémios principais – Leão de Ouro e Melhor Atriz (para Sandra Faleiro). O filme dirigido por Tiago Guedes volta a colocar Portugal na competição principal do festival, mais de uma década depois.

Facto sublinhado por Victoria Guerra, atriz repetente em participações no evento – em 2012, esteve em Veneza com o filme As Linhas de Wellington –, que tem um papel pequeno em A Herdade. “É a primeira vez, em 14 anos, que um realizador português está em competição na seleção oficial do festival de Veneza. Estou muito feliz”.

A atriz, que interpreta a personagem Catarina Lopo Teixeira, sublinha que a participação, e a premiação, de produções nacionais em festivais de cinema com importância internacional é frequente, o que nem sempre tem repercussão interna.

“A verdade é que existem sempre grandes nomes e presenças portuguesas nos festivais. No caso de Veneza, que é um dos festivais mais antigos e que não tem um realizador português há 14 anos, é de salientar. E acaba por ser muito bom, porque A Herdade é um filme também bastante português.”

 

A equipa do filme ‘A Herdade’, no Festival de Veneza [Fotografia: Academia Portuguesa de Cinema]

A Herdade percorre a história recente do país – começa nos anos de 1940 e atravessa a revolução de Abril, até aos dias de hoje, desenrolando-se como uma espécie de “western lusitano”, descreve Victoria Guerra. O filme “fala muito sobre as grandes famílias, os grandes latifundiários, das heranças. É a história de uma família, ao longo de vários anos, de uma herdade e da herança que se deixa aos filhos, não só do ponto de vista material como dos valores”.

E se a partir daí é possível fazer o retrato do Portugal, nos últimos 50 anos do século, há outro traço, mais subtil, que, na opinião da atriz, dá ao filme uma característica de portugalidade. “É um filme de silêncios, de tempo e espaço. E aí entra muito essa coisa portuguesa que são os silêncios nas famílias, os segredos que elas guardam, que se vão mantendo e que depois têm impacto futuro, através dos filhos. Sinto que é um filme muito português nesse sentido”. Nesse aspeto encontra semelhanças entre A Herdade e Variações, de João Maia. O filme sobre António Variações (interpretado por Sérgio Praia) tem sido um sucesso de bilheteira, desde a sua estreia a 22 de agosto. Victoria Guerra representa Rosa Maria, mulher de Fernando Ataíde (Filipe Duarte), amigos e cúmplices de António Variações. Apesar das diferenças nas histórias e nos períodos em que elas passam há pontos em comum.

“O Variações também é um filme muito português, porque o António Variações, apesar da excentricidade, era um homem muito ligado à Igreja, à fé, era católico, e havia o amor que sentia pela mãe, a ligação às raízes, à terra.”

A sua personagem em A Herdade é, contudo, bem diferente da de Variações. No filme de Tiago Guedes, Victoria Guerra representa a irmã da personagem de Leonor (Sandra Faleiro), por quem o protagonista, João (Albano Jerónimo), marido de Leonor e homem “cobarde e emocionalmente bastante frágil, tem uma paixão”. Catarina pertence a uma família do regime, conservadora, e “herda da família um peso que a obriga a fugir do país quando se dá o 25 de Abril”. Já Rosa Maria, que viveu fora de Portugal, vários anos, é uma mulher “muito à frente” do Portugal ainda cinzento dos primeiros anos da democracia. Tempos que ainda obrigavam a muitos silêncios.

“O silêncio vem da contenção, muito portuguesa, e isso está bastante presente nos dois filmes. Acho que ainda está muito presente, por causa da ditadura, que durou muitos anos e ainda está muito enraizada na nossa cultura. E isso está bastante presente nos dois filmes. Num menos que no outro: A Herdade começa nos anos 40, o Variações passa-se no pós-25 de abril, mas ainda se sente o peso”, defende.

 

‘Variações’ [Fotografia: João Pina]
A atriz não esconde o contentamento com o público que o filme Variações tem levado aos cinemas. “É bastante raro. O que está a acontecer com esse filme deixa-me muito feliz, porque acho que tem papéis brilhantes. Então o Sérgio Praia…Não tenho palavras. E acho o trabalho do João Maia fabuloso. Foi um trabalho de homenagem e é curioso ver este fenómeno acontecer.”

Victoria Guerra tem dois filmes novos que não deverão tardar a chegar aos cinemas. O Ano da Morte de Ricardo Reis, de João Botelho, baseado na obra homónima de José Saramago, e Pedro, da realizadora brasileira Laís Bodanzky. “Foram dois projetos muito ambiciosos e muito diferentes”, conclui a atriz, que promete dar mais detalhes em breve.

 

Sandra Faleiro em Veneza com ‘A Herdade’: “É como se estivesse a viver um filme dentro do filme”

Festival de Cinema de Veneza: Atores portugueses brilham na passadeira vermelha