O que resta às mulheres de The Handmaid’s Tale depois de se verem oprimidas, torturadas, violadas e privadas dos seus direitos mais básicos? Depois de serem proibidas de votar, de ler, de exercer, desobedecer; afastadas das suas família e remetidas a um mero aparelho de reprodução; e governadas por um regime religioso, totalitário e opressivo? A rebelião.
Abençoada seja a Luta é o título da terceira e nova temporada da premiada série, que regressa à Nos Play a 6 de junho, e cujos três primeiros episódios foram partilhados antecipadamente com o Delas.pt (continue a ler para saber o que acontece).
Adaptada do romance da canadiana Margaret Atwood, escrito em 1985, The Handmaid’s Tale segue a história traumática de um grupo de mulheres férteis, transformadas em “servas” e obrigadas a usar uma capa vermelha para se distinguirem dos demais numa nova sociedade. O drama passa-se num futuro distópico, onde a poluição e os desastres ambientais deixaram grande parte da população estéril. Os Estados Unidos são agora a República de Gilead e as mulheres foram divididas por castas, subjugadas aos seus maridos, enquanto as servas vivem para procriar e dar filhos aos Comandantes e às suas Esposas inférteis.
Ao longo de duas temporadas, o público acompanha a personagem principal, June (Elisabeth Moss), afastada do marido Luke, que conseguiu escapar para o Canadá, e da filha de ambos, Hannah, atribuída a outra família de Gilead. Transformada numa serva, é obrigada a manter relações sexuais com o seu comandante – Waterford – até conseguir engravidar. Na segunda série, June tem finalmente a sua bebé, conseguindo escapar da mansão em segredo, graças à ajuda de Serena, a mulher do comandante que quebra todas as regras pela bebé recém-nascida, a quem chama de filha.
A última cena da segunda temporada termina com June prestes a entrar no jipe que a irá conduzir até perto da fronteira com o Canadá, juntamente com outra serva, Emily. A hesitação é visível e June acaba por entregar a filha recém-nascida à amiga, pedindo-lhe que lhe chame Nicole. O jipe parte e June fica em Gilead, preparada para procurar a sua filha mais velha, Hannah. A rebelião está prestes a começar.
O que pode esperar da terceira temporada (contém spoilers!)
A poucas semanas do arranque nova temporada, o Delas.pt foi convidado pela MGM e a Nos Play a uma antevisão exclusiva dos três primeiros episódios, que se estreiam nos Estados Unidos a 5 de junho e na plataforma da Nos no dia seguinte. Só os primeiros três episódios serão libertados simultaneamente nessa data; já os restantes 10 saem a cada quarta-feira, até 14 de agosto, perfazendo um total de 13 episódios.
Sem lhe querer contar tudo o que acontece neste início de temporada, revelamos apenas o essencial. Abençoada seja a Luta começa exatamente onde terminou a segunda série, com June parada, à chuva, segundos depois de ver o jipe partir com a sua filha recém-nascida e a serva Emily. O que se segue, poderá ser o que muitos fãs já previam: June tenta resgatar a sua filha, no entanto o destino leva-a de volta à casa de Fred e Serena Waterford. O reencontro entre os três é intenso, tal como já fazia prever o trailer (pode ver abaixo), que mostra ainda uma casa em chamas, o regresso da temível Tia Lydia e ainda June vestida com o típico traje das Marthas (as cozinheiras e empregadas de Gilead).
De facto, a protagonista aproxima-se cada vez mais do movimento de rebelião contra a ditadura de Gilead, em que as Marthas participam ativamente. Este será um dos principais temas desta nova temporada, juntamente com o destino da serva Emily, que se dirige para o Canadá com a filha de June. Chegará Emily a atravessar a fronteira e a conhecer o marido de June, Luke?
O misterioso Comandante Lawrence é também uma das personagens centrais desta nova série, juntamente com a sua instável mulher. Será na sua casa que irá decorrer grande parte da ação nestes primeiros episódios da temporada. Mais pormenores, deixamos para dia 6 de junho!
Quando a ficção faz lembrar a realidade
Estávamos em 1985 quando a escritora canadiana Margaret Atwood publicou The Handmaid’s Tale. Na altura, a autora não sonhava com movimentos como #metoo nem #timesup, muito menos com as recentes e restritivas leis de aborto implementadas no Alabama e Geórgia, bem como em outros cinco estados dos EUA. Escreveu a trama, sim, em Berlim, numa altura em que o muro ainda não havia sido derrubado e em que o medo do pós-guerra ainda se fazia sentir.
A história foi adaptada para ópera em 2000, e ainda antes para o cinema, no entanto sem grande sucesso. Seria apenas em 2016 que o produtor norte-americano Bruce Miller e a MGM se juntariam para gravar a primeira temporada da agora aclamada série. Em janeiro do ano seguinte, Trump ganharia as eleições presidenciais. Em abril, estreava-se o primeiro episódio de Handmaid’s Tale na plataforma da Hulu, vinte anos depois de ser escrita, mas mais atual do que nunca.
As declarações misóginas do presidente dos Estados Unidos e as acusações de assédio sexual fizeram eco pelo mundo inteiro e, juntamente com os crescentes movimentos feministas e os casos de violência doméstica e de subjugação da mulher, fizeram a distopia de Gilead parecer menos longínqua, para muitos. Margaret Atwood chegou mesmo a admitir que o sucesso da série podia ser diferente caso Hilary Clinton tivesse vencido as eleições.
Quando questionada sobre as possíveis semelhanças entre The Handmaid’s Tale e a realidade do mundo moderno, a autora respondeu ainda à Variety que todos os eventos retratados na obra já aconteceram algures na História da Humanidade. “Não escrevi leis imaginárias nem atrocidades imaginárias”, revelou a canadiana, acrescentando que todos os acontecimentos da série ocorreram, de alguma forma em estados totalitários, regimes militares, em ordens religiosas ou até na Bíblia. Uma das cenas da “cerimónia”, o acasalamento entre servas e comandantes, é disso exemplo. Génesis 30 é inclusive citado, recordando a história de Rachel, a mulher infértil de Jacob, que lhe pede para engravidar a serva Bila, de forma a que ela possa ter filhos através da criada.
Também a poetisa saudita Majda Gama falou à Times sobre a forma como os eventos da série são uma realidade para muitas mulheres do seu país de origem. “A distopia de uma mulher pode ser a realidade de outra“, sublinhou a escritora, dando como exemplo as proibições de votar, conduzir, viajar, estudar e interagir com o sexo oposto sem supervisão de um guardião.
Esta metáfora entre a série e a realidade ganhou ainda mais expressão a partir do momento em que a indumentária das servas em Handmaid’s Tale se tornou um símbolo de luta pelos direitos reprodutivos. Desde que a produção se estreou, em 2017, que foram vários os protestos onde as capas vermelhas e os chapéus brancos das servas foram vestidos por mulheres, substituindo os típicos cartazes de manifestações.
Ainda no início de maio, a capa vermelha da série voltou a ser usada à porta do Alabama, nos EUA, por mulheres que protestavam contra a polémica lei anti-aborto assinada apenas dias antes naquele estado. Apesar de ainda não ter entrado em vigor, este decreto é ainda mais restritivo que outros implementados nos estados da Geórgia, Kentucky e Mississípi, Ohio, Iowa e Dakota do Norte, onde a lei proíbe o aborto a partir do momento em que um batimento cardíaco fetal é detetado (às seis semanas de gestação). O decreto do Alabama vai mais longe ao não permitir a interrupção de gravidez mesmo em vítimas de violação ou incesto, sendo a única exceção os casos em que a saúde da mãe se encontra em risco.
Apesar da autora da série, Margaret Atwood, não ter feito qualquer declaração sobre as polémicas leis anti-aborto, a canadiana já tinha deixado clara a sua opinião, durante um evento em Nova Iorque, há um ano. Durante uma sessão de perguntas e respostas, Margaret não se poupou nas palavras, comparando as leis que proibiam o aborto a uma “forma de escravatura”. “Forçar as mulheres a terem filhos que não podem sustentar e dizer-lhes que depois vão ter de os criar é mesmo uma forma de escravatura”, frisou na altura. Coincidência ou não, a série da autora foi um dos tópicos mais mencionados no Twitter, horas depois da lei do aborto do Alabama ser assinada.
Veja o trailer da terceira temporada, que estreia dia 6 de junho na Nos Play.
Leis anti-aborto podem levar Netflix a sair da Georgia
A plataforma de streaming acaba de anunciar o seu desagrado pela lei anti-aborto assinada na Georgia, um dos maiores centros de produções cinematográficas dos Estados Unidos da América, onde são gravadas muitas das séries norte-americanas graças a uma política de fortes benefícios fiscais naquele estado.
“Temos muitas mulheres a trabalhar em produções na Georgia, cujos direitos, assim como os de tantos milhares de mulheres, serão severamente restringidos por esta lei”, disse esta terça-feira à Variety Ted Sarandos, responsável pelo Netflix, admitindo apoiar as associações e instituições pró-escolha na luta contra a proibição da interrupção voluntária de gravidez naquele estado. “Dado que a lei ainda não foi implementada, continuaremos a filmar ali. Mas se a lei vier a ser aplicada repensaremos todo o nosso investimento na Georgia“, sublinhou ainda.