Violência doméstica. Redes de urgência não estão no terreno três anos depois

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[Fotografia: Pexels]

Os projetos-piloto para a criação de redes de urgência de intervenção em violência doméstica, aprovados em 2019, ainda não estão implementados, acusou o coordenador da equipa que propôs a medida, enquanto o Governo diz que estão em preparação.

A medida foi aprovada em Conselho de Ministros em agosto de 2019, juntamente com outras de prevenção e combate ao fenómeno da violência doméstica, na sequência da criação de uma comissão técnica multidisciplinar que deveria apresentar propostas no prazo de três meses.

O objetivo era agilizar a recolha e tratamento de dados em matéria de homicídios e outras formas de violência contra mulheres e violência doméstica, aperfeiçoar os mecanismos de proteção da vítima nas 72 horas a seguir à apresentação de queixa-crime e reforçar os modelos de formação.

Especificamente no que diz respeito ao aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção da vítima nas 72 horas a seguir à apresentação de queixa-crime, a comissão técnica, coordenada pelo procurador da República jubilado Rui do Carmo, que é também coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídios em Violência Doméstica (EARHVD), propôs a criação de redes de urgência de intervenção (RUI), entre outras medidas.

“Se [a rede de urgência de intervenção] estivesse implementada, eu conhecia seguramente, mas não está implementada e isso tenho a certeza absoluta”, disse, à Lusa, Rui do Carmo.

Primeiramente em formato de projeto-piloto, estas redes serviriam para garantir uma resposta 24 horas por dia às vítimas de violência doméstica, através de “um modelo integrado de atuação urgente de âmbito territorial” que envolveria operadores policiais, judiciários e membros das respostas e estruturas da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD) e/ou dos Gabinetes de Apoio à Vítima (GAV), “em articulação com as linhas telefónicas integradas no Serviço de Informação a Vítimas de Violência Doméstica (SIVVD)”.

“Só posso dizer que não sei rigorosamente nada sobre isso e eu estou relativamente bem informado. (…) Aquilo que hoje continuo a dizer é que esta decisão do Conselho de Ministros não foi implementada e era urgente que fosse”, acrescentou o responsável, recusando-se, no entanto a especular sobre eventuais motivos para que os projetos-piloto ainda não tenham avançado.

Contactado pela Lusa, o gabinete da secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Rodrigues, afirmou que está “em desenvolvimento (…) o modelo de funcionamento e a forma de operacionalizar a implementação dos projetos-piloto ao nível da criação de redes de urgência de intervenção que se encontram em fase de conclusão por parte das diversas entidades envolvidas”.

Rui do Carmo assumiu-se surpreendido por estes projetos-piloto ainda não terem sido implementados, até porque “foi uma das medidas que o Governo disse expressamente que identificava como prioritárias”. “Penso que continuam a ser um aspeto muito importante deste plano de ação definido em 2019 e que deve ser encarado com urgência. Todos os dias somos colocados perante a necessidade de existir este tipo de intervenção”, garantiu.

Também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) confirmou que estes projetos-piloto não avançaram e que desconhece o ponto da situação.

“A APAV não tem conhecimento da implementação dos projetos-piloto da rede de urgência de intervenção, enquanto organismo pertencente à RNAVVD [Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica]”, disse, à Lusa, Daniel Cotrim, assessor técnico da direção.

De acordo com Daniel Cotrim, “o funcionamento 24 horas não existe” e o que existe atualmente é exatamente igual ao que havia no ano de 2019. A Lusa contactou também a PSP, a GNR e a Polícia Judiciária, mas não conseguiu esclarecimentos em tempo útil.

Para Rui do Carmo, a importância das redes de urgência de intervenção reside sobretudo no facto de os dados estatísticos oficiais demonstrarem “que uma boa parte destas ocorrências acontece (…) em horas e dias da semana em que habitualmente os serviços não estão a funcionar”, como à noite, ao fim do dia ou ao fim de semana.

“Esta rede serviria para, 24 horas por dia, poder ser acionada e poder ser uma rede multidisciplinar e multifuncional, na medida em que englobava o Ministério Público, os órgãos de policia criminal, as entidades judiciárias, mas também a rede nacional de apoio às vítimas de violência domestica e os serviços de apoio às vítimas que estão implantados no terreno, o que permitia que pudesse acudir a qualquer altura do dia ou em qualquer dia da semana a situações que fossem noticiadas e que exigissem uma intervenção imediata”, explicou.

Acrescentou que o que tinha ficado decidido em 2019 era que “se ia trabalhar a partir da resolução [de Conselho de Ministros] para definir em que sítio é que se ia criar e a exata composição destas equipas”.

Outra das medidas que estava também prevista era a revisão do modelo de avaliação de risco, mas, segundo o procurador jubilado, “está exatamente no mesmo pé”.

“Que eu saiba também não há nenhum avanço”, afirmou. Sobre esta questão, o gabinete da secretária de Estado Isabel Rodrigues disse que as necessárias “especificações técnicas (…) foram definidas pelas entidades com responsabilidades neste domínio” e estão concluídas.

“A revisão do instrumento está sujeita agora a um necessário processo de validação científica”, refere. Adianta ainda que os trabalhos para a definição do regulamento de funcionamento da Base de Dados de Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica (BDVMVD) e “o impulsionamento e acompanhamento dos trabalhos de desenvolvimento inerentes à operacionalização” desta base de dados “estão a prosseguir no contexto do Grupo de Trabalho” que foi constituído para o efeito.

“Após a aprovação do regulamento de funcionamento, a BDVMVD irá rececionar dados das entidades-fonte e começar a disponibilizar informação, nos termos e com as finalidades previstas no art.º 37.º-A da Lei 112/2009, de 16 de setembro, na sua redação atual”, conclui.