Leia o perfil de Vitalina Koval, da Ucrânia, ativista dos direitos das mulheres e LGBTI+, pela Amnistia Internacional Portugal, no âmbito da Maratona de Cartas 2018 – Campanha global de direitos humanos da Amnistia Internacional.

Foi na Maidan que Vitalina Koval se fez ativista, naquelas semanas entre os finais de 2013 e o princípio de 2014, em que a Praça da Independência, em Kiev, se encheu de gente a exigir dignidade. Abriu aí o caminho para si mesma em que já nada, nenhuma pressão, nenhum medo, justificava manter-se em silêncio: sobre si própria e sobre os outros em seu redor e sobre a liberdade e igualdade com que quer viver no seu país.

O que começara como um protesto pacífico na Maidan – e ficaria conhecido como a “revolução da dignidade” –, contra a recusa do Governo da Ucrânia em assinar um acordo de associação com a União Europeia, acabou por escalar para manifestações maciças marcadas por violentos confrontos entre manifestantes e as forças de segurança, com numerosos casos documentados de recurso das autoridades a força excessiva e ilegal, de tortura e mortes. Dados oficiais do Ministério da Saúde ucraniano registam que morreram 105 pessoas nos tumultos, incluindo pelo menos 13 polícias.

“Estive duas semanas e meia na Maidan e foi isso que me moldou como ativista. Foi na revolução da dignidade na Ucrânia que senti pela primeira vez a minha vocação”, recorda Vitalina Koval. Em 2015, aos 25 anos, assumir-se-ia como lésbica: “E, depois disso, percebi que já não tinha mais nada a guardar só para mim. Decidi começar a lutar pelos direitos das pessoas LGBTQI e pelos direitos das mulheres”, explica esta defensora de direitos humanos.

Para Vitalina Koval, oriunda de Uzhgorod, cidade no extremo ocidental da Ucrânia onde costumava organizar eventos de arte e culturais antes de se dedicar a tempo inteiro à defesa da comunidade LGBTI+, “os direitos humanos são os direitos que estão na base de tudo, são os alicerces de uma sociedade aberta e inclusiva”.

Com uma energia e coragem contagiantes – e com “rebeldia e amor”, insiste como palavras de ordem –, Vitalina Koval ajudou a criar em 2016 o centro LGBTI+ da sua cidade natal

Com uma energia e coragem contagiantes – e com “rebeldia e amor”, insiste como palavras de ordem –, Vitalina Koval ajudou a criar em 2016 o centro LGBTI+ da sua cidade natal. Nesse espaço são realizados debates semanais sobre os assuntos relevantes para a comunidade LGBTI+ e os participantes entreajudam-se nas mais variadas dimensões de vivência, mesmo face à permanente intimidação exercida por grupos de extrema-direita que promovem o ódio e a discriminação para que o centro cesse as suas atividades.

A defesa dos direitos humanos na Ucrânia – e, em particular, dos direitos LGBTI+ e dos direitos das mulheres – é uma vocação de alto risco, como Vitalina Koval já sentiu na pele. Tanto em 2018 como em 2017, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, as marchas pacíficas que organizou em Uzhgorod foram alvo de ataques por grupos extremistas. Da primeira vez, os insultos gritados por mais de uma dezena de rapazes e homens jovens e a ameaça de ataques físicos motivaram Vitalina a apresentar queixa na polícia – nenhuma informação concreta sobre a investigação lhe foi dada até à data.

Preocupada com a possibilidade de nova investida violenta, já em 2018 Vitalina Koval pediu antecipadamente às forças policiais que protegessem os ativistas que participariam na marcha. A promessa de segurança foi-lhe dada pelo chefe-adjunto da polícia de Uzhgorod. A 8 de março, minutos apenas após o início da manifestação, membros do grupo de extrema-direita “Karpatska Sich” atiraram tinta vermelha sobre as pessoas – Vitalina sofreu queimaduras químicas nos olhos.

Ainda coberta de tinta, esta defensora de direitos humanos foi do hospital para a esquadra da polícia decidida a apresentar nova queixa. Dentro do edifício viu e identificou os atacantes, que não estiveram mais do que algumas horas detidos, menos ainda do que as que Vitalina Koval passou a insistir até que a polícia aceitasse registar oficialmente a sua queixa como um crime de ódio.

Desde 2015 que se assiste a um crescendo de atividade e de agressividade por parte de grupos nacionalistas e de extrema-direita na Ucrânia e a discriminação está bem presente. Os ataques nas redes sociais contra os ativistas que defendem uma sociedade inclusiva são constantes, alguns reportam ser perseguidos nas ruas e espancados. A defesa dos direitos LGBTI+ é caluniada como “propaganda de valores doentios, atípicos para os ucranianos”. A Amnistia Internacional documentou a ocorrência de mais de 30 ataques violentos pela extrema-direita ucraniana desde abril de 2017.

Mas Vitalina acredita que estes grupos são uma minoria: “uma minoria agressiva, mas uma minoria” frisa. “Acredito que quando falhamos é por causa do medo. E eu já não tenho medo. Estou decidida a continuar e acredito que, um dia, estas ameaças vão deixar de existir”.

Para Vitalina Koval há neste momento na Ucrânia dois problemas prementes. “Primeiro, é a atividade dos grupos radicais de extrema-direita ressurgente nos anos recentes, a que temos de nos contrapor e de que temos de nos defender. E, segundo, a inação da polícia que permite que as pessoas que cometem crimes contra ativistas não sejam julgadas – esta impunidade convida a maior violência”.

A defensora de direitos humanos vive agora em Kiev, a capital da Ucrânia, onde aposta numa frente de cooperação com as autoridades ucranianas “para desenvolver legislação sobre os crimes de ódio” e para pôr fim à impunidade dos ataques contra ativistas LGBTI+ e dos direitos das mulheres.

“Ter-me assumido como lésbica foi o meu feito pessoal – percebi que era uma questão de dignidade, que tenho os mesmos direitos de todas as pessoas a ser feliz e a viver livremente. Desde aí, tudo o que quero é proteger os direitos de outras pessoas que foram discriminadas. Todos merecemos a oportunidade de vivermos uma vida em que nos sintamos realizados e felizes”, remata a ativista ucraniana.

Petição por Vitalina Koval

Todas as cinco petições da Maratona de Cartas

Nonhle Mbuthuma: Proteger a terra-mãe como identidade e herança

Geraldine Chácon: Uma força de mudança que não quebra