Vítimas de violência doméstica preferem reabilitação a prisão dos agressores

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Em Portugal, a violência doméstica é crime público desde 2000 e tipificado autonomamente desde a reforma penal de 2007. No entanto, até 2012, as mulheres vítimas de violência doméstica, que Patrícia Ribeiro Faro ouviu para a sua tese de mestrado em Psicologia Jurídica, defendiam como punição não a pena de prisão, mas a reabilitação ou a submissão a um tratamento para os seus agressores.

“Para as vítimas do estudo [intitulado ‘Representações das Vítimas de Violência Doméstica sobre o Sistema de Justiça Criminal’] não é uma condição fundamental a questão de ser crime. Aquilo que a maior parte das mulheres em diferentes contextos – seja na emergência, atendimento de vítimas ou em Casas Abrigo – referiram é que gostariam de ver refletida a necessidade de punição, mas não criminal, porque muitas vezes o agressor é o pai dos seus filhos”, explica ao Delas.pt, a diretora técnica da resposta social Casa de Abrigo para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, da Cruz Vermelha de Matosinhos.

Essa punição passaria pela “reabilitação para a relação ou para a sociedade”, detalha a supervisora do funcionamento da Casa de Acolhimento de Emergência/CVP-Norte e uma das oradoras da tertúlia “A Independência Económica das Vítimas de Violência Doméstica”, que decorre esta quinta-feira, 6 de dezembro, ao final do dia, no Mira Fórum, no Porto, organizada pela UMAR.

A investigadora lembra que apesar de o crime de violência doméstica ter sido autonomizado há dez anos, “o reconhecimento e as alterações sociais demoram muito mais tempo”. Por isso, a consciência de parte da mulher de que é vítima também é recente e em alguns casos minimizada e encarada como normal pela própria.

“Há situações em que a vítima relativiza a violência e o facto de ela pretender que haja uma punição e uma obrigatoriedade, no caso, por exemplo dos alcoólicos, de tratamento, faz com que se tenha de continuar o trabalho com essa mulher, porque ela está a relativizar a violência de que é alvo”

“Aquele agressor – companheiro, marido, namorado ou ex-marido – pode ter um problema com o álcool, mas podia ter batido com a cabeça na parede e em vez disso bate na mulher”, exemplifica a técnica da Cruz Vermelha.

Mas como se trabalha o reconhecimento social e da vítima quando a própria justiça falha na aplicação da lei, como aconteceu recentemente com o acórdão do Tribunal do Porto, em que a vítima de violência foi censurada moralmente pelo juiz e o agressor condenado a pena suspensa?

Patrícia Ribeiro Faro refere que o mediatismo do caso, que valeu a abertura de um processo disciplinar, ofusca outros onde se verificam falhas e impreparações graves dos profissionais da área da justiça no tratamento de casos de violência doméstica.

Sem generalizar à classe profissional, refere, a título de exemplo, o caso de uma magistrada que obrigou uma mulher a revelar a casa abrigo onde estavam os filhos, contrariando o princípio de anonimato que rege os abrigos para mulheres e crianças vítimas de violência.

São situações que acontecem “a muitos níveis” e que para mudarem têm de “passar muito pela formação dos profissionais”, criando-se, por exemplo, no Centro de Estudos Judicários, um “módulo que faça uma alusão específica a essa matéria”. “Em todos os processos e em todo o percurso não há só magistrados, há outros profissionais, todo um conjunto de agentes que se fizerem o seu trabalho vão ter um reflexo em decisões que serão muito mais profícuas e a favor desta ou daquela mulher”, considera.

O empoderamento económico para sair da violência
No mesmo sentido, também o trabalho de empoderamento económico das mulheres tem de ser feito em várias frentes, sobretudo quando se trata de mulheres vítimas de violência doméstica, para as quais a autonomia financeira é um passo fundamental para conseguirem sair da relação violenta em que vivem.

Se medidas políticas, como as que estão contempladas no Orçamento do Estado para 2018, podem ajudar, na opinião de Patrícia Ribeiro Faro elas não são suficientes para combater uma dependência económica que já existe e pode ser agravada no quadro de uma relação de violência doméstica.

“Aquilo que vemos nos registos das repostas que temos para as mulheres vítimas de violência são mulheres que para além da sua baixa auto-estima”, têm baixos níveis de qualificação e a maior parte desempenha trabalhos profissionalmente indiferenciados. “Mais de 50% de mulheres não têm o sexto ano concluído, em termos de situação profissional chegam desempregadas, beneficiárias de RSI – e até esse benefício está muitas vezes ligado com o ofensor – e depois não têm competências laborais, porque estiveram isoladas do mercado de trabalho imenso tempo e do ambiente social e familiar”, explica.

Por todas essas razões, Patrícia Ribeiro Faro refere que é necessária a intervenção e articulação com “a sociedade civil”.

“Nós temos um quadro legal e perante esse quadro legal, as instituições, as comunidades e a sociedade civil, em geral, têm de ir fomentando e criando projetos relacionados com as questões de empregabilidade e aumento das competências laborais e profissionais”, conclui.