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Natália Correia: O espírito indomável que marcou Portugal

Veja alguns dos momentos e frases marcantes de Natália Correia [Fotografia: Arquivo Global Imagens]
“O destino das opiniões solitárias é virem a estar excessivamente acompanhadas num tempo futuro”, escreveu Natália Correia, em 1975, num diário, que documentava o calor da revolução dos Cravos, nos seus primeiros meses, e que viria a ser recuperado, em 2015, num livro intitulado 'Não percas a rosa / Ó liberdade, brancura do relâmpago', pela editora Ponto de Fuga.
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo", disse a escritora e política, numa entrevista, em 1983.
"Para que se justifique a nossa vida é preciso que alguém a invente em nós", esta frase de Natália Correia faz parte da biografia 'O Botequim da Liberdade', escrita por Fernando Dacosta, e editada pela Casa das Letras, em 2013.
"Que sobreviva a esperança no regresso do rei Encoberto. Se morreres como D. Sebastião, contigo se extingue toda a miragem da liberdade para este povo. Incrível e intemporal, esse rei de lenda é para os oprimidos a sensação de um grito por dar", escreveu na sua peça, 'O Encoberto'(Edições Afrodite, 1977)
"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas", em 'O Botequim da Liberdade'.
O grande desastre que aconteceu foi a maneira como ocorreu a descolonização. Ao expulsarem os portugueses, os africanos cometeram o mesmo erro, trágico erro, que os Portugueses quando expulsaram os judeus. O nosso País ainda não se recompôs disso. Angola e Moçambique vão, porém, emendar a mão, recebendo-os de novo, o que irá intensificar-se a partir do século XXI, quando a Comunidade Europeia entrar em derrapagem, até porque nessa altura já a paz será, efectiva naqueles jovens países. Por outro lado, serão eles a salvar-nos economicamente, sobretudo Angola, um dos territórios mais ricos do mundo. Tem tudo, até água", in 'O Botequim da Liberdade',de Fernando Dacosta, editada por Casa das Letras.
"Acho que não vale a pena a mulher libertar-se para imitar os padrões patristas que nos têm regido até hoje", em 'Entrevistas a Natália Correia, de Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
"A mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para os impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas. É no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo", na mesma compilação de entrevistas.
Natália Correia, escritora, política, durante um recital de poesia, no Liceu Pedro Nunes, em 1975.
"O que é a poesia se não uma magia branca, para fazer recuar as forças tenebrosas que querem destruir a vida?!", 'Entrevistas a Natália Correia', de Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
Natália Correia, defensora da despenalização do aborto, escreveu, em 1982, o poema 'Truca-truca', a propósito do primeiro debate parlamentar sobre a interrupção voluntária da gravidez. O texto surgiu como uma resposta à intervenção do deputado do CDS, João Morgado, que à altura, afirmou: “o acto sexual é para fazer filhos”.
'Truca-truca'(excerto do poema): "Já que o coito – diz Morgado – tem como fim cristalino, preciso e imaculado fazer menina ou menino; e cada vez que o varão sexual petisco manduca, temos na procriação prova de que houve truca-truca."
"Este homem que entre a multidão enternece por vezes destacar, é sempre o mesmo aqui ou no japão, a diferença é ele ignorar", poema, retirado de 'O Vinho e a Lira'.
"Estruturalmente, a mulher é avessa, alérgica à ideia de guerra e de conflito. A sua própria experiência maternal a predispõe contra a guerra. Dá vida mas não gosta de contribuir para a sua destruição. É por uma actuação pacífica", em entrevista, de 1983.
"Evidentemente que os partidos são um defeito necessário, porque dividem, mas é uma divisão necessária para agrupar, para reunir a ideia da democracia parlamentar que temos. Agora, o erro das pessoas é adorná-los com méritos extraordinários, porque isso faz-nos cair numa partidolatria, imprópria de espíritos livres!",'Entrevistas a Natália Correia', de Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
Natália Correia com Mário Soares, em 1987.
llona Staller, conhecida como Cicciolina, abraça Natália Correia, escritora, política, no parlamento, em 1987.
"Ó subalimentados do sonho! A poesia é para comer", in 'A defesa do poeta', 'Poesia Completa', edições D.Quixote (2000)
"Gostava de viver em Portugal depois dos portugueses terem ido a Marte". 'Entrevistas a Natália Correia Autores: Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
"A maternidade não me aborrece e devo afirmar até que, dada a influência determinante de minha mãe, em mim, sou uma pessoa marcada pelo signo materno. Tenho um apreço muito especial pela maternidade", 'Entrevistas a Natália Correia Autores: Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
"Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta... De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento",'Entrevistas a Natália Correia Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
Palma Inácio e Natália Correia, na bancada parlamentar do PSD, em 1983.
"Houve tempos em que me atribuíram as coisas mais inacreditáveis e tudo isso começou porque eu era uma jovenzinha não certamente feia, digamos que atraente e as pessoas achavam um escândalo que uma menina bonita pudesse ter ideias,que eram consideradas transcendentes para a sua idade",'Entrevistas a Natália Correia Autores: Antónia de Sousa, Bruno da Ponte, Dórdio Guimarães e Edite Soeiro, Edições Zetho Cunha Gonçalves, 2004.
"Sabe que mais? Quem devia ter-se candidatado à Presidência e estar no seu lugar não era você, era eu. Eu nunca ficaria nesse estado devido a meras derrotas nas urnas e insídias de velhacos", disse a Maria de Lurdes Pintassilgo, derrotada na primeira volta das eleições presidenciais de 1986, em 'O Botequim da Liberdade'.
"E não seremos nós todos portugueses exilados? Mesmo na Pátria. Sobretudo na Pátria, que por isso mesmo é a Pátria da Saudade", in 'Descobri que era Europeia', de Natália Correia, nova edição da Ponto de Fuga, lançada esta sexta-feira, 16 de março, quando se completam 25 anos sobre a morte de Natália Correia.
"Vai ser preciso passarem duas décadas, ou mais, sobre a minha morte para começarem a compreender o que escrevi", in 'O Botequim da Liberdade', de Fernando Dacosta.

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Há 25 anos calava-se uma das vozes mais livres e inovadoras que a literatura e cultura portuguesa da segunda metade do século XX conheceram. Natália Correia, escritora, poetisa, política e intelectual morreu a 16 de março de 1993, em Lisboa.

Ficaram célebres os seus discursos na Assembleia da República, no início dos anos 80, quando ocupou lugares de deputada, e em que aliava à intervenção política a veia poetico-satírica. A sua qualidade literária e a forma como analisava a sociedade, no seu tempo mas também projetando o futuro, revelaram-se proféticas para muitos, como pode ver na fotogaleria em cima.

Desconcertante, de mente astuta e espírito independente, Natália Correia abraçou os valores da Revolução dos Cravos mas foi fugindo a rótulos ideológicos no pós-25 de Abril, período sobre o qual escreveu num diário que viria a ser recuperado em 2015, num livro intitulado Não percas a rosa / Ó liberdade, brancura do relâmpago, pela editora Ponto de Fuga.

Escritora, editora e jornalista, foi deputada à Assembleia da República, primeiro pelo PSD, de 1979 a 1980 e de 1980 a 1983, e depois como independente pelo PRD, entre 1987 a 1991.

Natália Correia nasceu na Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel, Açores, a 13 de setembro de 1923 – a letra do hino açoriano é da sua autoria. Aos 11 anos foi viver para Lisboa com a mãe e a irmã, enquanto o pai emigrava para o Brasil. Fez os estudos no Liceu D. Filipa de Lencastre e iniciou-se na literatura com livros infanto-juvenis. Seria como poeta que se viria a afirmar, mas a sua produção literária foi profícua e diversificada. Escreveu ficção, literatura de viagens, diário, ensaio e teatro.

Para assinalar os 25 anos sobre a sua morte são lançados nas livrarias, esta sexta-feira, os livros da sua autoria, Descobri que Era Europeia e Entre a Raiz e a Utopia, também publicadas pela Ponto de Fuga.

O segundo título apresenta um conjunto de documentos, na sua maioria inéditos, que retrata a relação entre a escritora e o pensador, pedagogo, ensaísta e cooperativista António Sérgio, durante um período de quase 12 anos, entre 1946 e 1958, em plena ditadura do Estado Novo, refere a agência Lusa.

Descobri que Era Europeia é a reedição de um diário da visita da escritora aos Estados Unidos, em 1950, aos 26 anos. Na obra, que mistura ensaio e poesia, são relatados os “sucessos e contradições” vividos na América, naquela época, que levam Natália Correia a sublinhar as suas raízes europeias.

Segundo a Lusa, esta nova edição é transcrita a partir do exemplar da primeira edição (1951), da biblioteca pessoal de Natália Correia, com as suas próprias anotações. Mas inclui inéditos, como o relato da viagem de regresso, 30 anos depois, em representação do então Presidente da República, Ramalho Eanes.

Também o Centro Cultural de Belém (CCB) presta homenagem à autora de “O Vinho e a Lira”, no próximo dia 24 de março, para celebrar o Dia Mundial da Poesia, que se assinala no dia 21. Este ano, o espaço cultural lisboeta dedica a sua programação por inteiro à vida e obra da poeta.

São sete as iniciativas preparadas pelo CCB para lembrar Natália Correia e o seu legado, entre os quais “Natália Correia, Deputada Parlamentar”, “Vida na Poesia e Poesia na Vida: Origens Açorianas de Natália Correia”, “1968-1974. Natália Correia Superstar?”, “A diversidade criativa”, “Natália Correia, a rebelde” e “À conversa com amigos de Natália”, cruzando depoimentos de Cruzeiro Seixas, Manuel Murteira, António Valdemar e António Vitorino de Almeida.

Será ainda abordado o processo movido contra a escritora, pela publicação de “A antologia da poesia erótica e satírica”, nos anos da ditadura (“O julgamento de Natália Correia”), numa programação que abre com a “A intervenção cívica e cultural” de Natália Correia, e o seu “pensamento inovador”.

As iniciativas decorrem no dia 24 de março, das 15h às 19h.