Palmira Cruz levanta-se todos os dias às 7h30 da manhã e nunca se deita antes da meia-noite. Depois de fazer o almoço e tratar da casa vai para o ginásio. Antes das aulas de grupo faz sempre 30 minutos de bicicleta e outros 30 de passadeira. É assim há 11 anos. Uma rotina que poderia ser normal para qualquer reformado, não fosse Palmira ter 100 anos, feitos há dois meses.
“Quando o meu marido faleceu senti-me vazia e tinha de arranjar uma forma de continuar a viver. Resolvi inscrever-me aqui, onde fui recebida e acarinhada de uma forma extraordinária. A ginástica é das melhores coisas que se pode fazer em qualquer altura da vida, faz bem ao corpo e à mente”, explica ao Delas.pt Palmira Cruz.
No ginásio Kalorias, em Linda-a-Velha, a centenária costuma fazer aulas de postura e alongamentos, pilates e localizada. Cinco dias por semana. As colegas e amigas, que na sua maioria têm menos 40 anos do que Palmira, não conseguem esconder a admiração. É que além da genica que demonstra enquanto faz exercício, a idosa tem uma excelente saúde mental e dá-lhes bons conselhos.
“Costumo dizer que quando for grande quero ser como ela. É um exemplo de vida. Ela ensina-nos muito a enfrentar os problemas, dá-nos bons conselhos. Nunca a ouvi com uma queixa, com uma lamúria. Ela gosta de se fazer de valente, não gosta de dar parte fraca. Tem orgulho na sua postura e maneira de ser. O chão dela é mais limpo que muitos pratos em muitas casas”, conta Ana Maria, de 65 anos.
Para percebermos o esforço que Palmira tem de fazer nos treinos fomos com ela participar numa aula de postura e alongamentos. “Hoje vão ser fotografados durante o treino. Adivinhem a quem se deve este aparato todo?”, pergunta a professora Margarida Ravara, antes de começar a aula. Em resposta e praticamente em uníssono, os alunos respondem: “Por causa da Palmira.”
Depois de cerca de meia hora de aula de postura e alongamentos, a centenária parece estar pronta para outra. Põe a conversa em dia com as amigas e é surpreendida por uma idosa que veio para o ginásio por ter sido inspirada pela história de Palmira. Conta que mora longe e não tem muita vontade de sair de casa.
“Entrei para aqui como você e agora sou uma espevitada”
“Oh minha querida, aqui encontra alegria, treino, professores magníficos, colegas maravilhosos, tudo de bom. Entrei para aqui como você e agora sou uma espevitada. Vai arranjar aqui a força de vontade que lhe falta”, aconselha.
Margarida Ravara, que dá aulas a Palmira há praticamente três anos, confessa que a idosa é uma verdadeira inspiração. “É fora de série, é brutalmente inspirador ver que ela tem tantas capacidades, força de vontade, entrega e dedicação. Há tanta gente mais nova que não faz o que ela faz, só nos faz acreditar que nós é que nos travamos”, afirma a coordenadora de aulas de grupo do Kalorias.
Uma vida atribulada
A estrela deste ginásio de Linda-a-Velha sempre trabalhou em casa, mas não teve uma vida fácil. Perdeu a mãe com apenas 1 ano e ainda criança teve um AVC que hoje lhe afeta o equilíbrio.
O pai teve três casamentos. No segundo, a madrasta morreu demasiado cedo e deixou-a, ainda jovem, com quatro crianças nos braços. Uma delas com apenas 10 meses.
“Agora tem 72 anos. Trato-a como filha porque ela veio para o meu colo com 10 meses, muito doente, cheia de piolhos e pus por tudo o que era lado. Salvei-lhe a vida. Quando ela começou a falar chamou-me de mãe e tratou o meu marido por pai. Tenho dois netos e dois bisnetos da parte dela”, esclarece Palmira Cruz.
“Veio para o meu colo com 10 meses. (…) Salvei-lhe a vida”
É muito ligada à família, mas prefere viver sozinha. E nem a idade avançada lhe tira essa liberdade. “Faço as minhas compras e trato da alimentação. Vai lá a empregada às quintas-feiras para fazer aquilo que não me apetece fazer e para me ajudar a chegar aos sítios mais altos, mas quando é preciso também subo e desço escadotes”, sublinha.
Ao final da tarde, depois do ginásio, costuma rezar o terço religiosamente. Mas esclarece: “Sou católica praticante mas não ando sempre metida nas igrejas.”
Qual o segredo para tanta saúde e energia aos 100 anos?
Quando perdeu o marido, o desporto apareceu na vida de Palmira como uma nova razão para viver. Durante a juventude, esta mulher que viveu durante as duas Guerras Mundiais nunca praticou exercício físico.
“Havia um ou outro ginásio mas era para as madames, para a elite. E mesmo assim eram muito poucos”, recorda.
No que toca à alimentação, pouco tem mudado ao longo dos anos. De manhã, ao pequeno-almoço, toma uma chávena de chá de salsa. “É diurético e tenho uma insuficiência renal. Estava à beira de fazer hemodiálise e eu não queria fazer, não quero ficar dependente de nada”, afirma Palmira Cruz.
“Sou católica praticante mas não ando sempre metida nas igrejas”
Nas principais refeições dá prioridade às sopas e aos legumes. Quando está em casa come de duas em duas horas, “um cházinho, um cafezinho com leite ou uma torradinha com doce ou com manteiga”.
Aos jovens que querem chegar à terceira idade com saúde deixa só um conselho: não cometam excessos. “Nunca fumei e só bebo um Vinho do Porto ou licor muito esporadicamente”, acrescenta.
