Benedita Pereira: “Este pode ser o ano de viragem para o cinema nacional”

O realizador Vicente Alves do Ó estava numa sessão fotográfica com Benedita Pereira, para um projeto em que a atriz vai ter apenas uma pequena participação, quando percebeu que o humor estava a fazer dela a rainha da festa. Aí percebeu que a atriz de 33 anos era perfeita para dar vida a Mia, a protagonista de Quero-te Tanto, comédia romântica que estava na altura a preparar e que chegou às salas de cinema nacionais esta semana.

Como queria muito trabalhar com Vicente Alves do Ó, que considera “um géniozinho”, Benedita Pereira nem pensou duas vezes em aceitar o convite e estrear-se no cinema português. Nesta conversa, a atriz fala-nos desta aventura como protagonista, do gosto de fazer comédia, da esperança que tem em 2019 como o ano de viragem para o cinema nacional e comenta o regresso da série Morangos com Açúcar (percorra a galeria de imagens no topo do texto para ver fotografias dos atores).

Como foi esta estreia no cinema nacional?

Já gostava muito do trabalho do Vicente Alves do Ó. Ele consegue fazer drama e comédia. É um géniozinho. O convite surgiu porque vamos trabalhar noutra coisa juntos a seguir. Ele um dia olhou para mim e achou que encaixava muito bem na Mia. Fiquei muito contente, a Mia é um bombonzinho, foi muito divertido fazer uma personagem assim, diferente de todas as que já tinha feito mesmo em comédia. É a primeira vez que faço uma personagem tão livre, ou seja, não é de todo a mais inteligente, não é ambiciosa nem uma mulher cheia de objetivos. É uma mulher livre que só quer ser feliz com o Pepê [personagem de Pedro Teixeira em Quero-te Tanto], por quem é muito apaixonada.

Do que mais gosta nesta Mia?

É esta ingenuidade. Ela não quer muito da vida, só quer ser feliz. E esta coisa romântica que ela tem com o Pepê. É um amor que todos gostavam de ter. Ela não consegue ver a vida sem ele, por muito que ele não seja ideal em algumas coisas, para ela é um príncipe e ela faz tudo por amor, até as coisas mais parvas, como roubar rapidinhas.

No final deste filme a Mia torna-se mãe. A maternidade está nos teus planos?

Está, é uma coisa que sempre quis mas fui adiando. Há de acontecer.

Se só pudesse fazer cinema, televisão ou teatro para o resto da vida, qual escolheria?

Não tenho muita experiência em cinema. Fiz alguns filmes nos EUA e curtas-metragens em Portugal, mas a paixão pela representação surgiu do teatro. Gosto muito de fazer as três coisas. Aliás faço por conseguir ir saltando de uma coisa para a outra porque as três são muito diferentes e complementam-se. Se tivesse de escolher, provavelmente ia ter de escolher o teatro, mas não quero escolher.

Já fez várias personagens cómicas. Qual é o truque para fazer os outros rir?

É difícil fazer bem comédia porque a reação é muito imediata. No drama, por exemplo, o espectador não tem de ficar a chorar nem irritado, são outro tipo de sentimentos. A comédia é algo muito direto, quase pavloviana. No momento até podemos estar a achar muita graça, mas quando vemos a seguir a perspetiva já é diferente. Fiz vários tipos de papéis, como um homem que está preso dentro de um corpo de mulher. Há diversos tipos de personagens e a comédia é uma maneira diferente de as atacar.


Como se prepara para uma personagem deste género?

Tentei livrar-me de alguns vícios das personagens que costumo fazer mais, as que sabem o que querem, são inteligentes e têm objetivos. De alguma maneira, as personagens que fiz foram sempre assim e esta é um género completamente diferente. Esta permitiu-me uma liberdade, sem filtros, curtir o momento e estar recetiva às coisas que o Vicente nos ia atirando. Às vezes acrescentava coisas no próprio dia. Não é uma personagem para se preparar muito, para ler não sei quantos livros nem filmes. Vi alguns franceses de que o Vicente me falou, mas foi mais algo de se viver, perceber quem era esta Mia e ir experimentando. Não foi propriamente um trabalho de composição gigante.

O que gostava de fazer mais ao nível da comédia em Portugal? Vê-se a fazer um espetáculo de stand-up?

Não, não acho que o stand-up seja o meu forte. Uma vez fiz uma coisa de storytelling e fiquei muito nervosa. Já experimentei fazer comédia de improviso no EUA, fiz três ou quatro níveis de formação nessa área em algumas escolas, e gostei muito, apesar dos nervos. Não vou fazer disso vida, mas serve para muitas situações quando estou a fazer um filme ou uma série, é mais uma ferramenta que tenho. Dentro da comédia gosto de uma boa sitcom, gostava que houvesse mais, e gostava de explorar mais os sketches, já fiz algumas coisas nos Donos Disto Tudo e fiquei com vontade de experimentar mais. A minha praia deve ser algo mais do género das sitcom e teatro.

Já teve oportunidade de ver o Quero-te Tanto?

Ri-me imenso, a parte da comédia resultou, pelo menos para mim. Tenho um riso fácil, mas também sou muito crítica do meu trabalho e das coisas que faço. Ri-me muito comigo e com os outros. Houve coisas que resultaram bem e não fazia ideia.

Qual é a sua cena preferida?

Gostei muito da cena em que o Pepê vai apanhar um pombo para fazer arroz de pombo. A parte em que ele regressa para mim, estou a comer e tiro-lhe as penas. Essa sequência está super engraçada. O assalto às rapidinhas está muito parvo, também gostei muito.

Se estivesse na mesma situação deste casal, com problemas financeiros e uma família para sustentar, era capaz de cometer uma loucura destas?

Tenho mais dois dedos de testa do que eles, não era capaz de fazer uma loucura destas nem de roubar, mas provavelmente faria coisas que neste momento não me vejo a fazer, como aceitar um trabalho que não era bem o que queria.

Qual foi a cena mais difícil de fazer? Difícil no sentido de ser tão divertida que não conseguiam parar de rir.

Há uma em que, já na prisão, vou comer um bolo de chocolate. Eles estavam sempre a dizer: “Vá, mete mais bolo na boca.” Essa foi muito difícil. A outra foi com a Fernanda Serrano, quando ela está a contar a história que a levou à prisão e depois cai para cima do meu ombro.

Algumas das cenas deste filme foram gravadas em Serpa, no Alentejo. A Benedita é do Porto e vive em Lisboa. O que distingue os portugueses nestas três diferentes zonas do país?

Em Lisboa já há aquela atitude cosmopolita. As pessoas veem um ator na rua, por exemplo, e acham normal, ninguém liga grande coisa. Basta ir ao Porto, que além de ser a minha cidade também é uma grande cidade, para haver logo uma reação completamente diferente. As pessoas têm mais entusiasmo. Em Serpa então isso sentia-se ainda mais, era um acontecimento estarmos lá a filmar. As pessoas nos meios mais pequenos tendem a ser mais simpáticas e afáveis com todos. Quando vem uma pessoa de fora querem mostrar o melhor que têm, a melhor comida. Apesar de os portugueses, em geral, serem um povo muito simpático.

Ainda há preconceito por parte dos portugueses em relação ao cinema nacional?

Há porque não há muito. Espero que este ano seja o ano da viragem, estou com esperança. No ano passado, quando estávamos a filmar, percebemos que se estavam a fazer muitos filmes para estrearem este ano. Vi a Snu e adorei. Estou curiosa para ver o Diamantino. É uma questão de hábito. Se houver sempre um filme português nas salas, as pessoas vão acabar por ver. Há uma grande viragem, há novos realizadores, uma nova maneira de filmar e contar histórias. Já não é só aquele filme em que as pessoas dizem: “Ai que seca, vou adormecer.” Tem de haver cinema de autor, mas também têm de haver outras coisas. Este filme é uma comédia romântica para toda a família e tem de ser assim. Há lugar para todos e tem de ser sempre bem feito. O facto de ser comercial não significa que não seja bem feito. É uma história divertida e bonita de se contar. Temos escritores tão bons na literatura. Também têm de haver pessoas a escrever bem para cinema e, para mim, tudo começa no texto. Este pode ser o ano da viragem para o cinema nacional.

Vai muito ao cinema?

Vou menos do que queria. Estupidamente vou mais ao cinema quando estou nos EUA, que é mais caro, mas lá os meus horários são diferentes e há muita oferta. Agora fui lá antes dos Óscares e queria ver os filmes todos antes da cerimónia, por exemplo. Vejo também muito cinema em casa e muitas séries na Netflix. Internacionalmente as séries têm sido mais interessantes do que os filmes. Os filmes têm sido muito repetitivos, é sempre a mesma história contada de outra maneira. Há um ou outro que nos arrebata, mas a nível internacional ultimamente há mais boas séries do que bons filmes.

Lembra-se do último filme que viu?

Estou a fazer uma personagem que fala francês e vi recentemente na Netflix o filme francês Nada a Esconder, em que um grupo de amigos mete os telemóveis em cima da mesa e têm de ler uns para os outros as mensagens que vão recebendo ao longo da noite.


Qual é o seu género de filme preferido?

Gosto de um bom dramalhão. Um dos filmes que me marcou foi o Linha Fantasma, há um ano e meio. É uma obra de arte, tudo é bonito e os atores são incríveis. Não é um dramalhão no sentido de todos morrerem, mas há também uma certa delicadeza e comédia. Gosto quando os dramas não se levam muito a sério e também têm coisas com graça sem ser com piadolas. Adoro comédias francesas e não sou a maior fã de filmes de ação, que até gostava de fazer. Deve ser muito fixe, mas fico muito confusa com as perseguições. A certa altura já não sei quem é que está a perseguir quem. Não sigo muito os filmes por género, já não faz sentido.

As comédias românticas são sempre muito associadas ao público feminino. O que pode levar também os homens ao cinema ver este Quero-te Tanto?

Os homens vão com as mulheres. Como é muito comédia e os homens gostam vão acabar por ir. Claro que o filme tem um lado romântico, mas também tem um lado muito divertido nonsense, é uma comédia pura e dura. Os homens gostam disso, é um humor transversal ao género.

Tem-se falado muito do regresso dos Morangos com Açúcar. Como vê o regresso desta série que marcou o início da sua carreira?

Ainda não percebi quando vai regressar porque ainda não estão a produzir, estou curiosa. Os Morangos com Açúcar fazem parte do meu coração, da minha história, do meu crescimento e guardo esses tempos com muito carinho. É uma boa escola. Desde que os Morangos acabaram nunca mais se fez uma série juvenil que tivesse sucesso, era uma fórmula que funcionava. Há miúdos hoje em dia que não têm idade para me conhecer da altura em que deu, porque isso já foi há 16 anos, e me reconhecem. Sentimos que fizemos história, o que é estranho. Tenho muito carinho pela série, espero que tenha imenso sucesso e gostava de ir lá dar uma perninha.

Em que outros projetos vai estar este ano?

Estou a gravar a novela da TVI, Prisioneira, até final de outubro. Deve estrear em maio. Para o ano é que já tenho convites para dois espetáculos de teatro no Porto. Em 2020 vou estar muito na minha cidade natal. É tudo o que sei até agora. Só no teatro é que sabemos as coisas com tanta antecedência, na televisão e no cinema é tudo para ontem. É ir vendo.

“Quero-te Tanto”: o filme que promete pôr toda a família a rir