Noviças Lara, Michele e Tatiana revelam chamamento e o que querem poder mudar na Igreja

Jovens chegam a Lisboa
Lara Pradolesi, Michele Vieira e Tatiana Caquarta estão com as irmãs Doroteias e estiveram na JMJ em Lisboa Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. [Fotografia: Leonardo Negrão / Global Imagens]

Lara tem 31 anos, Michele, 27, e Tatiana, 21. As três noviças que têm estado, em Lisboa, nesta Jornada Mundial da Juventude que acaba este domingo, 6 de agosto, pertencem à Congregação das Irmãs Doroteias e contam à Delas.pt o que as levou a fazer o caminho do Deus e, como mulheres, o que sonham poder mudar ou ajudar a mudar a partir de dentro da religião.

Oriundas de Itália, Brasil e Angola, todas estas jovens mulheres estão, ainda que em momentos diferentes, a fazer o seu percurso de dedicação e consagração e falam no papel dos elementos femininos na Igreja.

Agora, em conversa com a Delas.pt, revelam como sentiram o apelo da espiritualidade, como integraram a Congregação e o que sonham poder fazer com a sua ação.

Lara, Michele e Tatiana priorizam, numa antecipação do seu futuro como Irmãs Doroteias, a importância de trazer mulheres na busca da sua identidade e dos seus direitos, da consciência no seu papel e da importância do que podem fazer.

Leia, em discurso direto, como é que estas três jovens receberam e sentiram o ‘chamamento’ e o que pretendem fazer no seu percurso:

Lara Pradolesi

31 anos
Família católica
Itália
Primeiros votos pós-noviciado

Chamamento: “Desde os meus 18 anos que tinha a pergunta de como ser feliz e que lugar tinha Deus na minha vida. Fiz o meu percurso cristão, pertenci ao grupo de jovens na minha paróquia e, quando fui para a universidade, vi as Irmãs Doroteias. Aquela felicidade delas tocou-me muito, aquela alegria com que compartilhamos a vida de cada dia. E perguntei-me se aquele tipo de felicidade podia ser para mim. Fiquei muitos anos em dúvida porque não queria aceitar essa escolha de vida, porque é diferente da normal. Mas no final senti-me mesmo amada, percebi que este é o amor que Deus tinha para mim, e pensei como o poder partilhar com os outros. E ali voltaram estas irmãs que, com a alegria, davam a possibilidade de viver e de fazer conhecer Deus aos outros. O chamamento chegou pelos 26 anos, quando terminei o curso universitário de Teologia, mas de forma civil. Procurei aquela felicidade por muitos caminhos diferentes, no final senti esta alegria, esta simplicidade de vida aqui. Depois de dois anos de noviciado, fiz os meus primeiros votos no último 11 de junho e estou cá em Portugal.”

O que gostava de poder mudar: “Para mim, é fazer tomar consciência do que é ser cristão, o saber viver cada dia o Evangelho, que não quer dizer fazer coisas enormes e ficar nos jornais, mas sim viver com amor, fraternidade, paz, aqueles valores do Reino. Quero poder chegar às pessoas para lhes poder explicar isso. E essa proximidade com os jovens ajuda muito, faz parte das pequenas coisas que são necessárias fazer. Ser pela justiça, a paz e o amor. Para mim, chegava que cada pessoa pudesse sentir isto para viver já num mundo diferente.

Num segundo ponto, acho que as mulheres podem, porque têm capacidade, de deixar uma pegada, uma herança, um rasto. Na Igreja é preciso isso, porque o facto de fazer parte, como religiosa, como consagrada, é possível, a partir das mulheres chegar a todos. É preciso manter uma proximidade que não é de cima para baixo, mas ser companheira de um caminho que pode mudar o mundo neste sentido. Porque a igreja não é maior ou menor, mas deve ser no mundo.”

Michele Vieira

27 anos
Mãe católica, pai evangélico
Brasil
Dois anos de noviciado

Chamamento: “Há dois anos. Eu participava muito na paróquia e ajudava famílias. A minha vocação surgiu porque era algo que eu sentia e que ia para além da ajuda que já dava na paróquia. Tanto é que eu procurei um carisma que fosse correspondente àquilo que eu procurava, e encontrei isso mesmo nas Doroteias. Um dia, uma irmã visitou a minha paróquia e, quando tive oportunidade, perguntei-lhe a que congregação pertencia. Tentei falar com ela no primeiro dia, não consegui chegar a tempo. Depois, voltei a tentar, consegui falar com ela, que me pediu para eu voltar no dia seguinte, à casa da irmã dela (estava em visita) e que me explicava melhor. Disse-lhe que seria complicado porque, durante o dia, estava a trabalhar, eu era assistente de escritório, trabalhava como projetista. Ela respondeu-me: “Nem que seja meia-noite, aparece e conversamos”. E fui. Agora, estou no noviciado há dois anos, em Roma.”

O que gostava de poder mudar: “Na paróquia onde atuava, como coroinha [menino ou menina que ajuda à missa], não via uma grande parte onde as mulheres eram bem aceites. O mundo está assim. Mas, depois de uma certa conversa e depois de o meu pároco lutar um pouco, passei a estar ali junto de outros coroinhas. Ou seja, deixa lá uma semente no sentido de trazer essas meninas.

Vemos depois que a maioria das pessoas da comunidade são mulheres. Agora, como as trazer? Primeiramente, temos de trabalhar com a mulher na busca da sua identidade, do reconhecimento, ela saber que é importante naquilo que ela faz, na função que ela ocupa, no papel que tem na sociedade. E não é porque ela está ali que ela é menos mulher. Não! Acredito que todos os trabalhos, tudo aquilo que fazemos deve ter igualdade, o mesmo reconhecimento.

Sabemos que é um desafio e acredito que vamos sempre ter que a trabalhar, não vai acabar. Por mais que procuremos avançar nesta matéria, vemos que ainda assim existem quem regresse devido à cultura que carregam, por exemplo, as mulheres muitas vezes aceitam ser submetidas ao homem. Então, temos de motivar estas mulheres, elas terem a noção de si próprias, da sua identidade, das suas motivações. Mas esse trabalho também deve ser feito com os homens, eles também saberem aceitar, porque não adianta nada eu fazer um trabalho só com as mulheres, tem de ser com os homens também”

Tatiana Caquarta

21 anos
Família católica
Angola
Primeiro ano do noviciado

Chamamento: “Senti-o há cinco anos. Tentava fugir desta chamada de Deus, que me fazia há bastante tempo, procurando fazer qualquer coisa que me satisfizesse. Acho que era o desconhecido que me fazia fugir. Depois de um longo processo, fui aceitando este convite que Deus me foi fazendo ao longo da minha caminhada. Por intermédio de uma irmã do Sagrado Coração de Jesus, ela foi trabalhando comigo, falando-me da vida religiosa, consagrada.

Um dia, vi uma Irmã de 80 anos na minha paróquia, e a forma como ela transmitia o Evangelho, como falava com os jovens, com autoridade, mas sem ter aquele medo de ser mulher e, além de tudo, ser religiosa. Depois, existe a questão de o facto de se ser religiosa quase não ser, como dizer, moda, parece que a juventude está um pouco distante da espiritualidade. Uma das palavras do Papa Francisco que me motivou também foi a de que a mulher é a beleza da Igreja. Cada mulher, cada pessoa é uma flor que completa um bouquet. Se assim não fosse, que graça teria a vida aqui e como a espalhamos aqui?

Eu estudava, terminei a escola média, não fiz ainda a faculdade. O meu pároco queria que eu terminasse primeiro a faculdade e que depois ingressasse na Congregação das Irmãs Doroteias. Mas eu disse que não, não consegui esperar mais. Para mim, era agora. Atualmente estou em Roma, a fazer o noviciado, que é um processo de enamoramento, estar mais próxima de Jesus, ler e saber mais.”

O que gostava de poder mudar: “Gostaria de trabalhar mais o eu da mulher. Penso que 20 a 30% das mulheres têm ainda este medo de se expressrem no que sentem, de falar, de fazerem o que querem. Quero poder ajudar todas as mulheres da comunidade.

E, mesmo de dentro, também trabalhamos o nosso eu, reconhecer acima de tudo que todas nós somos chamadas por Deus. Quero poder ajudar as mulheres, é preciso que cada uma encontre a sua identidade, isto é fundamental.”