‘Baby bust’. O que é e duas medidas urgentes para a combater e travar

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[Fotografia: Pexels/Puxabay]

Quebras drásticas nas taxas de fertilidade da maioria dos países até 2100 e a quase duplicação simultânea da percentagem de nados-vivos nas regiões mais pobres terão “enormes consequências para as economias e as sociedades”, alerta um estudo.

O trabalho, publicado na revista científica britânica Lancet, mostra um “mundo demograficamente dividido”, apelando os autores para que os governos façam planos para enfrentar “as ameaças emergentes às economias, à segurança alimentar, à saúde, ao ambiente e à segurança geopolítica provocadas por estas mudanças demográficas”.

“Até 2050, mais de três quartos (155 de 204) dos países e territórios não terão taxas de fertilidade suficientemente elevadas para manter o tamanho da população ao longo do tempo; este número aumentará para 97% dos países (198 de 204) até 2100″, refere um comunicado da Lancet sobre o estudo divulgado hoje.

Ao mesmo tempo, preveem-se “mudanças pronunciadas nos padrões de nados-vivos”, com a sua percentagem “quase a duplicar nas regiões de baixos rendimentos, de 18% em 2021 para 35% em 2100”, enquanto “a África Subsaariana será responsável por uma em cada duas crianças nascidas no planeta em 2100”, adianta.

Nos países de baixo rendimento, aconselha-se que haja melhorias no acesso à contraceção e que se aposte na educação feminina para ajudar a diminuir as taxas de natalidade, enquanto para os países mais ricos e com taxas de fertilidade baixas são consideradas vitais medidas que “apoiem os pais e a imigração aberta, para manter a dimensão da população e o crescimento económico”.

Para sustentar a substituição geracional da população, a taxa de fecundidade total de um país deve ser de 2,1 crianças em média por pessoa em idade fértil.

A investigação agora divulgada baseia-se em estimativas do Estudo sobre a Carga Global da Doença e Fatores de Risco (GDB) 2021, do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME), da Universidade de Washington, e os cientistas recomendam medidas para reduzir os danos previstos.

Stein Emil Vollset, do IHME e supervisor do trabalho, considera que se enfrentarão “mudanças sociais surpreendentes” ao longo deste século, com um “‘baby boom’ (explosão de nascimentos) em alguns países e um ‘baby bust’ (quebra acentuada de nascimentos) noutros” em simultâneo.

“Enquanto a maior parte do mundo enfrenta sérios desafios ao crescimento económico com uma diminuição da força de trabalho e a necessidade de pagar e dar assistência a populações envelhecidas, muitos dos países com recursos mais limitados na África Subsaariana estarão a lutar para apoiar a população mais jovem e de crescimento mais rápido do planeta em algumas das zonas da Terra mais instáveis política e economicamente, com sistemas de saúde mais frágeis e ‘stress’ devido ao calor”, adianta o investigador, citado no comunicado.

Utilizando novos métodos para prever a mortalidade, a fertilidade, os principais fatores de fertilidade (por exemplo, o nível de educação, a necessidade não satisfeita de contraceção moderna, a mortalidade infantil e a vida em áreas urbanas) e os nados-vivos, os investigadores calculam que em 2100 apenas seis países em todo o mundo terão taxas de fertilidade acima do nível de substituição populacional (2,1).

Taxa de fertilidade cai em mais de metade em 70 anos

Nos últimos 70 anos, a taxa de fertilidade caiu para mais de metade, passando de “cerca de cinco filhos por mulher em 1950 para 2,2 filhos em 2021”. Esta tendência de declínio é particularmente preocupante em locais como a Coreia do Sul e a Sérvia, onde a taxa é inferior a 1,1 filho por mulher em idade fértil.

No entanto, em muitos países da África Subsariana as taxas de fertilidade continuam elevadas – a taxa de fertilidade da região “é quase o dobro da média mundial, com quatro filhos por mulher em 2021”. O Chade tem a taxa mais elevada do mundo, sete nascimentos.

O estudo prevê que a fertilidade mundial diminua ainda mais, atingindo uma taxa global de “cerca de 1,8 em 2050 e 1,6 em 2100”. Nesta data, “espera-se que apenas seis dos 204 países e territórios (Samoa, Somália, Tonga, Níger, Chade e Tajiquistão) tenham taxas de fertilidade superiores a 2,1 nascimentos por mulher”, enquanto 13 países, incluindo o Butão, o Bangladesh, o Nepal e a Arábia Saudita, deverão ter taxas inferiores a um filho por mulher.

Cabo Verde, com uma taxa prevista de 0,91, será o oitavo entre os 10 países com taxas de fertilidade mais baixas em 2100, numa lista liderada pelo Butão (0,69) e que termina com a Bósnia-Herzegovina (0,95).

Para a Europa Ocidental, a taxa de fertilidade prevista é de 1,44 em 2050 e de 1,37 em 2100, calculando os investigadores que “Israel, Islândia, Dinamarca, França e Alemanha tenham as taxas de fertilidade mais elevadas, entre 2,09 e 1,40, no final do século”, enquanto no resto da Europa e em partes da Ásia se preveem taxas “muito mais baixas”.

Em 2022, a taxa de natalidade em Portugal foi de 1,43, segundo o serviço de estatísticas da União Europeia – Eurostat.

“A maior parte do mundo está em transição para um declínio natural da população (quando o número de mortes excede o número de nados-vivos)”, refere o comunicado, adiantando que as previsões apontam para que “apenas 26 países continuem a registar um crescimento populacional em 2100”, incluindo Angola, Zâmbia e Uganda.

Segundo o texto, existe um intervalo de cerca de 30 anos entre o momento em que a taxa cai abaixo do nível de substituição e a altura em que se torna negativa. “Estas tendências futuras nas taxas de fertilidade e nados-vivos irão reconfigurar completamente a economia global e o equilíbrio de poder internacional e exigirão a reorganização das sociedades. O reconhecimento global dos desafios em torno da migração e das redes de ajuda globais será ainda mais crucial quando houver uma competição feroz pelos migrantes para sustentar o crescimento económico e à medida que o ‘baby boom’ da África Subsariana continuar em ritmo acelerado”, assinala Natalia V. Bhattacharjee, investigadora do IHME e coautora principal do estudo, citada no comunicado.

“Um grande desafio para os países da África Subsariana com a (taxa de) fertilidade mais elevada é gerir os riscos associados ao crescimento populacional ou arriscar uma potencial catástrofe humanitária”, aponta Austin E. Schumacher, professor assistente interino do IHME e coautor principal do trabalho.

Schumacher considera que “a enorme mudança no número de nascimentos sublinha a necessidade de dar prioridade a esta região nos esforços para diminuir os efeitos das alterações climáticas, melhorar a infraestrutura de cuidados de saúde e continuar a reduzir as taxas de mortalidade infantil, a par de iniciativas para eliminar a pobreza extrema e garantir que os direitos reprodutivos das mulheres, o planeamento familiar e a educação das raparigas terão a atenção de todos os governos”.

LUSA