
Metade da população portuguesa é composta por pessoas que estão ou vão estar em menopausa. Tendo estes números em mente, Cristina Mesquita de Oliveira, 57 anos e com carreira feita na indústria farmacêutica, alerta para o facto de este processo feminino “não vir uma única vez mencionado no Programa Nacional de Saúde Reprodutiva e Planeamento Familiar” e de o tema ser pouco tratado em Portugal.
A propósito do lançamento do livro Descomplicar a Menopausa (Editora Influência), a autora quer trazer o tema para o espaço público, falar de tratamentos e alternativas e clamar por alterações urgentes. “A menopausa tem de sair dos hospitais e entrar nos centros de saúde”, afirma ao Delas.pt.
A também fundadora da VIDAs – Associação Portuguesa de Menopausa revela saber que “até há vontade política de introduzir alterações”, mas que o facto de a causa ser “pouco apelativa” tem “adiado prazos” para novas medidas entrarem em vigor.
A autora enumera, por isso, a “criação de literacia, espaços de confiança para debater menopausa, onda positiva face a ela e colocação nos centros de saúde, empoderando as mulheres de informação para lidar com a menopausa.” Ou seja, tratá-la no domínio da prevenção e não como, numa fase avançada, doença, libertando, ao mesmo tempo, os serviços de ginecologia das unidades hospitalares. “As grávidas são acompanhadas nos centros de saúde e só os casos mais graves são acompanhados nos hospitais, o mesmo deve acontecer com a menopausa”, compara.
Por isso e de forma inequívoca, sugere: “Tornar a Terapia Hormonal da Menopausa (THM) gratuita nos centros de saúde, sob prescrição médica. Não é tudo mas será um grande avanço. Foi assim em Inglaterra. Da vontade de tornar a THM acessível a todos, derivou uma campanha estruturada e adequada ao público em geral de informação e literacia em THM e, consequentemente, menopausa.
“O médico de planeamento familiar, quando está perante uma mulher, tem outras coisas na cabeça: o tempo, o rastreio do colo do útero, o do cancro da mama, a citologia, há um conjunto de rotinas em que os dez minutos de consulta se calhar chegam, não dão para tudo”, descreve. E revela: “Nem chega a ser muito bem percebido como, estando num SNS com índices de qualidade capaz de vacinar contra a covid-19 85% da população nacional num tempo recorde, estejamos também perante um mesmo sistema que não tenha percebido que há dois milhões de mulheres portuguesas a lidarem com a menopausa. Há necessidade de reformular as políticas de saúde para que tenhamos direito à assistência, no caso de as mulheres a quererem e necessitarem.”
“A literacia menopausa tem de começar na escola”
A especialista, que trabalha com esta matéria de forma mais dedicada há cinco anos, crê que o ideal é começar a falar da menopausa em contexto clínico a partir dos 35 anos, “que é precisamente a idade que está estabelecida e vem em todos os manuais como referência para que as mulheres devam ter mais cuidados em engravidar”, justifica. Por isso, sabendo que naquela idade “as oscilações hormonais acentuam-se até aos 45, descendo a partir daí até à última menstruação, falar da menopausa proativamente por parte dos médicos é imperativo, e para que, mais tarde, com os efeitos e os impactos, as mulheres não se assustem e possam reagir em conformidade”, antecipa Cristina Mesquita de Oliveira.
Porém, o conhecimento pode e deve começar muito antes, ainda na formação. “A literacia menopausa tem de começar na escola, como no modelo inglês, que foi incluída nos curricula escolares a partir de 2021. Tal como se fala da saúde reprodutiva, de género, de igualdade e de gravidez, em Inglaterra as crianças vão ouvir falar de menopausa desde cedo e vão ter uma perspetiva global da saúde reprodutiva: menstruação, gravidez e, claro, menopausa.”
“Quero dar as ferramentas para facilitar a compreensão”
Apesar de haver literatura disponível sobre a matéria em Portugal, ela está sobretudo traduzida. O que levou Cristina Mesquita de Oliveira a escrever sobre o tema prendeu-se com a necessidade de abordar o tema à luz das “características sócioeconómicas, genéticas, políticas e ambientais das mulheres portuguesas, distintas das das americanas ou das britânicas“. “Não havia nada que falasse como era ser mulher em menopausa, em Portugal”, reitera.
A farmacêutica e licenciada em Ciências da Comunicação quer, por isso, “dar as ferramentas para facilitar o processo de compreensão de menopausa, explicar de forma mais simples e acessível as razões e dar a quem lê uma outra perspetiva informada, atual e moderna em relação ao que existe para tratar ou para cuidar da menopausa, desde medicação até a cuidados, estilos de vida, enquadramento. Tudo isso pode ser encontrado aqui”, conclui.