Festas de divórcio: iupi!

Festas de divórcio: iupi!

A palavra divórcio é, normalmente, associada a tristeza e depressão mas não tem que ser assim. Ou pelo menos é o que defende um conceito de festas que começou timidamente em Portugal há dez anos, mas tem vindo a conquistar cada vez mais adeptos, sedentos de fechar um ciclo da melhor maneira possível. Por isso não se admire se um dia destes, em vez de convites para aniversários, batizados ou casamentos, receber no seu email um convite para uma festa do divórcio.

“Um divórcio não deve ser visto como uma coisa má. Mas algo que até podemos festejar! É um novo ciclo em que ambiciono ser feliz e como tal, por que não comemorar junto de quem mais amo e me ama esta nova fase da minha vida?”, questiona Marta Costa, solteira de fresco depois de um casamento difícil. No início a família, mais conservadora, estranhou a ideia, mas acabou por perceber que “com esta atitude positiva” Marta mostrava vontade de seguir em frente. “A minha festa foi talvez a mais divertida da minha vida, pois consegui transformar o que todos pensam ser um drama na ‘festa do ano’, consegui juntar 26 amigos e amigas onde fiz ‘tiro ao alvo’ à foto do meu ex-marido com a ajuda deles”, conta divertida. “Foi uma noite, esta sim para recordar, ao contrário de tantas que tento esquecer e que se passaram no decorrer do período que durou o meu casamento.”

É uma moda crescente
Por cada 15 despedidas de solteiro, a Mundial Eventos – a empresa que organizou a festa de Marta Costa – faz 5 festas de divórcio. “Os pedidos têm vindo a crescer gradualmente. Para o futuro não temos dúvidas, a tendência é haver cada vez mais festas de divórcio. Homens (principalmente) e mulheres com idades compreendidas entre os 28 e os 42 anos, de todas as classes sociais, são os que pedem mais ajuda para organizarmos este tipo de festa e são também os que mais recorrem aos nossos serviços. Este tipo de festas são apenas possíveis para clientes que terminam as relações sem ressentimentos ou rancor, e daí a sua predisposição para festejar. As festas por norma são organizadas connosco pelos próprios, mas também temos muitos casos em que, um amigo ou amiga, reúne os melhores amigos para a uma festa surpresa, mostrando todo o apoio nesta nova etapa da vida”, explica Pedro Raposo, responsável pela empresa.

A ideia é as festas serem personalizadas ao gosto do recém divorciado, ou não fosse ele (ou ela) a estrela destes eventos. Podem ser mais tradicionais – em restaurantes, por exemplo – ou mais insólitas. É possível alugar limousines, balões de ar quente, clubes de strip. É possível escolher a animação pretendida: das mais ingénuas às mais marotas. Os shows de strip e as reuniões eróticas são dos mais escolhidos. Os preços? Na Mundial eventos começam a partir de 9,90 por pessoa – os ‘menus’ mais básicos – mas podem custar, por exemplo, 78,99 euros por ‘cabeça’ (para grupos de 12 pessoas) se o pack escolhido incluir uma viagem de quatro horas a bordo de um iate em Vilamoura, no Algarve, com refeição incluída e a continuação da noite num clube de strip com animação incluída: uma bailarina fará ‘table dance’ só para o grupo de amigos.

Em 2006 Fabiana Lima já organizava em Portugal, festas de divórcio, um conceito na altura ainda (muito) desconhecido por cá, mas que importou de países como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde estas festas são tão comuns como as que celebram a união entre duas pessoas.

Diversão e humor negro
Nas festas organizadas por Fabiana Lima a empresa sugeria aos convidados que se trajassem a rigor e que trouxessem fotos deles nos anos setenta, que eram afixadas num painel. Para a festa estar completa também não faltavam os adereços e os disfarces – como óculos e plumas – e um bolo um tanto ou quanto diferente: por norma em formato do estilo vudu, para exorcizar o passado. Os bolos são aliás um dos ex-libris destas festas, tal como o são nas festas de casamento. Só que aqui primam pelo… humor negro. Há noivos enterrados de pernas para o ar, noivo (ou noiva) caído na base do bolo numa poça de sangue, noivos à estalada…a criatividade é o limite.

“Naquela altura quem mais procurava os serviços eram mulheres, com casamento desgastantes com parceiros problemáticos. As festas de divórcio eram uma espécie de ‘grito de liberdade”’, um renascimento”, recorda ao Delas.pt Fabiana Lima, que hoje já não organiza estes eventos mas que na altura viu neste negócio aparentemente bizarro um imenso potencial de crescimento. Curiosamente a que lhe ficou na memória foi a de um casal que quis organizar junto a festa do divórcio, prova provada de que nem todas as separações são um ‘sai da minha vida’.

“O senhor fez um pedido de serenata para a ex-esposa. O tema foi ‘My way’ [O meu caminho, em tradução literal], de Frank Sinatra, e foi muito emocionante! Foi uma linda surpresa como forma de agradecimento pelos anos que passaram juntos e também uma forma saudável de celebrar o recomeço de ambos”, conta Fabiana Lima.

Afinal, qual é o motivo de festa?
“Uma festa de divórcio pode ser uma fuga ao contacto com emoções e sentimentos negativos, pela destruição dos planos e sonhos pessoais, e dos objetivos construídos em comum. No entanto, em situações limites, existem relações que atingem uma degradação tão grande que o desejo e o processo de separação podem ser vistos como um motivo de festa. Constituindo o divórcio uma mudança, uma festa simbolicamente, para algumas pessoas, pode marcar um novo início da vida pessoal e relacional. Neste caso, a despedida de casados seria um equivalente à despedida de solteiro, feita antes do casamento”, explica Gustavo Pedrosa, psicólogo clínico e terapeuta familiar da Oficina da Psicologia. E acrescenta: “Não se podendo generalizar, o importante é que todos os que se divorciam tenham em consideração que após a decisão tomada se segue um período de luto que pressupõe alguns passos (negação, raiva, negociação, depressão, aceitação) que não serão nunca completados num único momento ou com uma festa. O respeito por este processo de transição é crucial para que uma festa de divórcio não se torne num escape, traduzindo mais raiva e pouca aceitação do que outra coisa qualquer”.

Carla Sousa organizava apenas festas para grávidas – os famosos chás do bebé – e festas de convívio para quem tem animais de estimação quando percebeu que as festas do divórcio começavam a fazer cada vez mais sentido em Portugal.

“A ideia é amenizar um pouco a dor do divórcio e torná-lo em algo que pode trazer vantagens, é organizar uma festa divertida com os amigos próximos em sítios onde a pessoa costumava ir antes de conhecer o ex, e depois apimentar um pouco as festas com strip, com coisas que as pessoas gostavam de fazer antes de se casarem. Quando publicitei as festas pensei que iria ter mais propostas masculinas, mas foi ao contrário, tive mais propostas femininas o que prova que as mulheres estão cada vez mais independentes e fortes. No fundo quero mostrar que nem todos os divórcios são algo de sofrimento, às vezes surgem para trazer a paz que tanto procuramos. O pedido mais estranho que tive foi uma despedida de divórcio em que incluísse anões, foi um pouco difícil de encontrar mas lá consegui”, brinca a organizadora.

Uma festa surpresa
Ana Santos foi surpreendida com uma festa destas. “Uma amiga achou que estava a isolar-me dos amigos e por isso falou com a Carla e em segredo fizeram me a despedida de divórcio. Apareceram amigos e amigas que não via há algum tempo e fez-me sentir bem. Tivemos um jantar organizado, e só depois no local escolhido para a festa (um dos locais que costumava ir em solteira) é que vim a saber que estava na minha própria festa do divórcio. Foi uma noite bem passada a reviver recordações muito boas dos tempos de solteira e perceber as vantagens de ser solteira de novo”, recorda.

A autora do livro Divorce party planner – How to throw a divorce or breakup party (Manual da festa do divórcio – Como realizar uma festa de divórcio ou separação), Christine Gallagher defende este tipo de celebração como um rito necessário para enfrentar o difícil período pós-divórcio com a cabeça erguida. “O ritual é essencial ao ser humano. As pessoas podem se sentir estigmatizadas quando se divorciam. E a festa é uma forma de mostrar que continuam a ser amadas e apreciadas, que os amigos ainda estão com elas nessa grande mudança das suas vidas”.