Joana Schenker: “No bodyboard, é impossível ignorar as mulheres”

Joana Schenker, portuguesa de sobrenome alemão, tem 30 anos e nasceu em Sagres. Além de ser a primeira portuguesa a sagrar-se campeã do circuito profissional mundial de bodyboard (título que conquistou no início deste mês de outubro), é vegetariana desde os dez anos por uma questão de ética, preferiu o mar a tirar um curso superior e acredita que a superação do medo é uma caminhada constante.

Conquistar a medalha de campeã do mundo deve dar muito trabalho. Como é um dia comum na sua vida?
Acredito que esta medalha foi o culminar de 16 anos a viver para o bodyboard. Dei sempre prioridade às horas passadas na água face a todas as outras coisas que queria fazer. Um dia normal na minha vida resume-se a ver as condições de mar logo cedo, surfar entre uma a três horas, voltar a casa para comer alguma coisa e, se as condições de mar o justificarem, voltar a surfar à tarde. Se não valer a pena, faço algum treino físico fora de água. Se estiver bom todo o dia por vezes nem venho a casa e fico o dia inteiro na praia.

Não come carne. Esta decisão teve alguma coisa a ver com o desporto?
Tomei essa decisão ainda antes de começar a fazer bodyboard. Tornei-me vegetariana aos dez anos, por uma questão de ética animal. Sempre me fez imensa confusão comer outro ser vivo. Mas claro que também comecei a sentir todos os benefícios desta alimentação a nível de saúde e bem-estar. Agora penso que foi a melhor opção também para a minha vida como atleta.

Como quando e onde nasceu a sua carreira?
Tudo começou em Sagres, na companhia dos meus amigos e quando tinha 13 anos. Sagres é um lugar com grande tradição na modalidade, temos condições de ondas excelentes e toda a comunidade acarinha o bodyboard. Era natural que eu também fosse ficar viciada.

Hoje, vive exclusivamente da modalidade?
Sim, neste momento, sou profissional do bodyboard, mas não foi fácil chegar até aqui. Durante muitos anos tive que ter diferentes part-times para ajudar a financiar a minha carreira. Também dou aulas na Associação de Bodyboard de Sagres, um projeto que visa iniciar jovens da terra na modalidade a ajudá-los a dar os primeiros passos na competição.

Praticou vários desportos na adolescência. O que é que este tem que os outros não têm?
O contacto com o mar é algo extraordinário, é difícil de explicar o que atrai tanto, mas é uma sensação muito viciante. Não há monotonia neste desporto, cada surfada, cada onda é um novo desafio pois o mar está sempre em movimento e não existem duas ondas iguais.

Durante muitos anos tive que ter diferentes part-times para ajudar a financiar a minha carreira

Sente medo quando avança mar adentro?
Claro que sinto medo, faz parte, superar o medo é uma caminhada constante. O respeito pela força do mar é muito importante, não devemos exceder as nossas capacidades, mas também é importante puxar um pouco os limites para evoluir.

Quando entra no mar, qual é o seu foco?
A nível de treino, o meu foco varia com as competições que se avizinham, mas a acima de tudo tento divertir-me ao máximo. Isso significa que apanhei boas ondas e consegui surfar bem!

O seu treinador é também seu namorado. Como conseguem separar as águas?
É uma grande vantagem ter as duas coisas. Ele, Francisco Pinheiro, sabe perfeitamente como eu funciono e, quando estamos em competição, sabe o que dizer para me manter com a motivação elevada. Ele é quem mais percebe de bodyboard e ajuda-me muito tecnicamente. Claro que às vezes misturamos as coisas, às vezes discutimos, mas também damos muito espaço um ao outro. Como somos muito amigos e temos a mesma paixão, as coisas funcionam bem e temos, em conjunto, conseguido todos estes sucessos.

Curiosidade feminina: menstruação e atividade física de alta competição, na água. Os seus treinos diferem aquando do ciclo menstrual? Tem, nessa altura, algum cuidado especial?
Um pouco, sim. Como sempre sofri muito nos primeiros dias do período, muitas vezes nem treino, gosto de ficar a descansar. Quando coincide com um dia de competição é muito chato porque não consigo estar a 100%.

Ao bodyboard no feminino é dada a mesma relevância e destaque do que é atribuído ao masculino? Neste campo nota alguma evolução, na última década?
Os homens sempre tiveram maior destaque, mas acontece em quase todos os desportos. Ultimamente, tenho visto uma grande evolução nesse sentido, cada vez mais a comunicação social está interessada na parte feminina e muitos títulos chegaram a Portugal pelas mãos delas. É impossível ignorarem as mulheres.

O desporto de alta competição tem um prazo de validade muito curto. O que tenciona fazer depois de deixar de competir? É um assunto em que pense?
No bodyboard posso competir sem qualquer problema até aos 40 anos ou mais. Os atletas mais velhos têm a vantagem da experiência e que é fundamental dentro de água. Mas, claro, já pensei várias vezes no assunto. Vou ficar sempre ligada à modalidade de alguma forma, mas também adoro cozinhar e tenho o sonho de ter um restaurante vegetariano.

Cada vez mais a comunicação social está interessada na parte feminina e muitos títulos chegaram a Portugal pelas mãos femininas

É filha de pais alemães, mas nasceu em Vila do Bispo. Como foi viver a infância e a adolescência numa terra pequena, junto ao mar? Alguma vez lhe passou pela cabeça mudar-se para uma cidade grande?

Nunca pensei em ir para a cidade, sinto-me a maior sortuda por ter nascido nesta pontinha do Algarve. Cresci num ambiente muito tranquilo, no meio da natureza e com muita liberdade. Isso ensinou-me valores importantes, logo em criança. Toda a minha maneira de ser foi moldada pelo lugar onde cresci.

Completou formação superior?
Quando acabei o 12º ano, tinha a opção de continuar para o ensino superior ou dedicar-me ao bodyboard e à competição. As duas coisas eram impossíveis de financiar. O meu coração falou mais alto. Acabei por não continuar a estudar e nunca me arrependi. Sei que foi a opção acertada.

Tenho o sonho de ter um restaurante vegetariano

Se não ‘andasse’ pelo mar, andaria por onde? Ver-se-ia a fazer o quê profissionalmente?
De certeza que seria algo que me permitisse viajar. Uma das coisas que mais gosto é conhecer novos lugares. Fascina-me. Também sou muito ligada às causas animais e de proteção ambiental. Se tivesse mais tempo, estaria mais ativa nesses campos.

Por Petra Alves

Imagem de destaque: DR