O que a falta de um abraço faz ao corpo. Neurologista e psicóloga explicam

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O toque humano ganhou uma nova dimensão e passou a ser um dos fatores mais perigosos para a propagação do Coronavírus. Por isso, a maior parte das pessoas à volta do mundo teve de permanecer em isolamento social. Mesmo perto, há muito tempo que lhes é pedido distanciamento.

Os abraços e os beijos que faziam parte do quotidiano passaram a estar interditos. Afinal, o mais inocente cumprimento poderia carregar agora um vírus especialmente perigoso para os mais velhos ou para os que, independentemente da idade, tivessem outras doenças prévias.

E se o receio de contágio do vírus se juntou ao medo do colapso da economia, a falta de um abraço abriu braços para uma nova angústia quer entre amigos, quer conhecidos, quer entre pessoas apenas vagamente próximas.

Consequências da falta do toque físico

Se para os que arriscam sair de casa as preocupações são muitas, para os que vivem sozinhos ou que têm doenças do foro psicológico torna-se ainda pior.

Embora a tecnologia esteja a ajudar em muito a manter o contacto social, “as pessoas estão a ter alguns graus de solidão no que diz respeito à falta do toque social e da presença dos outros em corpo físico. Tal está a fazer com que comecem a ter sinais um pouco depressivos como a apatia ou solidão”, conta a psicóloga Rosa Amaral.

“Para as que já têm um quadro clínico extenso, esta situação torna-se ainda mais complicada. Pessoas que já sofriam de ansiedade, depressão, bipolaridade ou transtorno obsessivo-compulsivo devem agora, mais que nunca, ser acompanhadas”, alerta.

Mas esta “privação de toque” não deixa apenas marcas a nível psicológico. No plano físico também pode haver consequências uma vez que “a dor física e a dor psicológica, em termos do sistema nervoso central, estão localizadas no mesmo sítio: o córtex cingulado anterior e substância cinzenta periaquedutal”, afirma a neurologista Isabel Henriques.

Quando tocamos em alguém, libertamos endorfinas que pertencem ao sistema de controlo da dor. “Elas são libertadas porque temos neurónios na pele – chamados C táteis aferentes – que, ao serem tocados, produzem as endorfinas que se refletem numa diminuição da dor psicológica”, detalha a médica.

Para além das vantagens desse processo, “abraçar alguém acalma a resposta ao stress – que é dada pela produção de uma substância chamada cortisol -, que melhora o sistema imunológico, regula a digestão e aumenta a sensação de bem-estar”, explica a especialista.

A psicóloga Rosa Amaral concorda e acrescenta que “quem está a ser abraçado, vai-se acalmando e vai estando nos braços do outro acabando por sintonizar a respiração e o batimento cardíaco, fazendo com que se sinta bem”.

Um abraço cura?

“Quando se dá um abraço há uma série de reações no cérebro e um dos mais importantes é a libertação da ocitocina”, afirma Isabel Henriques.

Esta hormona, prossegue a neurologista, “tem várias funções e protege o sistema cardiovascular, o que diminui a produção de várias outras substâncias, o que faz com que existam menos marcadores de inflamação, menos produção de radicais livres e um aumento do óxido nítrico”.

Há estudos científicos que evocam essa relação. Em 2014, uma investigação correlacionava o abraço durante 14 noites consecutivas e a saúde geral em mais de 400 adultos saudáveis. Após aquele período em análise, expôs os mesmos participantes ao vírus da gripe. De um modo geral, os inquiridos que disseram ter mais apoio social eram menos propensos a adoecer. De acordo com as conclusões deste mesmo estudo [Does huggingprovidestress-buffering social support? A study of susceptibility to upperrespiratoryinfection and illness], em português literal [O abraço dá apoio social que alivia o stress? Um estudo de suscetibilidade a infeções e doenças respiratórias], os que receberam mais abraços tinham muito mais probabilidade de se sentirem apoiados socialmente.

Apesar de não existirem dúvidas de que o distanciamento social é essencial para retardar a disseminação da Covid-19, o toque físico tem um papel importante na nossa saúde e felicidade.

Ainda que os números de infetados e óbitos por Covid-19 estejam a diminuir, Rosa Amaral crê que o distanciamento social vem para ficar por muito tempo. E mesmo quando houver permissão para sair de casa, “não vai ser com facilidade que as pessoas se vão abraçar sem mais nem menos”, crê a psicóloga.

Rosa Amaral antecipa uma alteração dos costumes portugueses nesta matéria, no futuro. “A seguir, pode haver uma sociedade que não se cumprimente tanto como costumava”, estima ao Delas.pt.

Uma mudança radical que a psicóloga crê que se deva ao medo que foi introduzido na sociedade, mas que está agora a tentar ser dissipado. “O medo agiu como uma defesa. O governo introduziu o medo e está a tentar tirá-lo de forma correta com mensagens positivas e com um bocadinho de esperança”, considera.

A falta de um abraço no luto

Segundo a psicóloga clínica Rosa Amaral explicou ao Delas.pt, “em algumas circunstâncias, como funerais em que é comum não se conhecer todas as pessoas que ali estão, um abraço é melhor do que dizer seja o que for. O que importa naquele momento é o carinho que estamos a precisar e um abraço dá isso, é instintivo“.

De acordo com a especialista, o facto de abraçarmos uma pessoa instintivamente, está ligado ao colo da mãe, que se recebe a partir do momento em que se nasce. “O colo é uma das maneiras de estabelecer a ligação entre mãe e filho e é uma das maneiras de essa ligação ser realmente especial”, explica.

Em outras palavras, para a especialista, o abraço é um instinto maternal. É algo que nos permite ser “maternais, aconchegar o outro e, sem palavras, dizer várias coisas para que outro fique mais tranquilo, calmo e seguro”, afirma.

A ciência de um abraço

Mas em termos científicos, estas ideias diferem um pouco. De acordo com a neurologista Isabel Henriques, este toque humano instintivo já nos acompanha deste os nossos ancestrais.

“Julga-se que este tocar suave – que pode ser um abraço, mexer no cabelo do filho ou dar pequenas pancadinhas – é, mais ou menos, o equivalente ao catar que os mamíferos tinham no autocuidado uns dos outros, nomeadamente os primatas”, conta a especialista ao Delas.pt.

Ainda nos dias de hoje, os primatas mantêm este ritual de limpar o pelo e a pele uns dos outros. Na verdade, isto funciona como um mecanismo de socialização. Para os humanos, o toque físico positivo “parece ser um equivalente do catar das pequenas coisas que, tem um lado bom a nível de limpeza, mas também a nível social”, explica.