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Porque está a aumentar o número de mulheres assassinadas?

A violência doméstica assume a natureza de crime público. Por isso, basta uma denúncia – que não da parte da vítima – para que o processo tenha início e o Ministério Público intervenha. Percorra a galeria e saiba o que fazer se é vítima ou se conhece algum caso próximo de si [Fotografias: Shutterstock e DR]
Pedir ajuda: A Comissão para a Igualdade e Cidadania criou uma aplicação (que pode aceder aqui) onde constam todos os contactos, por regiões, das entidades e associações que prestam apoio na área da violência doméstica.
Também é possível pedir ajuda a associações como a APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima – 707 20 00 77; AMCV – Associação Mulheres contra a Violência – 21 380 21 60; UMAR – União Mulheres Alternativa e Resposta 218884086 (Lisboa), 21 294 21 98 (Almada),22 202 50 48 (Porto), 296 283 221 (S. Miguel – Açores); Plataforma Portuguesa para os Direitos da Mulher- Tel. 213 546 83 ; A APAV disponibiliza um serviço via Skype e Messenger possível apresentar queixa online aqui.
Onde apresentar queixa: a vítima ou o denunciante (que tem conhecimento do crime) deve dirigir-se a esquadras da PSP, postos da GNR ou mesmo no Ministério Público.
A violência doméstica é um dos que está contemplado na lista da queixa eletrónica e que pode aceder aqui.
Custos: Desde 2016 que as vítimas de violência doméstica ficam isentas do pagamento de custas judiciais. O ministério público informa ainda que não é preciso pagar qualquer quantia para que a vítima de um crime se queixe ou o denuncie, ou para que um cidadão denuncie um crime público de que teve conhecimento.
Estatuto de vítima: documento entregue após denúncia ou queixa, mediante indícios de que não é infundada, por parte de autoridades judiciais ou polícia criminal. Com este comprovativo e acompanhado de auto de notícia, os direitos da vítima são: Obter uma resposta judiciária no prazo limite de 8 meses, ter o apoio de um advogado – podendo recorrer a um gratuito através dos serviços da Segurança Social e mediante prova de insuficiência económica.
Outros direitos: o de a vítima não prestar declarações, o de requerer a suspensão provisória do processo e o de requerer o adiantamento da indemnização.
Casas de abrigo: Destinam-se, apenas, ao acolhimento temporário de mulheres vítimas de violência doméstica, acompanhadas ou não de filhos menores. Para tal, deve contactar um dos seguintes organismos: Polícia, Segurança Social, Câmaras Municipais, Comissão para a cidadania e igualdade de género, Linha Nacional de Emergência Social 144, centros de atendimento de apoio à Vítima, sistema de Informação a Vítimas de Violência Doméstica – 800 202 148
Indemnizações: De acordo com o site da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), “as vítimas do crime de violência doméstica podem beneficiar de um adiantamento pelo Estado das indemnizações devidas pela prática deste crime se ficarem em grave situação de carência económica”. A vítima, a associação de proteção à vítima que a representa e o Ministério Público podem fazê-lo e tal acontece no portal da Justiça e no portal da APAV. O pedido de indemnização civil integra danos patrimoniais e morais. A Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes é o organismo do Ministério da Justiça responsável por receber, analisar e decidir, os pedidos de indemnização a conceder pelo Estado.

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10 mulheres e uma menina brutalmente assassinadas em território nacional e, agora, uma 11ª portuguesa cuja malograda notícia chega da Alemanha. Mas, afinal, o que se está a passar em 2019, que ano negro vem a ser este? Em menos de dois meses já foram registadas quase metade das mortes de mulheres de todo o ano passado. E recorde-se que 2018 tinha sido já representativo de insucesso uma vez que registou um acréscimo de femicídios face a 2017.

Os especialistas são cautelosos na hora de definir justificações, de traçar as razões que estão a atingir mortalmente as mulheres, que devem e têm de apresentar denúncias.

Há, porém, três pontos que emergem: o da desigualdade de género estrutural, o da reação dos homens quando as mulheres dizem ‘chega’ – e o pior acontece – e o de quando as entidades não estão presentes para assegurar a proteção destas vítimas. Na galeria acima recorde o que pode, o que deve fazer e a quem deve recorrer em caso de violência doméstica.

“Sabemos que a escalada de violência acontece exatamente num momento em que as mulheres dizem ‘basta’, em que eles não aceitam a autonomia e a liberdade delas nessa decisão”, referiu Teresa Fragoso, à margem da apresentação do estudo Mulheres em Portugal, hoje.

Teresa Fragoso, presidente da CIG [Fotografia: DR]
A presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) pediu, no entanto, cuidados: “É uma realidade que tem de ser analisada com outra profundidade”. Sobretudo porque, justifica Fragoso, “tínhamos vindo de uma situação [de mortes] decrescente, o que era importante e o que nos estava a dar alento e a dar indicações de que estávamos a fazer o trabalho no bom sentido, mas às vezes há fenómenos que não conseguimos identificar muito em cima da circunstância”.

Elisabete Brasil [Fotografia: Filipa Bernardo/Global Imagem]

Todos os estudos de ciência social apontam para causas estruturais, para a desigualdade de género na construção do que é ser homem e mulher, o que vai legitimando discriminações, e esta acaba por ter vários rostos e um deles é a violência”, analisa Elisabete Brasil. Para a presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR ), organismo que elabora anualmente o Observatório de Mulheres Assassinadas – e que em 2018 registou 28, face a 20 em 2017 e a 22 em 2016 – “Portugal tem verificado ciclos e contraciclos”.

Por isso, reitera a responsável, “percebemos, claro, que em período homólogo há uma maior mortandade, as mulheres estão mesmo a ser chacinadas nos seus contextos de intimidade ou relações muito próximas, é no sentido da violência doméstica na sua definição mais lata”.

Da educação à desigualdade e à frustração

“Os homens quando são educados para dominar e sentem que a última palavra deve ser deles, e as mulheres, quando não aceitam passivamente determinadas relações, tem a sua autonomia financeira, os seus estudos, os seus ideias de vida, decidem romper é, muitas vezes, nesse momento de rutura que as situações mais gravosas acontecem”, refere a presidente da CIG, que lembra que, “felizmente, muitas das situações são bem acompanhadas, as mulheres são encaminhadas para as casas de abrigo, para vagas de acolhimento de emergência, e não chegamos a situações dramáticas”, vinca a responsável ao Delas.pt.

“Enquanto não alterarmos a desigualdade de género, não conseguiremos mudar a incidência e a prevalência da violência doméstica”, acrescenta Elisabete Brasil, que aponta o dedo “à falha na prevenção primária, às magistraturas que legitimam e desvalorizam a violência e a forma de agir e pensar de uma sociedade que é machista, patriarcal, que naturaliza, justifica e vai legitimando a violência em determinado contexto”, refere a presidente da UMAR. “As mulheres surgem como pertença dos homens e elas estão sempre a dever muito mais do que eles quando não cumprem os alegados requisitos”, acrescenta.

A todos estes fatores acresce a frustração. “Eles [os agressores] sabem que elas [as vítimas] foram apresentar queixa. Eles sabem. Os agressores acham que podem bater, têm baixa tolerância à frustração, tratam as mulheres como suas e reagem com maior agressividade quando elas apresentam denúncia”, sublinha Elisabete Brasil, falando em “estratégias de controlo e poder”, em “terrorismo íntimo” em “situações de guerrilha contras mulheres”.

“O Estado está a ‘matar’ estas mulheres”

A cada 20 minutos uma mulher apresenta queixa por violência doméstica em Portugal. O Estado é incapaz de proteger as vítimas e de colocar os agressores onde eles devem estar, como presos efetivos ou com medidas de coação”, sublinha Elisabete Brasil, que profere: “O Estado está a ‘matar’ estas mulheres”.

Para a presidente da UMAR, o “sistema está sempre a pactuar com ao agressor, em que grande parte das denúncias é arquivada porque diz que não há prova, que é toda feita à custa de vítima”, o que não deve acontecer porque “há outros meios de provas”.

“Há mulheres que vão ao sistema que incentiva a denúncia e que considera o o crime público desde os anos 2000, mas depois não é acompanhada, seja porque o crime é categorizado de outra forma ou porque termina em suspensão provisória do processo ou porque acaba arquivado”, que é a maioria dos casos. Ora, para a responsável, “o Estado não se comporta com a exigência que um crime desta natureza requer”. Depois, prossegue, “todo o sistema naturaliza e legitima esta violência. Há um trespassar destas questões de género está na cabeça de pessoas, de quem faz políticas e faz a justiça”.

Há ainda, para esta responsável, “um outro pactuar que configura outra situação de violência: a de empurrar de mulheres para casas de abrigo, transformá-las em refugiadas no seu próprio país, condenadas a viverem no anonimato, sem poderem estar com os seus. Tudo isto enquanto o agressor está em casa”.

Para lá da tomada de consciência da sociedade civil, Elisabete Brasil pede mais: “Há desafios a fazer. Estamos a caminho de eleições, os partidos têm de apresentar respostas para esta situação e implementá-las logo que forem eleitos. É importante que saibamos com o que é que se vão comprometer nos seus Programas de Governo, temos de saber em quem votar de acordo com o pensamento que tiverem em matéria de direitos humanos.”

Quanto ao executivo, Elisabete Brasil também deixa uma mensagem clara: “Antes, precisamos que o Governo em funções agilize respostas 24 sobre 24 horas, que disponha de recursos humanos, a quem está no atendimento e na avaliação destas matérias.”

Imagem de destaque: Shutterstock

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