Violência doméstica marca debate quinzenal. Costa reconhece problema de “perceção por parte das autoridades”

Antonio Costa MRIO CRUZLUSA
Fotografia: MÁRIO CRUZ/LUSA

O caso do homicídio de uma mulher e de uma menina de dois anos, esta semana, no Seixal, pelo pai da criança, voltou a fazer aumentar o número de mulheres assassinadas desde janeiro deste ano e a trazer novamente ao debate a articulação das diferentes entidades públicas responsáveis pelo combate a este crime.

Em causa está o facto de o duplo homicídio do Seixal – seguido do suicídio do presumível autor – acontecer depois de a mãe da menina assassinada ter apresentado queixa na PSP, em 2017, contra o pai da criança e da polícia ter classificado o caso de violência doméstica “de risco elevado”. Apesar dessa classificação, o Ministério Público acabou por abrir inquérito por coação e ameaça, tendo a vítima desistido da queixa.

Esta quarta-feira, no debate quinzenal, António Costa afirmou que, na questão da violência doméstica, há um problema cívico e de “perceção por parte das autoridades”, desde as forças de segurança às magistraturas.

“Há um problema cultural, há um problema cívico, há um problema de perceção por parte das autoridades a todos os escalões, desde as forças de segurança às magistraturas”, afirmou António Costa, em resposta à líder do BE, Catarina Martins.

O chefe do executivo acrescentou que é necessária uma “mudança coletiva” na maneira de encarar a violência doméstica. “Enquanto ainda houver no fundo do pensamento de muita gente aquela velha ideia que entre marido e mulher não se mete a colher, nós não conseguiremos exterminar da sociedade portuguesa essa chaga que é a violência doméstica”, sustentou.

As declarações do primeiro-ministro associaram aos votos de pesar manifestados, pela líder do BE, às famílias das vítimas assassinadas desde o início deste ano, estendo-o também às sobreviventes de violência doméstica, considerando que “não se pode fechar os olhos” àquele que classifica como o maior problema de segurança interna do país.

Catarina Martins tinha começado por recordar que em pouco mais de um mês foram assassinadas em Portugal nove mulheres e uma menina, “por homens que fizeram parte da sua família e intimidade”.

“Associo-me às palavras que dirigiu às famílias das vítimas de violência doméstica, que são elas próprias também vítimas, e sublinho que aquilo que disse tem razão: não basta fazer leis”, disse, na resposta, António Costa.

Heloísa Apolónia, do Partido Ecologista “Os Verdes” também defendeu que é preciso “tolerância zero” face à violência doméstica, sublinhando que “há um trabalho ainda intensivo que deve ser feito junto da sociedade em geral, junto das forças de segurança, junto dos magistrados”.

Esta quinta-feira, 7 de fevereiro, está marcada uma reunião entre os ministros da Justiça e da Administração Interna, com a ministra da Presidência, a procuradora-geral da República e forças de segurança para analisar a resposta que deve ser dada a este problema.

Em Lisboa, a maioria dos inquéritos por violência doméstica é arquivada

Nos últimos três anos, a maioria dos inquéritos por violência doméstica na comarca de Lisboa foi arquivada, tendo o Ministério Público (MP) deduzido acusação em cerca de 15% dos processos, segundo dados do MP.

Os dados estatísticos desta comarca, sobre os processos por violência doméstica entre 2016 e 2018, mostram que “a maioria dos inquéritos finaliza por arquivamento e apenas numa percentagem entre 13 e 16% finaliza por acusação”, de acordo com a informação publicada no site da entidade. Na prática, o MP arquivou 70% dos processos em 2016, 68% em 2017 e 69% no ano passado, refere a agência Lusa.

Os inquéritos por violência doméstica que deram entrada na comarca de Lisboa registaram um ligeiro aumento em 2018, totalizando 3.770, quando em 2017 foram de 3.740. No entanto, o número de processos entrados em 2018 foi “ligeiramente abaixo” dos inquéritos registados em 2016, quando totalizaram 3.869.

Os dados mostram ainda que na comarca de Lisboa os tipos de acusações deduzidas em processos de violência doméstica têm percentagens “bastante idênticas” nos três últimos anos, sendo a maioria em processo comum singular.

A comarca de Lisboa abrange os municípios de Alcochete, Almada, Barreiro, Lisboa, Moita, Montijo e Seixal, a única circunscrição com dados estatísticos atuais na página da Procuradoria-Geral da República.

AT com Lusa