Angola discute criminalização enquanto na rua bastam poucos euros para abortar

shutterstock_372608080

A proposta para criminalizar totalmente a interrupção voluntária da gravidez no novo Código Penal angolano está a dividir a sociedade angolana, mas em Luanda é possível, numa simples ronda pelas ruas, combinar um aborto clandestino por poucos euros.
Apesar de ser ilegal à luz da legislação atual, segundo os comerciantes de medicamentos nos mercados informais de Luanda, contactados pela agência Lusa, homens e mulheres continuam a procurar medicamentos que provocam a interrupção da gravidez.
Além disso, garantem que existem igualmente centros clínicos nos arredores de Luanda que, de forma clandestina, praticam o aborto cobrando entre 7.000 a 10.000 kwanzas (40 a 55 euros).

“Agora, o mais seguro é mesmo ir num posto médico. Dão uma injeção e expulsam logo o feto em cinco minutos. Nos mercados já estão a vender comprimidos Cytotec falsos e ainda na semana morreu uma vizinha minha, devido a isso”, contou à Lusa Filomena Tchowá, uma vendedora ambulante de medicamentos em Luanda.

Outro vendedor de medicamentos, Nsimba Josué, explicou à Lusa que uma lâmina com três ou quatro comprimidos para interromper a gravidez pode custar entre 2.000 a 3.000 kwanzas (10 a 16 euros), por vezes até menos. “Mas eu não vendo disso”, advertem estes vendedores, temendo represálias num momento de controvérsia no país sobre o tema.

Noutros pontos, outros vendedores de rua, embora com cuidados redobrados e sem nunca se identificarem, explicam a forma de tomar os comprimidos (três a seis), garantindo que a taxa de sucesso neste tipo de aborto é superior a 90%.

Criminalização do aborto em todos os casos

A proposta do novo Código Penal angolano, na primeira versão levada em fevereiro ao parlamento, previa a possibilidade de realizar legalmente o aborto no país, por exemplo em caso de violação ou por motivos de saúde. Contudo, já no parlamento, face às propostas de alteração apresentadas pelos deputados, o documento passou a penalizar, com cadeia, qualquer caso de aborto.

Proibição do aborto polémica pode adiar aprovação do novo Código Penal angolano


O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder em Angola, solicitou, entretanto, a retirada deste ponto da agenda da última reunião do parlamento angolano, para aprofundamento junto das várias sensibilidades do país, quando um grupo de mulheres promoveu uma marcha contra a penalização do aborto, a 18 de março.
“Nós pretendemos que este assunto não caia no esquecimento, para que esta lei, que penaliza o aborto, não seja aprovada de forma clandestina. Ou seja, queremos continuar a fazer mais barulho, queremos atingir a mais pessoas, para que elas estejam atentas, para que não haja aprovação de uma lei que a maioria não aprova”, disse à Lusa Mónica Almeida, uma das organizadoras desta marcha, que juntou dezenas de mulheres em Luanda.

Já os bispos católicos angolanos classificaram na sexta-feira como “um exemplo para todos” a decisão do parlamento, de retirar da proposta inicial do novo Código Penal as exceções ao aborto, proibindo-o em absoluto, apesar da contestação de alguns setores da sociedade.
A posição foi expressa pelo presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), Filomeno Vieira Dias, arcebispo de Luanda, durante a cerimónia de abertura da primeira reunião plenária anual da conferência, que está a decorrer na província de Benguela, tendo sublinhado que a Igreja Católica é contra o aborto e que defende a “dignidade e a inviolabilidade da vida de cada ser humano” por considerar que há âmbitos da existência que “não são debatíveis”.
“É nosso dever como pessoas cristãs afirmá-lo sem ambiguidades. Neste momento agradecemos especialmente aqueles legisladores cristãos e não cristãos que com o seu voto se comprometerem publicamente com a vida do que está para nascer, o seu voto é um exemplo para todos”, fundamentou.