“Se usarmos a doença para fazer ar de coitadinhos, ela come-nos”

ursula

Depois de ter participado em ‘Sol de Inverno’, na SIC, em 2013, a atriz brasileira Úrsula Corona regressa a Portugal para integrar o elenco de ‘Ouro Verde’, em emissão na TVI. Entre estas duas novelas lidou com o diagnóstico de um cancro na hipófise. Esta é a sua perspetiva de vida.

É filha de pai jornalista e mãe bailarina. A cultura teve ser sempre um lugar de destaque na sua educação?
Foi essencial. Foi no canto que eu comecei, e foi através da música que fiz o meu primeiro casting para a TV Globo. Fi-lo sem saber ao que ia e acabei com papel. Fui parar ao ecrã tinha oito anos.

Aos oito anos não é demasiado cedo?
Eu não tinha essa consciência, mas os meus pais tiveram medo. Sempre tive uma personalidade muito forte, no sentido que sempre soube o que não queria e as poucas certezas que tinha com essa idade é que queria ser atriz. Lutei muito por isso, principalmente dentro de casa.

Ainda assim, acabou por agregar outras artes a essa, como a dança, o canto, a apresentação, ao fazer parte de grupos musicais…
A minha mãe é uma mulher do palco. O meu gosto pela dança veio por influência dela, que tinha uma escola. Fiz ballet, jazz, sapateado… É um prazer que até hoje mantenho. O meu pai foi sempre um bom comunicador. Os meus pais não queriam que eu fosse atriz. Queriam que eu desfrutasse da infância, mas não sabiam que eu já me tinha encontrado.

O que é que a representação lhe acrescenta?
Esta arte é como uma libertação e salvação para passar uma mensagem positiva. É desta forma que a vejo. Não é por vaidade ou por egoísmo. A minha profissão levou-me ao desejo de romper barreiras e procurar conhecimento.

Fui isso que a levou também a sair do Brasil?
Não deixei o Brasil definitivamente. Quis sair do lugar-comum e aprender com as pessoas. Tenho uma necessidade muito grande de aprender. Foi isso que me levou a ir até à Colômbia, Itália, Holanda ou Alemanha. A vida é muito rápida e temos de ter a consciência que arte vai muito além da TV.

Romper o contrato com a Rede Globo e sair do Brasil foi uma decisão difícil?
Tudo é difícil, mas tive sorte porque o Roberto Talma [diretor e produtor de televisão que acompanhou os primeiros anos da fundação da TV Globo, morreu há dois anos], que foi um grande mentor para mim, cuidou de mim, orientou-me e deu-me coragem para seguir os meus sonhos. A minha relação com a TV Globo é ótima, voltei para fazer [a novela] Totalmente Demais, que terminamos em junho. É a minha casa e onde tenho que agradecer todas as aprendizagens e os encontros.

Participa em ‘Ouro Verde’, da TVI, mas em 2013 já tinha integrado a novela ‘Sol de Inverno’, da SIC. Nessa altura, foi difícil lidar com a distância da família que ficou no Brasil?
Distância para mim é uma coisa que não existe. O que existe é organização de tempo e nisso estou cada vez melhor (risos). Desde que estou em Portugal [outubro de 2016] já fui cinco vezes ao Brasil. Desde pequena que sou vidrada no mapa do mundo. Sempre me senti uma formiga com vontade de experienciar novas culturas.

Vem de um país em que a indústria da ficção, mas precisamente de novela, é muito forte. Que diferenças encontra em relação à portuguesa?
No Brasil essa indústria tem o dobro da existência.

É a única diferença?
E o orçamento. Mas eu vejo-vos com uma identidade, uma assinatura e uma dramaturgia próprias. Com grandes guionistas. A Maria João Costa [guionista de ‘Ouro Verde’], por exemplo, está a surpreender-me muito porque não vejo este projeto como uma novela. Vejo-o como uma série na qual não param de acontecer coisas. Sou uma pessoa que ama fazer novelas, mas que nem sempre gosta do lugar enquanto espetadora.

Porquê?
Como leio os capítulos todos, faço a novela na minha cabeça. É como ler um livro e ver depois a sua adaptação a filme.

A aposta na ficção entre Portugal e Brasil é para manter?
O ideal seria conciliar as duas coisas. Quando se tem consciência do que se pretende artisticamente, não existe distância. Se a personagem for boa, não vou ter problema nenhum em mudar.

Em 2015 descobriu um cancro na hipófise [hoje em fase de remissão]. Que ensinamentos retirou desse período mais delicado da sua vida?
Mais do que ter-me marcado, foi perceber que a vida está ligada a uma coisa maior. Se usarmos a doença para fazer ar de coitadinhos, ela come-nos. Há que reagir, há que acreditar. Há que perceber o quanto a vida está do nosso lado e que talvez o problema esteja na pessoa e não na doença.

Aprendeu a relativizar?
Sempre tive tendência para trazer leveza para o meu dia-a-dia, até pela experiência de os meus pais já terem passado por isso [o pai teve cancro no intestino e a mãe na mama] e de termos percebido que a vida é rara e frágil.

O que é que mudou em si?
Tudo. Aprendi a ter mais satisfação. Não procuro a perfeição, aliás ela não existe. Aprendi a dizer “não” com mais facilidade. Aprendi que não existe fortaleza que não se quebre. Há dias em que estamos mais fracos, outros que nem tanto, e ao aceitar a realidade, dói menos.

Aceitar faz parte do processo de mudança?
A cura vem com a mudança, com o facto de querer ser melhor.