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A dança das cadeiras: as mudanças nas direções criativas das marcas

Salvatore Ferragamo. É a mais recente mudança na indústria da moda e a marca , que está em fase de reestruturação, parece querer ser a campeã das contratações. Depois de quase duas décadas a trabalhar para a Salvatore Ferragamo, Massimiliano Giornetti, 45 anos, alegou, em março, justa causa para rescindir o contrato que o ligava à marca italiana. Em setembro, a casa anunciava a contratação de Paul Andrew, criador britânico de 37 anos, para fazer uma parte parcial do trabalho: ser exclusivamente o responsável pela linha de calçado feminino. No mesmo mês foi apresentada uma nova coleção feminina Primavera/Verão 2017 que marca a estreia de Fulvio Rigoni, 40 anos. Por ocupar está ainda o cargo de diretor criativo para o menswear.
Lanvin. Depois de cinco meses de especulação sobre o sucessor de Alber Elbaz na Lanvin, Bouchra Jarrar, 45 anos, foi anunciada como a nova diretora artística das coleções femininas da marca. Para a CEO da marca, Michèle Huiban, o “estilo intemporal” da designer francesa irá injetar “uma lufada de ar fresco e modernidade” na empresa fundada em 1889. Esta mudança decorre do afastamento de Alber Elbaz. Desacordos entre o criador israelita, a detentora da Lanvin, Shaw-Lan Wang, e Michèle Huiban terão estado na origem da saída do designer de 55 anos da casa de moda, que ainda não tornou público o que irá fazer. Reuters
Saint Laurent. O ex-diretor criativo da Versus Versace, Anthony Vaccarello, 34 anos, está, desde abril, a assumir a frente artística da Yves Saint Laurent – e, a avaliar pela sua coleção de estreia, apresentada EM setembro, na semana de Moda de Paris, tudo indica que poderá seguir um rumo idêntico ao do seu antecessor, Hedi Slimane, que abandonou a Yves Saint Laurent por decisão da marca . Provocador, arrojado e imprevisível, qual furacão, o criador francês deixou uma herança de reposicionamento completo da casa francesa, tendo inclusive alterado o nome da insígnia para Saint Laurent Paris (frequentemente abreviado para Saint Laurent). Correm agora rumores de que Slimane, 48 anos, poderá criar uma marca ou substituir Karl Lagerfeld na Chanel, quando o octogenário decidir reformar-se. Será? Reuters
Calvin Klein. O novo “cérebro” da Calvin Klein é Raf Simons . Sim, o antigo diretor criativo da Dior! Acabou por assumir a liderança da Calvin Klein, confirmando os rumores. Enquanto diretor operacional, o designer de 48 anos vai supervisionar os elementos de branding, design e a estratégia global da empresa norte-americana em todas as frentes, desde roupa e acessórios às gamas de perfumaria e cosmética. Pieter Mulier, amigo de longa data e braço direito de Simons, fica com o papel de diretor criativo e dará resposta às orientações do novo diretor de operações relativas ao vestuário. De fora ficou Francisco Costa. O criador brasileiro de 52 anos, que chegou em 2003, foi dispensado do cargo de diretor criativo das coleções femininas da marca. Itallo Zuchelli, 51 anos, responsável pelas coleções masculinas, teve o mesmo fado. Isto aconteceu após o afastamento de Calvin Richards Klein da própria marca. Reuters
Christian Dior. A designer italiana Maria Grazia Chiuri de 52 anos, que anteriormente partilhou o leme criativo da Valentino com o colega de longa data Pierpaolo Piccioli, é a primeira mulher à frente da Dior, estando encarregue das coleções de senhora (pronto-a-vestir, alta-costura e acessórios) daquela que é uma das mais conceituadas casas de luxo a nível mundial. Apresentada em setembro, na semana de Moda de Paris, a coleção de pronto-a-vestir Primavera/Verão 2017 marcou o início de uma nova etapa na maison fundada por Christian Dior, há 70 anos, mas não escapou a críticas. Chiuri, segundo os analistas, não terá conseguido cortar os laços com o que fazia antes na Valentino. Reuters
DVF. Algum dia, Diane Von Fürstenberg, 69 anos, haveria de contratar alguém para assumir parte dos comandos criativos da sua marca. Esse dia chegou. A 16 de maio, Jonathan Saunders, 30 anos mais novo, tornou-se diretor operacional da DVF. Ou seja, ficará responsável pelos negócios da empresa, ainda que tenha que reportar as suas decisões ao diretor executivo, Paolo Riva.
Oscar de la Renta. Laura Kim e Fernando Garcia regressaram ao ateliê Oscar de la Renta, local onde se conheceram, para ocupar o lugar deixado livre por Petter Copping. Kim, 34 anos, começou a trabalhou para a Oscar de la Renta em 2003; Garcia, 29 anos, juntou-se a ela em 2009. Em 2015, os dois decidiram sair da casa de luxo e criar uma marca em conjunto, a Monse. Esta saída aconteceu num momento crítico para a Oscar de La Renta, com as coleções do britânico Petter Copping, 49 anos, a ficarem muito aquém das expetativas (em termos criativos e comerciais). Em menos de dois anos foi dispensado. O duo Kim-Garcia foi convidado a voltar.
Marni. Franceso Risso, 33 anos, é o atual diretor criativo da Marni. Ainda pouco conhecido no ramo, Risso é um talento emergente que já tem no currículo o trabalho para quatro marcas italianas - Malo, Alessandro Dell’Acqua, Anna Molinari e Prada (onde esteve nos últimos oito anos). Os olhos estão agora postos em fevereiro de 2017, ocasião em que Risso vai apresentar a sua primeira coleção para a Marni. Consuelo Castiglioni e o marido, Gianni, entregam, pela primeira vez em 22 anos, a casa que construíram a um designer contratado.
Roberto Cavalli.Peter Dundas, 47 anos, não aqueceu a cadeira da direção artística da Roberto Cavalli, onde só esteve 19 meses. A coleção para a primavera/verão 2017 que o criador norueguês apresentou na semana da Moda de Milão, em setembro, foi a última para a marca italiana (que, à data do fecho desta edição, continua sem diretor criativo). A saída de Dundas foi o primeiro passo do que se avizinha ser uma grande reorganização da empresa e que implica, segundo o que já foi comunicado pelo diretor executivo Gian Giacomo Ferraris, a saída de quase 1/3 dos trabalhadores (atualmente tem 673 pessoas). Em cima da mesa está ainda o encerramento de algumas lojas, bem como a mudança dos escritórios de Milão para Osmannoro. O objetivo, diz, é devolver a rentabilidade à empresa.

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Saltitam entre casas de renome e colocam um ponto final num casamento aparentemente perfeito entre criador e marca. Os designers que ditam as tendências de vestuário estão a acostumar-se à “valsa das cadeiras”, que ganhou nova visibilidade este ano com as alterações nas direções criativas de marcas como Dior, Saint Laurent e Calvin Klein. Para onde caminham os génios da moda?

Os longos reinados dos designers nas casas de moda são como, poder-se-ia dizer, os casamentos. Há muito que já não são para vida, pelo que se assiste, de forma cada vez mais veloz, a uma corrente de contratações e rescisões que leva criadores a saltarem de marca em marca. Agora, os criadores já mal aquecem os assentos das direções criativas. Permanecem dois, três, quatro, cinco anos na mesma cadeira, e logo mudam de lugar.

No seio de uma indústria que procura a criatividade e o lucro, parece fazer sentido contratar um novo designer para modernizar uma marca com décadas de história e impulsionar as vendas. Mas ainda que estes sejam motivos válidos que possam explicar a “valsa das cadeiras”, não dá para fechar os olhos às consequências que desta dança podem resultar, sendo a perda de identidade um dos riscos mais perigosos.

Veja-se o que aconteceu com a Christian Dior. Estávamos em 2011 quando a marca decidiu demitir, ao fim de 15 anos, o seu diretor criativo, Jonh Galliano, depois de este ter ofendido um casal com comentários racistas e antissemitas. O cenário que se seguiu foi tão imprevisível e surpreendente quanto o comportamento do designer. Só no período de cinco anos houve três profissionais a assumirem o leme criativo da maison francesa: Bill Gayten, discípulo de Galliano, entre 2011 e 2012; Raf Simons, mestre do vestuário masculino, vindo da Jil Sander, entre 2012 e finais de 2015; e Maria Grazia Chiuri, a protegida de Valentino Garavani, desde agosto de 2016. Esta roda-viva teve impacto nas coleções da marca, com roupas sumptuosas a darem lugar a propostas mais contidas.

Se houve retorno? Houve. Os lucros da Dior sob a alçada de Raf Simons – contratado para suprir as expectativas criadas pelas coleções de Gayten – aumentaram 34%, segundo o site de referência Business of Fashion. Mas houve também dois enormes custos: a contratação daquele criador implicou, segundo a mesma fonte, uma reestruturação no modelo operacional do ateliê; e as críticas que se fizeram ouvir ao longo deste tempo e que punham em causa o cunho da Dior. Até o próprio Raf Simons tocou neste assunto, momentos depois de ter apresentado a sua primeira coleção. “A mulher Chanel? Nem preciso de a ver, sinto o seu cheiro a cada esquina. Mas não reconheço a mulher Dior”, afirmou em 2012, numa entrevista à Vogue inglesa. E agora tudo isto pode voltar a mudar uma vez que a casa francesa voltou a contratar uma nova designer, Maria Grazia Chiuri.

Novos rostos que vem tornar novas as velhas casas. Por um lado, são as marcas que decidem desfazer os laços com os seus criadores, por questões criativas, financeiras, estratégicas, e, entre outras, relacionais. Por outro, são os próprios profissionais que decidem sair.

Ainda assim há quem resista ao atual ciclo de entradas e saídas que pintam o quadro desta indústria cada vez mais volátil e efémera, como o experiente Karl Lagerfeld, há 33 anos à frente da Chanel e também responsável pelas coleções da Fendi (desde 1965). Também a veterana Miuccia Prada, que assina as coleções da Prada (desde 1985) e da Miu Miu (desde 1993), vem provar que ainda há valores seguros nesta indústria.