Aborto: Montenegro garante que não vai mexer na lei depois de vice do CDS ter pedido “limitações” e “referendo”

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[Fotografia: Pexels/Cottonbro Studio]

O presidente do PSD, Luís Montenegro, assegurou esta quarta-feira, 28 de fevereiro, que a AD [coligação que inclui PSD, CDS-PP e PPM] não vai mexer na lei do aborto na próxima legislatura, considerando que este é um assunto arrumado e que a posição do vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio só a ele vincula.

Tudo começou num debate promovido pela Federação Portuguesa pela Vida, no qual o vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio defendeu a realização de um novo referendo sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG), como avançou a Rádio Renascença. “Devemos ter a capacidade de tomar iniciativas no sentido de limitar o acesso ao aborto e logo que seja possível procurar convocar um novo referendo no sentido de inverter esta lei que é uma lei profundamente iníqua”, afirmou o candidato pela AD às legislativas antecipadas de 10 de março.

Declarações que surgiram horas depois de entidades como a UMAR vincarem ser inadmissível haver hospitais apenas com médicos objetores de consciência, pedirem para que abrissem concursos no Serviço Nacional de Saúde para médicos não objetores e alargamento do prazo de IVG das dez semanas e seis dias para as 12 semanas . Posições emitidas pelo quarto candidato da AD pelo círculo de Lisboa num país em que os prazos para IVG não estão, em larga maioria, a serem cumpridos.

AD não vai ter nenhuma intervenção nesse
domínio”, assegura Montenegro

Interrogado se a posição assumida por Paulo Núncio pode prejudicar a campanha da AD, Luís Montenegro defendeu que não, mas admitiu que “cria aqui um pequeno momento polémico” e que “era melhor que não houvesse nenhum ruído” na transmissão da mensagem da coligação PSD/CDS-PP/PPM.

“Esse assunto é um assunto que está absolutamente arrumado. Nós não vamos ter nenhuma intervenção nesse domínio na próxima legislatura”, declarou Luís Montenegro aos jornalistas, na Costa da Caparica, no concelho de Almada, distrito de Setúbal, antes de um almoço de campanha da Aliança Democrática (AD).

Interrogado sobre a posição do vice-presidente do CDS-PP Paulo Núncio, o presidente do PSD apontou-a como uma “expressão individual e apenas só a comprometer e a vincular o doutor Paulo Núncio”. “O que os portugueses querem saber é qual é a minha [posição] e o comprometimento da AD, e esse é muito claro: nós não vamos mexer nesta legislação. É tão simples quanto isso“, acrescentou Luís Montenegro.

Questionado se, caso consiga maioria no parlamento, a AD não quererá aprovar medidas relacionadas com o acesso à IVG como fez na legislatura 2011-2015, o presidente do PSD respondeu: “Nós não temos nenhuma intenção de o fazer, que não seja cumprir a lei, dar às mulheres portugueses todas as condições para poderem, dentro daquilo que a lei estabelece, tomar a sua decisão, de forma bem informada, de forma planeada, de forma segura do ponto de vista da sua saúde”.

Antes, em Lisboa, já o presidente do CDS-PP, Nuno Melo, tinha afirmado que “este tema não é um tema que conste do acordo de coligação” entre o seu partido, o PSD e o PPM, não é tema para a próxima legislatura”.

Recorde-se que Paulo Núncio, no mesmo encontro da Federação Portuguesa pela Vida, referiu que “em 2015, o Governo do PSD e do CDS – na altura era a PAF, enfim, era a AD, mas tinha outro nome – foi dos primeiros governos do mundo a tomar medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto”. “Não foi possível reverter a lei, é verdade, mas foram tomadas um conjunto de medidas que logo a seguir foram revogadas pelo PS, realçou.

As medidas a que se refere foram aprovadas pela maioria PSD/CDS-PP na última reunião plenária da legislatura 2011-2015, e incluíam taxas moderadoras na prática da IVG e a obrigação de consultas de psicologia e planeamento familiar.

No primeiro referendo, em 1998, o “não” à despenalização da IVG, realizada por opção da mulher, nas primeiras dez semanas de gravidez, venceu com 50,91% dos votos. No segundo referendo, em 2007, o “sim” venceu com 59,25%.

“Voltar ao passado” e “um voto contra os direitos das mulheres”

A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, afirma que votar na AD “é um voto contra os direitos das mulheres”, e acusou a coligação liderada por Luís Montenegro de não representar os valores do século XXI. “Virem dizer que é preciso voltar a referendar o direito ao aborto é um passo atrás nos afrontar os direitos das mulheres”.

Em Carcavelos, antes de uma visita à Nova SBE, Inês Sousa Real voltou a afastar qualquer apoio parlamentar à AD, e afirmou: “Alianças e coligações onde estão incluídos CDS e PPM são claramente agendas que não são progressistas, e não têm preocupações ao nível direitos dos animais e ambiente, e e menos ainda com os direitos da mulheres”.

Para Pedro Nuno Santos trata-se de um retrocesso social por parte da AD ao querer “voltar ao passado” na criminalização do aborto e no corte das pensões, pedindo que os pensionistas e as mulheres se desloquem às urnas para defender os seus direitos.

O líder socialista apelou a que não se ignorem estas declarações de Paulo Núncio, salientando que a legalização do aborto “é um assunto resolvido na sociedade portuguesa” desde que foi referendado, em 2007.

“Andar para trás”, diz o secretário-geral do PCP. “Dizem que nós é que acusamos o CDS, o PSD, o Chega e a IL de falarem do passado… acusam-nos disso, mas afinal quem quer voltar ao passado são essas forças. Quem não tem mais nada para propor, propõe andar para trás”, afirmou Paulo Raimundo, à margem de uma visita à Câmara Municipal de Santiago do Cacém (distrito de Setúbal). “Cada um faz as suas opções e isso foi resolvido há 17 anos. Está bem resolvido. O que quer que lhe diga? Isso está resolvido, comemorámos no passado dia 11 de fevereiro 17 anos da vitória do ‘Sim’ no referendo da interrupção voluntária da gravidez. Uma grande vitória das mulheres, uma grande vitória do país e uma grande vitória da saúde pública”, acrescentou.

“A direita atira-nos para o passado e quer reabrir debates que já foram encerrados, eu acharia bastante interessante ouvir falar de fazer um referendo sobre a regionalização”, afirmou o dirigente do Livre, Rui Tavares.

Para Rui Rocha, o presidente do partido Iniciativa Liberal “entende que o quadro legal é adequado, portanto, salienta também a necessidade de dar força à IL para que a transformação que desejamos seja uma transformação de futuro e não uma transformação no sentido do passado”, garantindo que a IL “não estará para nenhum tipo de acordo que envolva algum retrocesso nessa matéria”.

Já o presidente do Chega, André Ventura, manifestou-se contra um novo referendo ao aborto e o eventual regresso à criminalização da interrupção voluntária da gravidez, defendendo que não é algo prioritário para o país neste momento. “Enquanto eu for presidente do Chega, entendo que nós não devemos voltar à criminalização do aborto”, afirmou, indicando que “o partido não vai voltar a propor a criminalização do aborto e logo, por consequência, não voltará a alinhar num referendo sobre isso”. E garante: “Enquanto for eu o presidente, o Chega não promoverá o regresso a uma lei que já não funcionava muito bem e que, na minha perspetiva, não resolve os problemas”, referiu.

LUSA