Alimentos crus são a solução para os nossos males?

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A alimentação viva, ou crudívera, faz-se à base de frutas, legumes, vegetais, sementes, nozes, germinados, algas, alimentos fermentados e desidratados na sua forma fresca, integral, não processada e de preferência, biológica. Por regra os cozinhados não são aquecidos ou confecionados a uma temperatura superior a 40ºC. Baseia-se no princípio de que a maior parte dos produtos que consumimos são cozinhados ou sofrem alterações químicas desde o momento em que os compramos até chegar aos que ingerimos.

Essas alterações químicas destroem uma quantidade significativa dos nutrientes e enzimas, estas em particular, que são incansáveis na sua função de levarem os nutrientes até às nossas células.

Sláki Déncheva, psicóloga, mestre em Perturbações Alimentares e Obesidade, com diversas formações em Naturopatia e Terapias Complementares e Desintoxicação Regenerativa, conta ao Delas a sua experiência com este estilo de vida.

Como foi a sua aproximação a este tipo de alimentação?

Descobri a alimentação viva numa altura em que a medicina convencional já tinha feito tudo o que podia fazer por mim e eu continuava doente. Sofri de anemia durante a maior parte da minha adolescência e idade adulta, enquanto ainda comia todo o tipo de produtos animais. Mais tarde, a este problema juntaram-se três anos e meio de dores crónicas persistentes, infeções urinárias, vaginais e renais em simultâneo, que simplesmente não desapareciam.

Nesse período de tempo tomei todo o tipo de antibióticos e medicamentos que existem no mercado, segundo o meu médico de família. O alívio durava pouco mais do que duas semanas. Depois chegou o dia em que me disseram que já não havia nada mais a experimentar.

Recorreu à medicina alternativa?

Comecei a pesquisar soluções alternativas na Internet e foi assim que encontrei uma grande comunidade de “Raw Food” nos EUA, onde pela primeira vez vi pessoas que associavam dois conceitos que aqui a medicina convencional continua a não relacionar: a alimentação e a saúde. Foi-me dito sempre que os meus problemas nada tinham a ver com a alimentação que eu praticava. Contudo, assim que comecei a pesquisar e mais tarde a estudar a área da Naturopatia, crudivorismo e alimentação natural, muita coisa começou a fazer sentido para mim. A partir daí comecei a explorar e a seguir este novo caminho, eliminei todos os problemas de saúde que tinha e ainda ajudei o meu marido a superar os seus próprios problemas crónicos, que já o acompanhavam há quase cinco anos: gastrite e sinusite. Hoje, graças a uma alimentação predominantemente crua, ambos vivemos sem medicação.

Como é a sua alimentação num dia normal?

Costuma ser 100% crua durante o dia e metade crua e metade cozinhada à noite, tudo de origem vegetal. Ao pequeno-almoço e no lanche matinal como habitualmente fruta, por vezes de um único tipo, inteira, cinco ou seis peças. Também pode ser uma mistura de dois ou três tipos de fruta inteira da época ou 800 ml a um litro de sumo de citrinos ou um litro de batido, apenas de fruta ou também com vegetais de folhas verdes tenras misturadas no liquidificador.

Quanto ao almoço normalmente como uma salada com sementes e abacate ou novamente fruta, dependendo dos dias. A meio da tarde faço outro lanche à base de fruta e, à noite, o jantar costuma ser outra salada grande e variada (ou cerca de 500 ml de sumo de vegetais) com algo cozinhado de origem vegetal, preparado sem gorduras: batatas cozidas ou assadas, quinoa, arroz, ervilhas, lentilhas, sopa de legumes, vegetais ligeiramente cozidos ao vapor, etc.

Quais são então as principais fontes de gordura e proteínas?

Frutos secos (nozes, amêndoas, avelãs, amendoins, caju, entre outras), sementes de sésamo, girassol, abóbora, chia, linhaça, cânhamo ou alfafa, abacates, azeite virgem extra e azeitonas. Relativamente às proteínas, todos alimentos as contêm. Contudo, encontramos proteínas em maiores concentrações nos legumes, principalmente nos vegetais de folhas verdes como espinafre, couve kale, couve coração, alface romana, rúcula e agrião, e claro, em todos os alimentos integrais como a quinoa, arroz integral, amaranto, feijão, grão-de-bico, lentilhas, entre outros.

Como foi a adaptação a este estilo de alimentação?

Não foi fácil. Contudo, quando as pessoas estão realmente doentes, desesperadas e cansadas de experimentar método atrás de método sem sentir melhorias algumas, chegam a um ponto em que estão dispostas a tudo. E eu tinha chegado a esse ponto. Comecei a mudança num momento em que a dor e os restantes sintomas eram tantos e de uma intensidade tal que simplesmente não havia tempo para transições graduais. Da noite para o dia mudei da alimentação convencional para uma alimentação 100% crua. Durante dois meses comi unicamente fruta madura, inteira, em sumos e batidos, e vegetais crus sob a forma de saladas e sumos. Esses dois meses foram suficientes para eliminar a anemia e passar a ter valores de ferro completamente normais. Até hoje, sete anos depois, nunca voltei a ter problemas de ferro, mesmo estando agora, aos 31 anos, grávida de sete meses.

Em dois meses recuperou a saúde por completo?

Não. Demorei meses até eliminar também as infeções bacterianas e reconstruir a flora intestinal, que estava completamente destruída devido às enormes quantidades de antibióticos que tinha tomado. Todo este processo foi feito com uma alimentação 85% crua e 15% ligeiramente cozinhada (vegetais cozidos ao vapor, sopas, etc.).

O que aconselha a quem pretenda seguir este estilo de vida para que a adaptação seja o menos difícil possível?

Depende do seu estado de saúde. Quanto pior o estado de saúde, mais precisamos da alimentação com elevada percentagem de alimentos crus para sentir melhorias. Contudo, o ideal é fazer uma transição gradual para a alimentação de origem vegetal e predominantemente crua e, acima de tudo, garantir que vamos manter este estilo de vida para sempre, em vez de o encarar como uma dieta temporária. Dietas temporárias produzem apenas resultados igualmente temporários.

Não considera que uma semana de detox à base de alimentos crus pode ser benéfica?

Comer apenas fruta durante uma semana; fruta durante o dia e vegetais à noite; ou fruta, vegetais, frutos secos e sementes crus, em função do caso, é sempre benéfico.

Há pessoas que experimentam este regime mas afirmam sentir-se como lobos esfomeados…

Um dos maiores erros é não comer o suficiente e não saber como incluir todos os grupos alimentares, de modo a garantir uma alimentação equilibrada. Se passados uns dias ficamos como lobos esfomeados é porque claramente não estávamos a ter uma ingestão calórica adequada às nossas necessidades energéticas. Faz sentido olhar sempre para o estilo de vida da pessoa, ver em que fase de vida se encontra; se é homem ou mulher; se treina ou tem uma vida sedentária, e com base em todos estes fatores ver qual seria a ingestão calórica adequada. Em comparação com a alimentação convencional, esta é rica em fibras e água mas é mais baixa em calorias e mais rapidamente digerida. É a boa notícia para quem gosta de comer: com a alimentação crudívora podemos e devemos comer mais. Se comemos o suficiente e temos um bom equilíbrio entre carbohidratos, proteínas e gorduras, a saciedade é sempre garantida.

Aconselha a todas as pessoas ou algumas devem ter especiais cuidados?

Eu própria não tenho uma alimentação 100% crua. Acho o crudivorismo a 100% excelente enquanto método terapêutico mas, pela minha experiência, para a grande maioria não é sustentável a longo prazo, tendo em conta o clima, variedade / qualidade da fruta e vegetais e uma série de outros fatores. Contudo, aconselho a alimentação 100% vegan e predominantemente crua (mais de 80%) a todos e acredito que é a forma mais natural de comer e de viver que podemos ter.

Que alimentos são essenciais?

Fruta, vegetais, frutos secos, sementes e opcionalmente algumas algas marinhas, para quem deseja ter uma alimentação totalmente crua. A todos esses, – que são sempre a base da alimentação viva – , podemos juntar batatas, arroz, quinoa, amaranto, lentilhas, ervilhas, feijão e outras leguminosas e alimentos integrais. Isto no caso de quem deseja manter uma percentagem de alimentos cozinhados.

No inverno normalmente sentimos necessidade de alimentos mais quentes e reconfortantes. Existe um “menu” especial consoante a época do ano?

Só procuramos os alimentos mais quentes e reconfortantes porque acreditamos que é essa comida quente que nos dá mais calor. Eu iniciei a minha mudança alimentar há sete anos, em pleno inverno, e posso garantir que não é verdade. Se repararmos bem, a comida quente aquece o nosso corpo durante breves minutos e depois ficamos na mesma. Muito mais do que procurar comida quente para se aquecerem, as pessoas procuram-na porque lhes proporciona um maior conforto emocional e isto já é um tema de conversa diferente. Se tivermos uma vida com alguma atividade física e mantivermos uma boa ingestão calórica, parte da qual será usada para manter a nossa temperatura corporal adequada, vamos ter sempre boa circulação e não sentir frio. De qualquer forma, naturalmente existem alimentos que são mais adequados para o verão do que para o inverno.

Como por exemplo?

Nesta época fria recomendo a fruta mais doce, um bocadinho mais de frutos secos, sementes e outras fontes de gordura, batatas, cenouras e outras raízes que permitem fazer sopas deliciosas, além de temperos como a raiz de gengibre e pimenta de caiena, que são excelentes para a circulação e para aumentar a sensação imediata de calor.

As crianças podem praticar este tipo de alimentação?

Com certeza.

Pode contar-nos algum caso marcante de um paciente que tenha seguido recentemente?

Todos os casos são marcantes porque normalmente as pessoas com quem lido já passaram por muito. O caso mais recente que me ocorre foi de uma mulher com hipotiroidismo, sem menstruação há quase um ano e com ovários poliquísticos que mudou para uma alimentação 90% crua e 100% de origem vegetal. Tenha sido da alimentação ou não, a verdade é que os três problemas desapareceram.