Ana Marta Ferreira: “Não temos de ser todos amigos, mas também não precisamos de ser maus”

A mais recente aposta cinematográfica portuguesa, ‘Gabriel’, chega esta quinta-feira, dia 21 de março, às salas de cinema. Igor Regalla e José Condessa são os protagonistas do filme, onde se defrontam frente a frente num combate de boxe, e a atriz Ana Marta Ferreira é a mulher no meio do enredo. O Delas.pt falou com a atriz sobre todo o processo criativo do filme.

Realizado por Nuno Bernardo, o filme conta a história de um jovem pugilista cabo-verdiano que, após a morte da sua mãe, viaja para Portugal na tentativa de encontrar o seu pai, um antigo campeão de boxe. Nesta busca, Gabriel envolve-se no mundo do pugilismo, paixão que partilha com o seu pai. Elisa, interpretada por Ana Marta Ferreira, é a rapariga que vai ajudar Gabriel a integrar-se na vida do bairro e que será a força motivadora para a sua luta.

‘Gabriel’ aborda temáticas como a xenofobia, o bullying e a imigração e pretende mostrar um dos mais complicados bairros portugueses – os Olivais – “um refúgio de cultura onde o passado e o presente coexistem, um bairro que alberga as mais diferentes nacionalidades, nomeadamente a cabo-verdiana (a segunda maior comunidade de imigrantes em Portugal)”, conforme refere o realizador, em comunicado de imprensa.

Na conversa com a atriz Ana Marta Ferreira, procurámos entender como foi a preparação para encarnar esta personagem e qual a maior mensagem a retirar deste filme.

Faz parte do elenco do filme ‘Gabriel’, que mostra a vida de um bairro problemático. Tinha noção desta realidade ou foi algo que a apanhou de surpresa?

Tinha um bocadinho de noção desta realidade, porque vivo relativamente perto de um bairro social e embora não viva mesmo no bairro tenho noção das coisas que por lá se passam. E os Olivais, que é onde se passa o filme, são um bairro que para mim até é familiar porque os meus avós vivem lá desde sempre. O meu pai cresceu lá. Portanto, eu sempre assisti, ou consegui ver mais ou menos o que se passava no bairro, embora nunca o tenha vivido mesmo. Mas enquanto estávamos em ensaios, antes de fazermos o filme, nós estivemos sempre muito ligados aos Olivais… Tínhamos lá os ensaios, as gravações, tudo. E deu para viver um bocadinho aquela realidade, como é que aquela comunidade funcionava. Por isso, acabei por ficar próxima dessa realidade também.

Como é que descreveria a sua personagem enquanto personalidade feminina num meio predominantemente masculino, como, por exemplo, o das lutas de boxe?

A Elisa é uma miúda que sempre viveu bem, os pais tinham uma boa vida, só que ela foi viver para os Olivais com o pai, porque os pais separaram-se e então ela começa, para compensar o vazio que tem dentro dela, a querer ajudar a comunidade. Ela própria vai a algumas reuniões onde as pessoas falam para não se sentirem sozinhas e têm ali um sítio onde podem conversar. E ela quando conhece o Gabriel acaba por se envolver muito na vida dele, por ter esta necessidade de ajudar aqueles que ela acha que precisam, quando no fundo ela também precisa, simplesmente está a ocupar a cabeça com os problemas dos outros. E, eventualmente, no filme, as pessoas percebem que isso pode ter acontecido com o Rui também. Portanto, isto é uma miúda que no fundo quer ajudar os outros, mas para se compensar a ela própria. E claro que ela não gosta deste desporto agressivo e não quer que aquilo aconteça, mas é algo um bocado inevitável.

Como é que foi a preparação para encarnar esta personagem?

Foi incrível. Tivemos um mês de preparação com a Karla Muga e tivemos uns ensaios incríveis porque à medida que o tempo ia passando íamos descobrindo coisas sobre as nossas personagens que não estavam logo ali explícitas. O que é muito engraçado, porque conseguimos encontrar o background das personagens que não está descrito no guião, por isso, foi super interessante. E, por isso, ter os ensaios com o Igor Regalla e com o Zé Condessa foi incrível, eles são incríveis.

Que mensagem se pode retirar deste filme?

A mensagem mais forte é que nós não precisamos de racismo, não precisamos de violência, não precisamos de nada destas coisas na nossa vida para nos respeitarmos ou para nos darmos ao respeito. Acho que nós não temos de ser todos amigos, de todo, mas que também não precisamos de ser maus uns para os outros e podemos evitar estas coisas todas da violência e do racismo se simplesmente respeitarmos o outro ser humano que está à nossa frente, ao nosso lado ou atrás de nós.

Qual foi a parte do filme, ou da sua história, que mais a marcou enquanto atriz e pessoa?

Há uma parte, que aparece nos trailers, e que toda a gente já viu, onde o Zé Condessa está a bater numa pessoa negra. Essa cena ficou tão bem gravada e feita que me faz mesmo confusão assistir. Porque acaba por ser mesmo uma realidade, não é? Nós, às vezes, podemos não ver, todos os dias, mas nestes bairros sociais, há muita violência, dentro e fora de casa. E ali é um exemplo da violência que há fora de casa e que acontece muito. E aquilo ficou tão bem feito que me faz mesmo impressão de ver.

Que projetos estão em mente para o futuro e para o mundo cinematográfico?

Neste momento estou a ensaiar uma peça, ‘Beginners’, de Tim Crouch, com a Inlight Produções. Vamos estrear em meados de abril. Penso que as datas fechadas são 19, 20 e 21 de abril, no Teatro do Bairro, em Lisboa. Eventualmente vamos para outros sítios também, mas ainda não tenho a certeza. E vamos ver se depois aparecem novos projetos também.

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