Aos 20 anos, Carla disse: ‘Mãe, pai… vou colocar um pacemaker’

shutterstock_coracao_destaque

Foi com 15 anos que Carla Rocha descobriu sofrer de um bloqueio auriculoventricular completo. Problema de coração que diminui os batimentos cardíacos e que a obrigou a colocar um pacemaker cinco anos depois. E é de pacemaker ao peito que continua a viver: licenciou-se, casou e já passou por duas gravidezes, sendo mãe de uma menina e um menino.

Mas até chegar ao diagnóstico e perceber o que se estava a passar não foi fácil. “Eu não me sentia mais cansada do que os outros, não me sentia mais limitada que ninguém, fazia uma vida perfeitamente normal”, começa por contar Carla ao Delas.pt. E continua: “Os primeiros sintomas começaram nas mudanças de posição mais drásticas, nos movimentos giratórios ou quando me baixava ou levantava… Aí sentia tonturas, parava um bocadinho e depois voltava à minha vida. Mas não achava que fosse nada em concreto”.

Carla Rocha, 35 anos [Fotografia: DR]
Jovem e ativa, um problema de coração era algo que não parecia poder ser real, daí que mesmo diante de uma contagem de frequência cardíaca baixa, não se tenha percebido que a saúde de Carla pudesse estar em perigo: “Quando fazíamos educação física, no início do ano, havia aquela avaliação de frequência cardíaca, quer antes quer depois da corrida. Lembro-me de estar no 5º ou 6º ano, e o professor dizer-me: ‘Tu tens um coração à Carlos Lopes. É uma coisa impressionante! Tens mesmo boa capacidade física’. E eu toda contente, porque sempre gostei muito de desporto”, relembra.

“A minha mãe ficou um bocado preocupada, mas eu nem tanto. Na altura relativizava muito e aquilo não era preocupação nenhuma”, recorda Carla

Com as tonturas a tornarem-se regra, era inevitável uma ida ao médico. Foi por volta dos 15 anos, numa consulta de rotina que Carla, acompanhada pela mãe, ficou a saber o motivo dos tão poucos batimentos cardíacos: “A minha mãe referiu ao médico de família que eu me queixava constantemente com tonturas. Ele na altura não deu grande relevância, mas depois: ‘Está bem, vamos lá medir o pulso, ver a tensão…’. Assim que ele põe a mão para medir a pulsação, diz-me: ‘Vamos fazer um eletrocardiograma’. Não percebi porquê, nem ele explicou, mas assim que o fiz veio de lá o tal problema cardíaco que, teoricamente, será congénito”.

Um bloqueio auriculoventricular completo foi o diagnóstico. “’Isso significa que o teu coração bate um bocadinho mais devagar do que o normal, vou-te enviar para a cardiologia, porque isto precisa de ser avaliado’”, foi a explicação que Carla diz ter ouvido por parte do médico. “Obviamente que a minha mãe ficou um bocado preocupada, mas eu nem tanto. Na altura relativizava muito e aquilo não era preocupação nenhuma. Mas lá fui eu para o cardiologista, o Doutor Carlos Morais”.

O amigo pacemaker

Foi aí que Carla deu de caras com a realidade, ficando a saber mais sobre o seu coração preguiçoso e sobre a intervenção que possivelmente teria que vir a fazer, para conseguir ter uma boa qualidade de vida em termos de saúde. Que seria o quê? Colocar um pacemaker.

Um pacemaker é um dispositivo eletrónico que se implanta dentro do corpo dos doentes. Normalmente, fica colocado por baixo do peito e debaixo da pele”, explicou ao Delas.pt Carlos Morais, cardiologista de Carla Rocha. E como é que funciona? “Através de umas pequenas sondas que estão ligadas ao próprio coração e que ajudam a corrigir problemas do ritmo cardíaco, fazendo com que o coração se contraia na velocidade que for necessária”.

O coração humano deve trabalhar de forma regular e isso é realizar cerca de 60 a 100 batimentos por minuto

De acordo com o especialista, o coração humano deve trabalhar de forma regular e isso é realizar cerca de 60 a 100 batimentos por minuto, mas nem sempre é assim. Existem certas doenças do ritmo cardíaco que podem levar a que o coração não bata as tais 60 vezes por minuto. Por vezes, pode bombear apenas 20, 30, ou até menos que isso, e aí o coração não estará a desempenhar bem a sua função.

Carla passou então a ser acompanhada, mas para já nada indicava que necessitasse de alguma intervenção. O tempo foi passando e conforme ia um ano e outro, também os sintomas se iam intensificando.

“O cansaço instalou-se e subir escadas, para mim, já era muito cansativo”

No primeiro ano de faculdade, o estado de saúde de Carla piorou consideravelmente: “Os sintomas começaram a agravar-se e de uma forma relativamente rápida. O cansaço instalou-se e subir escadas, para mim, já era muito cansativo. Continuava a fazer desporto e a minha vida normal, mas sentia que cada vez me custava mais. As tonturas eram frequentes e mais prolongadas”. Também a aparência começou a mudar, os lábios passaram a estar quase sempre roxos, e as mãos igualmente muito cianosadas – pele com tom azul-arroxeado. Além disso, Carla chegou a ter um desmaio a conduzir: ia a caminho de um exame de anatomia, ia sozinha e já estava atrasada. “Foi uma coisa rápida, foi a chamada lipotimia, quando a pessoa tem aquele desmaio, mas que logo a seguir volta a si. Por acaso foi em reta, porque se não fosse tinha corrido mal”, conta.

Estava na hora de fazer algo e Carla foi falar com o médico Carlos Morais sozinha. Foi então feito outro eletrocardiograma e, aos 20 anos, ouviu o especialista que a acompanhava dizer: ‘Olhe Carla, não há hipótese, vamos ter que avançar para o pacemaker. Não temos mais tempo”. Nesse mesmo dia, conta: “Cheguei a casa a dizer: ‘Mãe, pai… vou colocar um pacemaker’.

“A parte mais problemática para mim, e que me custou mais a digerir na altura, foi o facto de se notar”

A notícia afetou bastante os pais de Carla, que não esperavam que a filha se submetesse à implantação de um pacemaker em tão tenra idade. Mas para Carla, as preocupações eram outras. “A parte mais problemática para mim, e que me custou mais a digerir na altura, foi o facto de se notar. Era mais uma questão estética. Mais do que propriamente ter um pacemaker, era o facto de ficar visível. Ainda para mais sou magra, nota-se perfeitamente a altura do pacemaker, a costura… é uma zona que no verão está sempre exposta. Essa foi a parte mais difícil”, confessa.

Também o cardiologista relembra essa preocupações da paciente: “Uma das suas maiores preocupações, que era natural aos 20 anos, era precisamente a questão estética. Mas isso foi ultrapassado falando com ela e mostrando vários exemplos de doentes com pacemaker. De facto, aquilo é uma cicatriz muito pequenina e que vai desaparecendo quase com o tempo”.

Mesmo assim, Carla ainda ponderou recorrer à cirurgia estética, ideia que caiu por terra: “O doutor ainda me encaminhou para um cirurgião plástico, mas depois era o que ele diz: ‘Isto vai ter que ser mudado de X em X anos. Não vale a pena estar a fazer uma cirurgia estética para daqui a alguns anos fazer outra, outra vez’. Essa parte custou-me um bocadinho, mas hoje já não ligo nenhuma”.

“O pacemaker não protege uma pessoa de ter outras doenças ou problemas cardíacos. Mas o facto de ser portador de pacemaker não é nenhuma limitação na vida”, descreve o Cardiologista Carlos Morais

Essa mudança de dispositivo é necessária porque é preciso fazer a manutenção do aparelho: “O pacemaker é um dispositivo eletrónico e, como qualquer dispositivo, tem uma fonte de energia, como se fosse uma pilha que se vai consumido ao longo do tempo. Ao fim de alguns anos, habitualmente entre oito a dez anos, poderá ser necessário proceder à substituição do aparelho. Uma intervenção muito simples: faz-se uma pequena incisão na pele, acima do sítio onde está o aparelho, tira-se aquele e volta-se a colocar um novo”, explicou Carlos Morais.

Carla passou por esse procedimento na sua primeira gravidez, aos 29 anos e de 37 semanas: “Foi algo que não era expectável. Na consulta anterior, ainda no início da gravidez, teoricamente daria entre ano e meio a dois anos, de repente, em seis meses, já me diziam que estava no fim”. Tirando esse pequeno procedimento que Carla teve de fazer, todo o período de gestação foi normal e idêntico ao de alguém que não é portador de pacemaker. “O doutor indicou que não havia absolutamente cuidados nenhuns a ter para além dos tidos com uma grávida normal. Não tive que fazer qualquer medicação, nem prévia nem pós”, referiu a jovem.

“Não existem limitações significativas a não ser as que possam existir por a pessoa ter outras doenças. O pacemaker não protege uma pessoa de ter outras doenças ou problemas cardíacos, como hipertensão, enfartes, etc. Mas o facto de ser portador de pacemaker não é nenhuma limitação na vida”, frisou o especialista ao Delas.pt.

Carla Rocha [Fotografia: DR]

15 anos de pacemaker, experiências e qualidade de vida

Carla vive com um pacemaker há 15 anos e é um dos casos raros de jovens com este dispositivo. “Habitualmente são mais os homens a colocar pacemaker, devido à longevidade que é inferior à das mulheres. Mas pode afetar, de uma forma equilibrada, ambos os sexos. Além disso, os problemas de ritmo cardíaco que motivam o implante de pacemaker podem acontecer em qualquer idade, inclusive em crianças, embora isso seja muito raro”, esclareceu Carlos Morais.

De acordo com o especialista, a implantação de pacemakers é algo feito com “alguma regularidade em todo o país”, sendo no hospital onde trabalha, o Hospital Amadora Sintra, colocados cerca de três dispositivos destes todos os dias.

A colocação deste dispositivo não só salva a vida de quem o carrega junto ao peito, como também contribui para uma boa qualidade de vida, devolvendo muitas vezes capacidades que se foram perdendo. “A minha vida passou a ser francamente melhor em termos de qualidade, posso fazer uma vida perfeitamente normal e sem ter os sintomas que tinha antigamente, e que tanto tinha que andar a controlar”, afirma Carla nos dias de hoje.

Com uma atitude sempre positiva, a jovem encara o pacemaker como um companheiro, embora nem sempre se lembre que ele lá está. Mas a magia de viver a vida está aí mesmo: “Sempre fiz a minha vida normal, independentemente de ter pacemaker ou não. Sem coração as pessoas sabem que não há vida, então, tudo o que mexe com o coração têm sempre muito medo E acho que as pessoas interpretam mal o pacemaker. Têm sempre muito medo até perceberem que realmente podem fazer uma vida normal e que aquilo as vai tornar muito melhor no seu dia-a-dia. Eu nem sequer me lembro que tenho pacemaker”.

[Imagem de destaque: Shutterstock]

O Coração Partido é mesmo um problema de saúde

Chocolate pode ser benéfico nas arritmias cardíacas