Aplicação de IA tapa mulheres para “devolver a dignidade à internet”

pexels-cottonbro-studio-5473956
[Fotografia: Pexels/Cottonbro Studio]

Anónimos ou famosos, os corpos das mulheres voltam a ser matéria de opinião dos outros e também da inteligência artificial. Uma aplicação de IA norte-americana diz querer “devolver a dignidade à internet” e para isso anuncia que veste os corpos das mulheres que pareçam mais despidos. As mãos que seguram, por exemplo, um copo de vinho passam a segurar flores e, não raras vezes, bebés.

Recorda-se do vestido de 14 mil alfinetes que Miley Cyrus levou aos Grammy? Pois bem, agora a cantora surge vestida com uma vestido midi sem decote e de corte tradicional. Kirsten Stewart também já foi tapada por esta aplicação.

[Fotografia: Captura de ecrã/X/DignifAI]

Se na capa da revista Rolling Stone surgia em cuecas e colete de couro, agora a mesa imagem cobre-lhe o corpo com um vestido azul.

[Fotografia: Captura de ecrã]

E os exemplos sucedem-se nas contas de Twitter da DignifAI, que veste Elon Musk a sair do mar ou a tapar tatuagens e piercings de anónimos. Mas, sem equívocos, a maior parte das adulterações versam, como sempre, as mulheres.

 

A ferramenta foi lançada no forum 4chan, uma plataforma de troca de imagens e mensagens, fonte de muitos memes bem sucedidos, de divulgação de imagens íntimas de celebridades e atualmente muito conotado com os homens de ultradireita americana.

Segundo avança o jornal francês Libération, este novo fenómeno permitiria aos utilizadores com ideias retrógradas “satisfazer as fantasias reacionárias de mulheres mais puritanas e dóceis”. A verdade é que já somam mais de 60 mil seguidores no X (antigo Twiter) e têm conta certificada a crescer fundada no início do ano.

O mesmo jornal detalha que numa discussão aberta em janeiro, mas agora inacessível, o criador da ferramenta apresentou-a como, “pelo poder da IA, vamos vestir as instahots [rapariga sexy no Instagram, em tradução livre], vamos purificá-las das tatuagens, libertá-las dos piercings, alongar-lhes as saias”.

E se a IA permite, sem consentimento, fazer isto às mulheres, tapando-lhes as decisões que queiram fazer sobre os seus corpos, também faz o contrário: despindo-as, como aconteceu em janeiro deste ano com Taylor Swift, mas não só.

Recorde-se que a cantora foi vítima de pornografia online falsa gerada por IA generativa. Uma dessas imagens da cantora e multimilionária – que vem a Portugal em maio deste ano – já foi vista mais de 47 milhões de vezes na rede social X, onde de acordo com os ‘media’ norte-americanos permaneceu durante mais de 17 horas antes de ser excluída.

Imagens pornográficas falsas [deepfakes, na expressão em inglês] de mulheres famosas, mas também dirigidas a muitas pessoas anónimas, não são novidade. E o facto de as mulheres estarem em maior risco, também não.

“O aumento da pornografia gerada por IA e do ‘deepfake porn‘ normaliza o uso da imagem de uma mulher sem seu consentimento”, explicou, em julho de 2023, Sophie Maddocks, pesquisadora da Universidade da Pensilvânia que estuda abusos sexuais baseados em imagens. “Que mensagem estamos a enviar como sociedade sobre o consentimento quando qualquer mulher pode ser virtualmente despida?”, comenta.