Capicua canta contra “a romantização da sobrecarga” de trabalho das mulheres

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[Fotografia: André Rolo / Global Imagens]

A partir da meia-noite desta sexta-feira, 8 de março, a música Que Força é Essa Amiga já vai estar disponível online. Esta versão de Capicua da célebre música de Sérgio Godinho nasceu a 17 de janeiro, no palco do Maria Matos (Conta-me uma Canção), ao lado do seu autor original e regressa para evocar as lutas que as mulheres ainda têm de travar. “Que força e essa amiga que te faz levar o mundo todo na barriga”, ouve-se no refrão.

“A canção original fala sobre a exploração do trabalho e que é mal pago, tenta semear inconformismo no coração dos trabalhadores. Eu quis falar do trabalho doméstico e reprodutivo e de toda a sua exploração”, revela Capicua à Delas.pt.

“Uma sociedade que nos pede que trabalhemos como se não tivéssemos filhos e que tivéssemos filhos como se não trabalhássemos”

A rapper lembra que, “historicamente, as mulheres têm a economia do cuidado em troca de pouco dinheiro, que é colocado muitas vezes na conta do amor incondicional e do amor materno. Há esta ideia de uma romantização da sobrecarga como se elas fossem naturalmente propensas para cuidar, para cozinhar, para serem mães”.

Por isso, é tempo de olhar para as lutas que ainda faltam travar “numa sociedade que nos pede que trabalhemos como se não tivéssemos filhos e que tivéssemos filhos como se não trabalhássemos, e que nos causa muita exaustão”, detalha.

“Nestes 50 anos do 25 de abril, temos de nos orgulhar da igualdade na lei, da escolarização e do trabalho das mulheres, e de todas as liberdades que conseguimos e o que isso significa para o pais. Mas há muito para fazer ainda de casa. A igualdade está na lei, mas dentro de casa ainda há muita desigualdade e que interfere e passa pela nossa vida, carreira, politica, cultura. Como é obvio, não podemos competir com essa mochila tão pesada”, refere a compositora e intérprete.

 

Capicua quer, com esta versão, “sensibilizar as pessoas, para questionar a ordem natural as coisas, trazer consciência e sentido crítico e, quem sabe fazer como Sérgio, semeando um pouco de inconformismo no coração das mulheres e que elas possam engrossar a luta feminista a 8 de março”. Não sabe se a música pode vir ou não a ser entoada nas marchas feministas previstas para esta sexta-feira, 8 de março, até porque não há muito tempo, mas ”gostava”. Ainda assim, como lembra Capicua, não faltam temas no ser percurso “para fazer uma playlist feminista”.

Versão foi “espécie de desbloqueador” para novas composições

Cantando o que compõe, Capicua reescreveu o tema de Sérgio Godinho para o apresentar no espetáculo de janeiro. “Mandei-lhe uma versão feita no ensaio, e ele foi sempre muito motivador”, recorda a compositora. Agora, vinca que reescrever esta letra na perspetiva das desigualdades das mulheres “não seria possível se ele não tivesse sido generoso, se não tivesse tido este desprendimento de autorizar este atrevimento”.

Para a intérprete, mexer neste tema é lidar com memórias de toda uma vida. “Desde a infância que ouço, cantava muitas vezes a canção”, conta. Esta nova versão nasceu de um momento com o filho:

“Houve um dia que cheguei a casa e disse: ‘trabalhei o dia inteiro’. E o meu filho completou com a frase ‘a construir as cidades para os outros’. Era uma canção que me dizia muito, um templo sagrado que nunca pensei em tocar, mas deu-me muito prazer fazer este exercício”, revela.

Se esta versão irá ou não fazer parte de um novo álbum, Capicua não faz promessas. Mas dá esperanças: “Tive uns meses de pousio e estive a compor para outros, mas escrever esta versão deu-me vontade de compor para mim própria, foi uma espécie de desbloqueador”, confidencia, avisando: “é amuleto que levo para o processo de fazer um disco novo”.