Acrobacias no ar são com ela… e outras aventuras também

Diana Gomes da Silva. O nome diz-lhe pouco? Saiba que é a 1ª piloto a fazer acrobacia aérea na Península Ibérica, a 1ª mulher instrutora no Médio Oriente e foi a 1ª a piloto portuguesa na EasyJet.

Uma mulher que todos os dias quebra os estereótipos, quando voa pelo mundo a fora, quando anda de mota de saltos altos pelas ruas lisboetas. Os limites para ela são poucos, e a vontade de quebrá-los é muita.

A verdadeira definição de uma mulher leve, livre e solta, com a determinação e garra de realizar todos os seus sonhos. Diana fala da sua carreira e dos estereótipos ainda tão presentes na atualidade.

Como e quando é que se apercebeu que queria ser piloto?

Toda a vida tive um fascínio enorme pelo espaço, as estrelas, o céu, o cosmos, e tenho uma vontade enorme de conhecer mais, de ir além, de ir mais alto. Sempre gostei de coisas motorizadas, de carros e motas. Os aviões vieram um pouco mais tarde na minha vida, durante a adolescência. O meu sonho era mesmo ser astronauta, mas como o programa espacial português nunca aconteceu, tive de sonhar mais baixo e fui para piloto.

Entre as acrobacias e os voos comerciais qual é que a modalidade que a motiva mais?
São muito diferentes sendo que os princípios são iguais. Eu adoro acrobacia, é uma paixão assolapada. No fundo é tudo aquilo que eu sou expresso numa atividade. Espírito livre, poder fazer todas as manobras, poder ver um por do sol ao contrario, poder voar. Já vi os cenários mais incríveis. E acima de tudo ultrapassar os limites definidos, e quebrar barreiras de estereótipos.
Durante muitos anos, quando fazia acrobacia em espetáculos, estava ao lado do avião e apesar de estar fardada com o fato de voo igual à cor do avião, e até o avião ter o meu nome, as pessoas ainda iam ter com o meu marido na altura, e perguntavam se era dele e se ele é que era o piloto. Principalmente com pessoas mais novas, mas não só, era a satisfação deles perceberem que a piloto era eu. Eu mostrava que as pessoas podem ser aquilo que quiserem desde que acreditem e se dediquem àquilo que for a paixão deles. Por isso a acrobacia tem um significado muito grande e importante na minha vida. A aviação comercial é a minha profissão, que eu adoro, que me dá a possibilidade de ter o prazer de voar diariamente e por isso também é uma paixão, também tem os mesmos princípios em dimensões diferentes. E que me proporcionou estar 6 anos no médio oriente, isso foi graças a linha aérea.
Foi a primeira em muita coisa, vê isso como uma pressão ou uma motivação?
Quando eu fui a primeira mulher a fazer acrobacia na Península Ibérica eu não pensei que ia ser a primeira. Fiz acrobacia uma vez e pensei “espera lá, isto é que é, é isto que eu quero fazer”. Depois quando me tornei instrutora e quando fui viver para o médio oriente a mesma coisa. Eu nunca fiz as coisas pela conquista de um título, isso não me diz muito. É um motivo de orgulho mas olhando para trás, não para a frente. Eu não faço as coisas pensando que o resultado será que vou ser a primeira. Faço e por acaso tem acontecido que tenho sido pioneira em algumas áreas. Se sinto pressão? Zero. Sou muito bem resolvida comigo, eu tenho orgulho em mim. Acho que isso também é uma coisa que não sei se é cultural mas que as pessoas tem o preconceito de dizer. E eu acho que nós temos de ter orgulho em nós próprios. Havia uma marca há alguns anos que dizia “se não gostares de ti, quem ninguém gostará”, mas isso é verdade e se não gostamos de algo em nós temos de lutar para a mudar, para melhorar para nós não para os outros.
Qual é a maior vantagem da sua profissão?
É poder voar todos os dias!
Qual foi o papel da família no decorrer da sua carreira? Acha que é uma parte importante?
Importantíssima. Eu às vezes penso se devo o meu sucesso a alguém, e acho que não. Dever a alguém não devo. Mas houve pessoas que foram chave, e a minha família foi, em me apoiarem. Apesar de não estarem lá nos exames, num dia em que voava, mas sempre de uma maneira ou de outra apoiaram-me. Os meus pais educaram-nos a seguir os nossos sonhos mas não é “ah segue os teus sonhos”. É, seja lá o que escolheres fazer vais fazer bem, por isso é que somos uma piloto, um surfista, (António, campeão do mundo de ondas grandes na Nazaré) e uma médica que é a minha irmã que é uma cabeça mas também é uma iron woman. Somos o reflexo desse tipo de educação, que é, faz aquilo que tu quiseres, desde que faças bem, que te empenhes a 100%. Acho que a partir do momento que nós encontramos uma coisa de que gostamos, que as vezes não e fácil e até podemos encontrar bastante tarde na nossa vida, mas a partir desse momento temos de lutar ao máximo para faze-lo todos os dias e tentar que seja a nossa profissão. Porque quando a nossa profissão é uma coisa de que gostamos muito, dedicamo-nos de uma maneira incondicional. Às vezes sacrificando muita coisa, hoje em dia também olho para trás e percebo que fiz muitos sacrifícios que eu nem tinha ideia quando estava a fazer. Abdiquei de tudo em prol da aviação até este ano. De família, amigos, juventude, ter uma casa, de comprar um carro, tudo para ter um avião. Por isso há muitos sacrifícios, nos temos é de estar dispostos, mas isso é tudo na vida até as relações humanas.
Se tivesse que se descrever em três palavras quais seriam?
Determinada, feliz e curiosa.

2 #adrenalinejunkie

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Como é que foi para o Médio Oriente?
Em 2009 o país começou a entrar numa crise, e em 2010/2011 eu e todos os pilotos portugueses, perdemos por volta de 30% do nosso ordenado. Eu na altura tinha feito vários investimentos na minha carreira, tinha tido um azar que foi uma falha de motor que fez com que tivesse de ter um investimento igual ao valor do avião e por isso a parte financeira teve um impacto enorme. Estava há muitos anos em Portugal como piloto de acrobacia a cobrir sempre os meus gastos todos, eu é que pagava os meus espetáculos, e investia muito a nível financeiro, pessoal e de tempo. E não me sentia reconhecida em Portugal, a verdade é essa. Tinha um projeto que eu acreditava que era os pilotos mesmo comerciais deviam ter formação de acrobacia aérea, e por isso comecei a mexer-me e a procurar sítios onde pudesse implementar estes sonhos todos. O médio oriente surgiu como uma das zona do mundo que estava com mais crescimento da historia da aviação, a Ethiad Airways a qual eu concorri. Lembro-me perfeitamente, concorri dia 27 de fevereiro, dia 7 de março tive o convite e 15 dias depois tinha o contrato e fui viver para Abu Dhabi. As coisas também foram todas muito rápidas.
Durante 3 meses fui para o treino e 6 meses depois comecei a montar a escola de acrobacia. No médio oriente tinham uma capacidade financeira enorme que permitiu-me estar exposta de uma outra maneira que jamais teria acontecido. Andei a fazer voos de teste na Airbus, nas fábricas dos aviões, experimentei todos os aviões de acrobacia possíveis no mundo, em prol do curso, e depois montar uma escola de acrobacia e passar a que isto fosse implementado. Junto com um grupo de pessoas, fizemos com que isto passa-se a ser lei. Foi todo um movimento mundial e tinha de ter um impacto que Portugal não tinha e por isso senti a necessidade que os meus sonhos tinham de sair além das fronteiras, saíram e concretizei-os.
Como é que lidou com os medos e as incertezas?
Temos uma imagem um pouco estereotipada que as mulheres são descriminadas no médio oriente. A nível profissional a que senti foi positiva. Como tinham tanto medo de me descriminar até acho que foi a meu favor, até se portavam bem demais. Promoveram-me, e cheguei aos 27 anos a manager numa das maiores companhias aéreas do mundo. Profissionalmente nunca tive problemas, a nível pessoal tinha as limitações que são conhecidas por se ser mulher no médio oriente.
O que me custou mais, é que a pessoa percebe que passados muitos anos fora, e longe das pessoas de que mais gosta que está a abdicar de muito mais do que pensa. Depois há momentos chave, o meu irmão teve um acidente grande na Nazaré em que eu não estava cá. Isso faz-nos repensar os valores todos, a terra abana e depois sentimos que temos de voltar à base. Mas não quer dizer que daqui a uns anos não vá para outro sitio qualquer que também há de ter outros medos e enfrentar outras coisas.
No médio oriente a liberdade de escolha de profissão para as mulheres é muito limitada. Disse numa entrevista que muitas das suas alunas tinham sacrificado muito para seguir a profissão de piloto. Qual foi a maior lição que trouxe dessa experiência?
Há sempre alguém mais do que nós, e é isso que devemos procurar. Pessoas mais a frente, pessoas que nos inspiram para ficarmos melhor. Se eu achava que era uma pioneira ou que fazia alguma diferença, essas raparigas e essas mulheres fizeram-me perceber que não. Aquilo que eu tive de sacrificar ao longo da vida, que foi muito e que no meu mundo é muito, a comparar com aquilo que elas têm de sacrificar para perseguirem os sonhos delas não é comparável sequer. Estamos a falar de raparigas que algumas as famílias deixaram de lhes falar, porque simplesmente não aceitavam que elas trabalhassem. E há pouco quando eu dizia que sentia discriminação positiva, isso é verdade para especialistas, para pessoas estrangeiras que estão lá por um tempo determinado, porque entre os locais na cultura, ainda não é bem aceite. Essas mulheres tinham de abdicar de tudo, chegava uma altura na vida que todas elas sem exceção, tinham de escolher deixar o trabalho para ser mães ou escolher a carreira e serem solteiras para a vida toda, mas nenhuma delas tinha sido aceite conjugar os dois. Por isso eu tinha e ainda tenho uma admiração enorme por elas e mantenho contacto, fazem-me orgulhosa muitas vezes e fico muito feliz por ter tido um impacto na vida delas também.
Incentivar mais mulheres a seguirem o seu caminho é algo em que pense?
Claro que sim. Os homens também mas as mulheres tem a maior obrigação de passar a mensagem às outras e ajudarem-se. E ainda não estamos bem assim, a verdade é essa. Mas acho que é a minha obrigação, se tiver uma menina a entrar no avião a olhar para o cockpit de chamá-la e dizer, “olha se quiseres também podes ser piloto”. Porque as meninas cresceram a achar que só podiam ser hospedeiras, e a verdade é esta. Não é o drama dos livros que se falou em Portugal, mas é mais por desconhecimento. Não é que a sociedade faça isso com um propósito, não acho que seja isso, acho é que temos de dar a conhecer. As pessoas têm de saber que é uma opção ser piloto, como para os homens é uma opção ser comissário. Acho que as pessoas têm de crescer sabendo que há estas oportunidades fazendo as próprias escolhas. Quando voltei para Portugal foi por motivos pessoais, mas também surgiu uma oportunidade de trabalho de uma empresa que me proporcionava estar em casa todos os dias com a minha família que é a EasyJet, ou seja, fazer voos de ida e volta. Depois têm um projeto inacreditável que se chama Amy Johnsson flying iniciative.
Fale-nos mais da Amy Johnsson flying iniciative
Esse projeto consiste em dar todos os anos 6 bolsas de estudo no valor de 100,000 libras, a 6 mulheres que queiram se tornar pilotos, com emprego garantido depois de passar pelo processo de recrutamento. E por isso sinto que estou numa empresa que apoia as mulheres na aviação, e que tinha um objetivo de contratar 6% de mulheres em 2016 que o fez, sou uma delas, e que tem até 2020 o compromisso de ser a primeira empresa Europeia a ter 20% de mulheres pilotos. Daqui a 3 anos a probabilidade de entrar no cockpit e estar uma mulher é de 20%, que é maior que qualquer outra companhia no mundo que andam entre o 1-2%. Foi uma das coisas que me fez vir para uma empresa que quer fazer a diferença por apoiar as mulher na aviação. Sendo que é das únicas no mundo que a CEO e o conselho administrativo são maioritariamente mulheres, que é uma coisa inacreditável. É uma companhia muto aberta e o contacto dos passageiros é aceitável, levantamos voo com as portas do cockpit abertas para que as pessoas possam ver e desmistificar aquela ideia dos homens a liderar, quebrar estereótipos que tem tudo a ver com a minha personalidade.
Agora sou embaixadora do projeto e faz parte do meu trabalho dar a conhecer que ser piloto é uma opção. Que sendo da EasyJet se vai dormir todos os dias a casa. Permite o contrário do que as pessoas pensavam que era ‘o piloto vai 3 dias para o Brasil, uma semana para Nova Iorque’, isso já não existe, principalmente na EasyJet que fazemos voos ida e volta. É perfeitamente normal uma pessoa ir deixar os filhos à escola, ir fazer o voo, voltar, e jantar em casa com a família, que era uma coisa que antigamente não existia. Mais uma vez podem olhar para este trabalho como outro qualquer, possivelmente até sem fazer tantas horas, requer é outro tipo de empenho e dedicação.

Day at #lovewhatyoudo ! Quem acaba o nome do avião ?#pilotlife #femalepilot #aviation

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Acha que a desigualdade em Portugal está muito presente?
Sim. Eu não sei os números, mas gostava de os ver, das mulheres CEO em Portugal e dos outros países. Mas tenho a certeza que comparando Inglaterra ou os Estados Unidos a Portugal haveria um choque. Aliás eu li agora as chamadas ‘top 40 cabeças em Portugal’ e só estão 3 mulheres, não me parece que seja muita verdade… Por isso acho que sim, Portugal ainda é um país que tem muito por percorrer para haver igualdade de género.
Qual seria o seu conselho para as mulheres que querem seguir uma profissão vista como fora do padrão?
Que lutem! Que vão atrás dos sonhos, que nunca desistam, e que mesmo nos dias mais complicados, que temos, continuem. Eu tive vários, no principio, a meio, tive muitos obstáculos mas nunca desisti. Ser persistente e ir atrás dos sonhos e nunca duvidarem delas.
Se pudesse voar agora para qualquer sítio qual seria o seu destino?
Agora? Agora, era fazer um voo de acrobacia na baixa lisboeta!

Andreia Lukeny Silva