Detetados mais de 220 casos de Mutilação Genital Feminina em 2023

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[Fotografia: Pexels/Ali Pli]

São mulheres, estão em Portugal, foram vítimas de mutilação genital feminina (MGF) e a prática foi identificada quando tinham, em média, 29 anos.

Só no ano passado foram detetados e reportados 223 casos da prática deste crime que consiste na remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos femininos e quando as meninas são ainda muito pequenas. Excisões que são sinalizadas anos depois, “muitas vezes, quando as mulheres acabam por ter de ir ao médico por situações de maternidade e obstétricas”, como aponta a presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, à Delas.pt/Jornal de Notícias

Se 2023 traz o valor de identificação mais elevado desde que há registos, desde 2014, são mais 33 casos referenciados do que em 2022. Os dados são avançados pela Direção-Geral de Saúde (DGS) no momento em que se evoca o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, 6 de fevereiro, e indicam que este acréscimo de processos, sobretudo depois de 2020 (650), “poderá estar relacionado com o aumento do número de migrantes permanentes em Portugal, especialmente os oriundos de países onde a prevalência da MGF é elevada”, refere fonte oficial. A mesma autoridade de saúde vinca que “a formação pós-graduada na área da MGF, cuja última edição decorreu em 2022, contribuiu para uma maior sensibilização dos profissionais de saúde para esta temática e para a necessidade de efetuar os registos, podendo também impactar o número”.

“Há já alguns anos passou a haver formação específica para o corpo médico e de enfermagem. Existe uma pós-graduação, passou a haver conhecimento para identificar as situações e é por isso que aparecem tantos mais casos”, refere a presidente da CIG.

Para Sónia Duarte Lopes, coordenadora regional da Associação para o Planeamento da Família (APF) Lisboa, haver este volume de reporte deve ser visto como um “bom sinal”. “O aumento dos números é normalmente interpretado como algo negativo, mas é sobretudo positivo”. E esclarece: “Sabíamos que estas senhoras, vítimas desta prática, existiam, mas com estes dados passámos também a saber onde estão, quais as necessidades de saúde e podemos acompanhar estas senhoras e intervir na mudança de comportamentos”, refere a responsável, lembrando que se estima que existam, em Portugal e segundo dados de 2015, 6500 mulheres que terão sido vítimas desta prática. Um valor que é ainda muito acima dos casos reportados.

Para esta responsável da APF, para lá da capacitação médica e de enfermagem, é preciso acompanhar “estas comunidades para que vejam outras realidades culturais às quais nunca tiveram acesso, e para que não aceitem a MGF como tradição e que a perpetuem não questionando”.

Campanha, formação e ações na comunidade

A CIG irá lançar esta terça-feira, 6 de fevereiro, uma campanha para “chamar à atenção de que ‘Cada MGF Rasga Um Futuro’, não só físico e psicológico mas também com consequências a longo prazo, é uma campanha virada para a necessidade para denunciar e prevenir”, como revela Sandra Ribeiro.

A ação irá “durar todo o ano, terá vários pontos de ativação e um deles será nos aeroportos, nas férias da Páscoa e de Verão”, quando muitas famílias levam as suas crianças aos países de origem e onde arriscam ser sujeitas a MGF.

A APF diz esta a trabalhar junto das comunidades, mas também num plano internacional. “Estamos a fazer ações de sensibilização junto das comunidades afetadas, na comunidade religiosa, na catequese. Temos 21 jovens, mais raparigas do que rapazes, que estão empenhados em combater a prática falando a mesma cultura, a mesma língua, estamos a tocar onde nos parece mais interessante”, considera Sónia Duarte Lopes. Esta responsável da APF revela ainda que está em marcha, ainda para este ano, “um projeto internacional online, em várias línguas com português incluído, só para profissionais. Queremos depois chegar à universidade e outras áreas profissionais”.

A DGS explica que, “no âmbito da Saúde, propõe-se o alargamento e consolidação do “Programa Práticas Saudáveis: Fim à MGF” a outras zonas geográficas do país com prevalência de MGF e a realização de nova edição do Curso de Pós-Graduação em MGF, destinado a profissionais de saúde”.