Edgar Mosa, o artista português coautor da instalação da Loewe em Paris

Loewe - Guests - Paris Men's Fashion Week F/W 2022-2023
Bandeiras do artista português Edgar Mosa e de Joe McShea no desfile para a Loewe, na Semana da Moda de Paris, em janeiro de 2022 [Fotografia: EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON]

Tem 36 anos, há 20 que é joalheiro, é natural de Lisboa e vive nos Estados Unidos da América. Mas Edgar Mosa é também designer, formado em artes visuais e Belas Artes e acaba de ser um dos rostos por trás da apresentação da coleção masculina outono/inverno 2022/2023 da casa espanhola Loewe.

Coube-lhe a ele, em parceria com o companheiro de trabalho e da vida Joe McShea, a instalação hipercolorida e sobre 40 toneladas de areia que serviu de palco às propostas apresentadas pelo designer da casa espanhola Jonathan Anderson.

Edgar Mosa [Fotografia: josephmcs/Edgarmosa.com]
Edgar Mosa [Fotografia: josephmcs/Edgarmosa.com]

Ao Delas.pt, Edgar Mosa explica como a dupla chegou a esta conceção que contou com 13 mil metros de fita, dispostas em 84 bandeiras de 2,5 por 3,5 metros, içadas até 6,5 metros de altura. Tudo isto disposto em 1400 metros quadrados, no Tennis Club Paris.

O joalheiro, que se formou aos 15 anos, revela como foi elaborar este trabalho para a Semana da Moda de Paris e qual o caminho que o também escultor e designer quer cumprir no futuro.

Para já, uma possibilidade: as bandeiras apresentadas em Paris irão caminhar pelo mundo, e espera-se que, em 2022/2023, venham a ser erguidas em Lisboa, no recém-inaugurado espaço-galeria da Loewe, na Avenida da Liberdade.

Como surgiu a oportunidade de trabalhar com a Loewe em Paris e para a coleção de moda masculina?

Jonathan Anderson, o designer criativo da Loewe, viu uma das nossas bandeiras no Instagram e falou connosco para mais informação sobre o projeto. Antes mesmo de explicarmos alguma coisa sobre as bandeiras que estávamos a fazer, imediatamente pediu para encomendar uma instalação de arte no set do seu próximo desfile de homem, durante a Semana da Moda em Paris. Ficámos extremamente emocionados por poder colaborar especificamente com a Loewe, porque a marca tem uma longa tradição de preservar e destacar o artesanato, bem como apoiar artistas e artesãos.

O que significa esta participação no universo da moda. Alguns dias depois, quais são já os efeitos?
O Jonathan prospera em fazer colaborações artísticas e está sempre interessado em apoiar os seus colaboradores. Daqui a seis meses, quando a coleção de homem estiver disponível, as nossas bandeiras serão instaladas em muitas das lojas da marca em várias partes do mundo. E talvez possa vê-las em Portugal na loja Loewe que foi recentemente inaugurada na Avenida da Liberdade.

Que mensagem pretende passar com esta instalação, o que significam as cores, as disposições, e como é que o Edgar e o Joe chegaram até ela?
Quando estávamos a explorar os têxteis e “tropeçámos” no formato da bandeira, impressionou-nos uma espécie de surrealismo presente numa bandeira que não tem um significado semiótico imediato. Bandeiras abstratas. Aqui estão estas coisas que são o objeto simbólico final, que literalmente existem para significar algo, e é interessante ver o que acontece quando mantemos a forma, mas retiramos o significado. De repente, tens um objeto que costuma dizer-te ‘faz isto, pensa naquilo, segue-me, marcha avante, mata-o’ e que acaba tornado neste belo flutuante pedaço de tecido. Queremos que as bandeiras sejam um convite para se sentarem, contemplarem, caírem na hipnose da forma como se movem, seja com o vento ou apenas com o rasto de alguém a passar entre elas. Não nos cabe a nós dizer ao público o que deve sentir ou compreender.

Quando ergueram a primeira bandeira deste projeto?

Fizemo-la durante uma residência artística no Palazzo Monti, em Itália. O edifício do século XVIII estava completamente vazio na altura, não tinha mobília nenhuma. Havia uma sala cheia de lençóis e tapetes de campismo e um armário cheio de ventoinhas. Dormimos num monte de tapetes num quarto absolutamente vazio com frescos barrocos pintados no teto. Cada manhã que acordávamos, reparávamos nos movimentos impossíveis dos tecidos, a vibrar com ventos invisíveis, tão dramáticos e coloridos naquele cenário. Então, pegámos nos lençóis e ventoinhas, e começámos a trabalhar. Entre as muitas esculturas efémeras que criámos, havia uma bandeira feita de fitas que capturava lindamente a visão romântica que tínhamos em mente.

Em Nova Iorque, encontramos Fire Island, uma ilha a dois quilómetros da cidade, um pouco por acidente. Naquela época, só conhecíamos a reputação como destino de constante festa. Decidimos, então, transformar a nossa estadia num lugar onde pudéssemos fazer arte. Ainda não conhecíamos o verdadeiro potencial das bandeiras, percebemos quando começámos a plantá-las na praia, o que fez com que outras pessoas criativas se começassem a reunir à nossa volta. E foi assim que as bandeiras ganharam o significado de ponto de encontro para outros artistas na ilha, que rapidamente se tornaram na nossa pequena família.

O que planeiam fazer a breve trecho?
Daqui a seis meses, quando a coleção do desfile chegar as lojas, contamos em instalar as nossas bandeiras nas lojas Loewe a volta do mundo.

De Lisboa para os Estados Unidos. Como foi o seu percurso até aqui?

Fiz formação como ourives desde os 14 anos, na Escola António Arroio, em Lisboa, e que lançou as bases para o meu foco para o artesanato e o processo criativo. Mais tarde, estudei na Academia Gerrit Rietveld, em Amesterdão, e recebi uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian para conseguir um MFA (Mestre em Belas Artes) da Academia de Arte Cranbrook, em Detroit. Depois, mudei-me para Nova Iorque após 2010. Estes movimentos através de culturas completamente diferentes trouxeram-me pontos de vista pluralistas que alimentam grande parte da minha expressão artística. Em Nova Iorque, comecei a criar coleções de joalharia com ideias influenciadas pela moda e arte. As peças são feitas à mão e e incorporam as minhas visão e técnicas. Também faço obras escultóricas maiores que revelam minha habilidade, ambição e sofisticação visual.

Que caminho quer fazer na joalharia?

A joalharia foi a minha introdução ao mundo da criação. Fiquei tão impressionado com este ofício que estava ansioso por explorar tudo o que pudesse oferecer. Aprendi como ourives, estudei design e formei-me em Belas Artes. Parece que tomei o caminho oposto ao natural para a maioria: começar do geral para especializar depois. Mas tem-me servido bem. O meu desejo de trabalhar em parceria levou-me por caminhos diferentes, mas a joalharia será sempre a minha habilidade especial e que continuarei a praticar para sempre.

Das múltiplas artes que tem vindo a desenvolver, quais são prioritárias para si neste momento e porquê?

Nunca fui bom com palavras, e tenho dificuldade em falar dos meus sentimentos. Tornei-me joalheiro quando tinha 15 anos, e desde então uso materiais para me expressar. Ainda hoje sou completamente viciado no processo criativo. Nunca deixei de fazer jóias, por exemplo, falo com as mãos e as mãos fazem coisas. Nos últimos anos tenho alimentado as práticas artísticas que são em colaboração. Esta última instalação de bandeiras para a Loewe nasceu de uma parceria com o meu marido, por exemplo. Trabalhar com outras pessoas cria laços muito pessoais. Fazemos objetos que unem as nossas vidas. Isto é prazer de trabalhar e o verdadeiro valor da arte.

Que recomendações deixa a quem, a partir de Portugal, queira fazer vida profissional da arte?
Encontrar o ofício em que se é realmente bom e desenvolver a habilidade de o manipular. O mais importante é fazer o trabalho independentemente de expectativas e partilhá-lo constantemente com o mundo. Certifica-te de te manter fiel a ti mesmo – toda a gente diz isto, mas nunca é explicado o real significado. Fazer arte é comunicar, é encontrar a maneira de tocar as pessoas que ressoam com a estética e o estado emocional do autor. Através da arte, queremos alcançar as pessoas que vão gostar de nós como somos, e estas serão as pessoas que te vão rodear ao longo da tua vida. Por isso, mantém-te fiel ao que realmente te inspira, e tenta ser o mais transparente possível.