Eleições angolanas: Saúde materno-infantil domina questões de género

3 Mulher negra

As mulheres são a maioria da população em Angola e os partidos políticos do país repetiram esse facto para apelar ao voto feminino na reta final da campanha para as eleições gerais, que se realizam esta quarta-feira, 23 de agosto.

Os angolanos são chamados a escolher um novo Parlamento e um novo Presidente para suceder a José Eduardo dos Santos, que, ao fim de 38 anos, não se recandidata ao cargo.

Com esta saída de peso, novas formações a aparecer, como a coligação CASA-CE, que podem alterar o peso dos partidos tradicionais, e a recente polémica em torno da proposta de criminalização do aborto, que colheu o apoio de MPLA e UNITA, os votos das mulheres são particularmente disputados.

No caso do eleitorado feminino, o MPLA, partido no poder, tenta apelar ao seu voto falando da importância das mulheres para a manutenção da paz e da democracia do país e através da promoção da igualdade de género, atendendo à autonomia das mulheres, ou de programas de apoio às famílias. Já a UNITA promete, no seu, manifesto eleitoral “oportunidades iguais para todos os angolanos, sobretudo nos setores da educação e saúde, privilegiando estratos sociais, como a juventude, as mulheres, ex-militares e antigos combatentes”, refere a agência de notícias angolana, ANGOP.


Leia também: 22% das mulheres angolanas vivem numa relação polígama e um quarto das angolanas aceita agressões físicas do marido


Mas entre as propostas das diferentes candidaturas é talvez na saúde que se encontrem medidas mais diretamente relacionadas com as mulheres. Nas diferentes candidaturas, a saúde maternoinfantil aparece como uma questão prioritária.

Elevada taxa de mortalidade infantil nas preocupações dos partidos
Além de ter uma das piores esperanças médias de vida Angola – 54 anos para as mulheres e 50,9 anos para os homens, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) –, Angola está no fim da tabela mundial no que respeita à mortalidade infantil, com 156,9 em cada mil recém-nascidos a morrerem antes dos cinco anos de idade, segundo dados de 2016, da mesma organização. Em cada 100.000 nados vivos em Angola morrem 477 mães e, de acordo com a edição do ‘Deutsche Welle’ para os países africanos de expressão portuguesa, menos de metade das mulheres têm apoio profissional durante o parto.

Neste campo, o programa do MPLA aponta como metas aumentar em cinco anos a esperança de vida ao nascer, reduzir a taxa de mortalidade de recém-nascidos de 44 para 35 a cada mil e subir para 65% a percentagem de mulheres assistidas por equipas médicas profissionais no momento do parto.

Em matéria de saúde, o partido do governo refere também a aposta na prevenção e no controlo de doenças como a poliomelite, malária e doenças sexualmente transmissíveis. A este nível, a aposta é na prevenção, com a proposta de criar um programa abrangente de educação sexual e sensibilização na saúde sexual reprodutiva. O MPLA compromete-se ainda a criar programas nacionais de combate ao cancro e reforçar o programa de prestação de cuidados para a saúde materna, infantil e adolescente.

A UNITA incluiu no seu manifesto eleitoral sete medidas de emergência nacional, sendo uma delas a “saúde para todas as famílias”.

Propondo uma política de saúde abrangente, com o envolvimento de vários programas e setores governamentais e alinhada com a Agenda 2030 da ONU e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o maior partido da oposição pretende, entre outras medidas, promover a educação para a saúde materno-infantil e criar infraestruturas que incentivem a medicina preventiva e reforcem a assistência pediátrica, reduzindo os índices de mortalidade infantil.

Educação das populações para a saúde, com ações na comunidades e nas escolas, a revisão do pacote de serviço básico de serviços de saúde e dos medicamentos essenciais, e a formação dos profissionais de saúde são outros das propostas da UNITA.

Da igualdade de género na ONU à proposta de criminalização do aborto
Nos dois últimos anos a realidade das mulheres angolanas conheceu avanços e retrocessos. Em 2015, Filomena Delgado, Ministra da Família e Promoção da Mulher, apresentou na sede da ONU, em Nova Iorque, as medidas políticas do governo angolano para promover a igualdade de género e de oportunidades entre homens e mulheres.

Para isso, o Plano Nacional de Desenvolvimento definiu o ano de 2017 como meta para a eliminação das disparidades de género no ensino primário ao secundário e 2025 para os outros níveis de ensino.

O plano visava também, e entre outros objetivos, a criação de políticas e de legislação que levasse a uma percentagem mínima de 40% de representação feminina, nas diferentes esferas económicas, sociais e políticas, e programas concretos para promover a igualdade de género através de iniciativas, por exemplo, de casamento infantil e a gravidez adolescente. A campanha ‘Juntos contra a Gravidez e o Casamento Precoce’ foi uma das campanhas citadas pela ministra, na ONU, como ação para “prevenir atos de violência e práticas tradicionais que violam os direitos das mulheres e adolescentes”.

Mas em março deste ano os deputados angolanos avançaram com uma revisão do código penal para criminalizar totalmente o aborto, proibindo a sua realização mesmo em casos de violação ou por conselho médico e penalizando as interrupções com pena de prisão. A proposta foi aprovada em votação global, mas não chegou a ser levada a votação final.

A 18 do mesmo mês, um grupo de mulheres promoveu uma marcha de protesto, alertando para o número de gestantes que morrem diariamente ao realizarem abortos clandestinos.

“Nós pretendemos que este assunto não caia no esquecimento, para que esta lei, que penaliza o aborto, não seja aprovada de forma clandestina. Ou seja, queremos continuar a fazer mais barulho, queremos atingir mais pessoas, para que elas estejam atentas, para que não haja aprovação de uma lei que a maioria não aprova”, disse na altura à Lusa, Mónica Almeida, uma das organizadoras desta marcha, que juntou dezenas de mulheres em Luanda.

Com as eleições à porta e a contestação que esta revisão da lei gerou, o parlamento angolano voltou mesmo atrás na decisão de criminalizar totalmente a interrupção da gravidez e a 22 de junho repôs algumas exceções no código penal: se se comprovar que a vida da mãe está em perigo, por má formação do feto, em casos de violação e de relações de incesto. Os deputados comprometeram-se ainda a estudar uma “redução da moldura penal”, nas situações não abrangidas pelas exceções.