Femicídios em Portugal: “Persiste a negligência do Estado face à violência denunciada”

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[Fotografia: Pexels/Mart Production]

Maria José Magalhães, responsável do Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), afirma que “persiste a negligência do Estado face à violência denunciada e face às ameaças de morte”, já que em seis casos reportados já tinha sido feita uma queixa, assinalando ainda que nalguns distritos “continua a dar-se pouca importância a esta violência”.

Uma análise que chega no dia em que o OMA revelou o relatório anual no qual contabiliza as mulheres assassinadas em Portugal: em 2023 já são 25, das quais 15 femicídios. “Em 2023, entre 01 de janeiro e 15 de novembro, foram assassinadas 25 mulheres. Destas 25 mulheres, em 15 temos notícia e informação suficiente para classificar estes assassinatos como femicídios. Quinze mulheres foram assassinadas num contexto de relação de intimidade, atual ou prévia, e este foi o motivo pelo qual o crime aconteceu”, disse esta quarta-feira, 22 de novembro, Cátia Pontedeira, uma das autoras de uma infografia do OMA, que revela também que em 2/3 das mortes ficaram menores órfãos.

O documento foi apresentado na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), tendo Cátia Pontedeira explicado também que nalguns casos existia violência anterior aos femicídios, homicídios em que existe violência de género, que ocorre por existir “um diferencial de poder entre homens e mulheres” herdado “da sociedade patriarcal”, considerou Carolina Magalhães Dias.

“Podem ser mais as mortes por motivos de violência de género e nós não termos essa informação a partir das notícias”, a fonte de informação para elaboração da infografia, ressalvou Cátia Pontedeira.

Nos femicídios registados, todos cometidos por homens e parceiros íntimos (atuais ou passados) das mulheres assassinadas, “em pelo menos 12 existia violência prévia”, dos quais em 11 havia conhecimento por terceiras pessoas (família, amigos, colegas ou autoridades).

Frederica Armada, outra das autoras, apontou que em Portugal ainda persiste, a nível cultural, “a noção de que ‘cão que ladra não morde'”, com a desvalorização de ameaças pelo agressor com desculpas como “estar alcoolizado” ou ter “um dia mau”.

Houve ainda críticas a algumas sentenças judiciais “inenarráveis”, realçou Cátia Pontedeira, dizendo que em muitos casos apenas é julgado um homicídio, ignorando-se “anos de violência que não são reconhecidos como um crime extra” e as circunstâncias do crime, muitas vezes macabras, com recurso a várias armas.

“Não é apenas um homicídio que acontece por mero acaso, como muitas vezes é descrito. A maior parte destes homicídios, destes femicídios, são atos consumados com toda a intencionalidade, que ninguém os trava, muitas vezes premeditados”, e não algo “que aconteceu porque os ofensores estavam ‘cegos de ciúmes'”.

Para Maria José Magalhães, “é preciso travar os agressores e mudar o paradigma”, considerando “necessário investir na prevenção” e na educação “dos meninos e dos rapazes”, já que “a sociedade socializa os rapazes para o ‘eu imperial’ e para o uso da violência”.

Também Nuno Gradim, da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), defendeu a “desconstrução de determinados tipos de estereótipos, de alguma masculinidade tóxica que analisa as relações nas intimidades como relações de controlo e poder”.

Esse poder “está relacionado com formas miméticas de uma sociedade patriarcal, em que muitas vezes a própria família reitera e replica essas relações”, alertou.

O observatório da UMAR contabilizou ainda 10 assassinatos extra femicídio: quatro em contexto familiar, dois em contexto de crime, um por discussão pontual e três em contexto omisso.

Foram ainda registadas 38 tentativas de homicídio a mulheres, das quais 25 de femicídio.

No final do ano será produzido um relatório com os dados completos de 2023. Em 2022, até 15 de novembro, houve 28 assassinatos de mulheres, dos quais 22 femicídios.

LUSA