Judite Sousa: “Vivo há muitos anos com os meus silêncios e ainda hoje tenho medo deles”

Judite Sousa destaque Fb
DR

“Quando passamos por experiências traumáticas muito dolorosas, as doenças que normalmente lhes estão associadas empurram-nos para o isolamento e para o silêncio. Uma pessoa que está em sofrimento psicológico não quer falar com ninguém. Isso aconteceu comigo durante muito tempo”, revela a jornalista numa das muitas passagens que aborda no livro que acaba de lançar: Pedaços de Vida, da editora Arena [15.45€], chancela da Penguin Random House Grupo, e que chega esta semana às livrarias.

Uma obra onde a pivô e rosto da informação portuguesa Judite Sousa olha e perspetiva o seu passado, a sua dor maior – a morte súbita do filho André, revelando ao detalhe todos os minutos desses dias trágicos -, e a incompreensão da classe jornalística, motivo que também a levou a sair da antena. “Foram desencadeadas contra mim campanhas de ódio nas redes sociais por razões que a razão desconhece, em que, de igual modo, a imagem do meu filho foi muito maltratada. Fizeram-se todo o tipo de insinuações sobre os seus comportamentos e hábitos. Um humorista chegou a dizer que eu não podia ler notícias de afogamentos, porque o meu filho tinha morrido afogado. Duas semanas após a morte do André, uma revista fez uma capa cujo título foi: ‘A vida boémia do filho de Judite’.”

Capa do mais recente livro de Judite Suosa [Fotografia: DR]
Um livro que, ao longo de mais de 200 páginas e 26 capítulos, olha para a atualidade, aponta críticas sem dizer nomes e explica a razão da saída dos media – da CNN Portugal – em agosto de 2022. “Enquanto estava no ar uma reportagem, ele disse-me: ‘A senhora não me conhece, mas eu era o diretor clínico do Hospital Garcia de Horta, quando o seu filho esteve lá. E fui eu que assinei o comunicado para a imprensa, dizendo que o seu filho estava em morte cerebral. Tive de o fazer, porque mais nenhum outro médico queria assinar o comunicado. E fi-lo por muita insistência dos seus colegas jornalistas.’ E deu-me um nome. Não o vou revelar”, escreve Judite Sousa

Autoestima e a resistência num “ambiente crescentemente hostil”

Judite Sousa sublinha, neste novo livro, os perigos das redes sociais, a condição de se ser mulher, mas também a depressão, a autoestima, a luta contra os medos e a profunda solidão que tem vindo a experienciar.

“Numa situação de doença, o silêncio pode tornar-se penoso porque ficamos mais entregues a nós próprios e aos nossos pensamentos de dor, de culpa, de arrependimento. Um silêncio agravado pode levar ao suicídio. É, por isso, que os médicos dizem às pessoas que estão em estados depressivos para não se isolarem, para saírem, para tentarem conviver, na medida do possível. O problema é que, quando se está realmente muito doente, não há capacidade de escuta. Confesso que vivo há muitos anos com os meus silêncios e ainda hoje tenho medo deles”, descreve Judite Sousa.

 

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“Procurei, ao longo da vida, compensar os meus problemas de autoestima, bem profundos, na minha vida profissional. No trabalho, encontrei um nível de satisfação pessoal que compensava os problemas que vinham do passado”, descreve a jornalista, que prossegue: “Com a morte do André, e incapaz de saber viver com o luto patológico, esses problemas tornaram-se ainda mais profundos.” Ao sentir que as minhas resistências tinham acabado, e com um ambiente crescentemente hostil à minha volta, entrei num processo de desistência lenta de mim própria. Bater no fundo em termos de autoestima é convencermo-nos de que ninguém gosta de nós. E quando essa convicção se forma, então o passo seguinte é também nós deixarmos de gostar de nós próprios. Sentimos repulsa por aquilo que somos. Pensamos: se eu não gosto de mim e se ninguém gosta de mim, então eu não valho nada. E se assim é, então o que é que eu estou aqui a fazer? Desistir é o caminho óbvio. Afigura-se como a única saída. Na realidade, a pessoa que assim pensa está doente. Com maior ou menor gravidade, mas está doente.”

Em Pedaços de Vida, Judite Sousa fala de quem a apoiou, o retiro espiritual para pais enlutados, das críticas vorazes de que foi alvo na cobertura dos incêndios em Pedrógão Grande, em 2017, e do regresso ao trabalho após a perda do filho, em setembro de 2014, e numa entrevista com Cristiano Ronaldo, em La Finca, Espanha. Um momento do seu percurso profissional critica médicos e colegas, que não souberam dar a mão, aconselhar e ser empáticos com tamanha fragilidade.

“Neste livro, há muita informação sobre a minha história de vida. Alguns irão dizer que se trata de um livro de memórias. Poderão entendê-lo como tal. Para mim, é somente um livro sobre pedaços da minha vida pessoal e profissional e… sobre a Vida, tal como eu a entendo, tal como eu a vivi até hoje. É igualmente um livro que reflete o que penso sobre as várias dimensões da nossa existência em sociedade, nomeadamente à luz das novas realidades comunicacionais e do impacto das redes sociais nas nossas vidas”, esclarece na nota inicial da obra que irá apresentar esta sexta-feira, 20 de janeiro, já no programa da tarde da SIC Júlia.