Maynara Fanucci: “tentei falar de feminismo de uma forma aplicável e não maçadora”

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Maynara Fanucci tem 28 anos, vive no Brasil e começou não só a interessar-se por feminismo como também sentiu a necessidade de fazer com que outras mulheres o entendam. Começou por criar uma página de Facebook, que mais tarde surgiu também no Instagram, que têm o nome de “Empodere duas mulheres”, onde a partilha de histórias e vivências era – e é – fundamental.

O movimento “Empodere Duas Mulheres”, que conta nas redes sociais com quase um milhão de seguidores, incentiva as mulheres a interromper comportamentos autodestrutivos e a “perdoarem-se a si mesmas”, tal como afirmou a autora em entrevista ao Delas.pt.

Livro: “Empodere-se”

O livro “Empodere-se! 100 desafios para as mulheres reconhecerem a sua própria força” [Oficina do Livro, €13.50] fala de desapego, perdão, carinho e coragem. E se está na dúvida se a autora conseguiu cumprir todos os 100 desafios que escreveu, pode ler a resposta a essa questão na entrevista abaixo.

Certamente já afirmou alguma vez na vida que “esta segunda-feira vou começar a fazer dieta“. Mas, será que já pensou: “esta segunda-feira vou amar-me mais ou vou perdoar-me por tudo o que já fiz no passado“? Este é um dos pontos de partida de Maynara Fanucci, a jovem feminista que tem consciência de que “no papel” as leis visam a proteção da mulher na desigualdade de género mas que, “na prática”, essa não é a verdade.

A proposta deste livro é, então, a de desafiar as leitoras a conseguirem acordar, todos os dias, e desafiar-se a si mesmas a terem uma atitude diferente e, por consequência, a serem mais generosas consigo mesmas.

Leia abaixo a entrevista à feminista e radialista Maynara Fanucci.

Como surgiu a ideia de escrever este livro?

Tudo começou com a minha página ‘Empodere duas mulheres’, que começou no Facebook e está também no Instagram. Houve um período na minha vida, num momento em que eu já tinha várias pessoas a seguir-me, que eu precisei de parar um pouco e cuidar da minha saúde mental, dar um tempo a mim mesma. E as redes sociais têm essa urgência de as produtoras de conteúdo estarem sempre a publicar alguma coisa. E a verdade é que falar de feminismo é um tema muito importante e que eu gosto muito de falar, mas às vezes acabamos por lidar com relatos muito difíceis e histórias muito difíceis. Então tive um período onde eu não estava a publicar todos os dias, mas deparei-me com algo que acho que toda a gente se depara, que é: segunda-feira é sempre o dia de começar uma nova dieta [risos]. Reparei que nós, mulheres, todas as segundas-feiras queremos começar uma nova dieta ou uma rotina de exercícios, e eu lembro-me de pensar: ‘mas porque é que não podemos, em vez disso, fazer um desafio a questionar as coisas que estão a acontecer na nossa vida?’. Claro que é importante ser saudável e ter uma rotina de exercícios, se isso for algo que nos dá prazer e de que gostamos, mas, então e o resto? É que nós temos tanta coisa a acontecer, temos tantas coisas que precisam de ser faladas, que me veio à ideia escrever um desafio e fazer 100 dias de desafio.

E como é que esses desafios, publicados no Instagram, deram origem a um livro?

Lembro-me de pensar que não queria saber se segunda-feira era ‘dia de nova dieta’. Não era dia de começar dieta nenhuma, mas sim de começar o desafio da ‘Empodere’, onde vamos falar sobre assuntos importantes. E desafiei as pessoas a seguirem este desafio. E lembro-me também de que quando publiquei o primeiro desafio, não tinha mais nada planeado. Lembro-me de ter essa vontade de ir e fazer, sem pensar muito, porque às vezes nós pensamos muito em projetos que gostávamos de fazer, mas depois acabamos por colocar entraves. Então eu fui e publiquei, e como já estava publicado, tinha de seguir com a minha palavra. E eu queria mesmo propor às mulheres que elas pensassem um pouco mais em si mesmas. Ter este momento de pausa para tentar perceber o que se passa connosco e na nossa vida. Passado um tempo de este desafio ser lançado no Instagram, surgiu o convite de transformar estes desafios num livro.

O que é que as leitoras podem esperar deste livro?

A minha ideia, quando fiz o desafio, era que fosse de leitura fácil e de fácil absorção. Era poder falar de feminismo, mesmo sem falar de feminismo teórico. Por vezes falamos de feminismo e pensamos em coisas como diferenças de género, teorias feministas mais densas… eu queria antes falar de coisas com as quais nós nos deparamos todos os dias, mas contá-las quase como se fossem uma história. No livro e nos desafios trouxe muitas questões que são pessoais, outras que vieram com a experiência que eu tinha face a algumas conversas com mulheres que seguem a minha página. Quando eu publicava um novo desafio, as mulheres iam comentando que passavam pelo mesmo, ou que precisavam muito de fazer aquele exercício. Foi aí que percebi que a ideia do livro e do desafio em si, era poder trazer o que era o conceito de feminismo, mas de uma forma simples de ser aplicada no dia-a-dia. E essa era a minha maior preocupação: que as mulheres entendessem e que houvesse uma adesão ao movimento. Inclusive a minha avó conseguiu ler o livro e foi uma das primeiras pessoas a lê-lo. Quando tive o feedback dela a dizer que entendeu e que se identificou, e que foi uma leitura importante para ela, aí sim, eu entendi que este era o caminho certo.

Qual é, para si, o desafio mais exigente de todos?

Quando nós transformámos os desafios em livro, tivemos que mudar um bocado a ordem dos desafios, porque no livro nós tentámos contar mesmo uma história. Então, no livro, o desafio que não era o primeiro mas que passou a ser é o de ‘nos perdoarmos a nós mesmas’. Esse desafio é difícil, mas é muito importante. É o facto de nós conseguirmos dar um passo em frente para nos olharmos de outra forma e percebermos que há coisas que existem no nosso passado que até poderíamos fazer diferentes hoje, com as ferramentas e conhecimentos que temos hoje em dia, mas que é importante perdoarmos o que fizemos ou não fizemos no passado. É importante entender que nós até podemos ter deixado de fazer algo no passado porque não sabíamos, não conhecíamos, não éramos experientes o suficiente e é importante que não nos culpemos por isso. É importante criar esta consciência e esse auto respeito, daí este ter-se tornado no primeiro desafio, porque é bastante difícil. Para mim, esta questão de nos tratarmos a nós mesmas com mais respeito é mesmo muito importante.

A política do Brasil incentiva a que as mulheres se ‘empoderem’?

Acho que, se formos falar de política, sabemos que no Brasil estamos a viver um momento muito complicado. Quando falamos de feminismo e de políticas que tentam melhorar a vida da mulher para que não tenhamos tanta diferença de género, a política no papel até está lá, porque na Constituição diz que somos todos iguais perante a lei, mas nós sabemos que nem sempre é assim. Temos questões ainda hoje visíveis de, por exemplo, não sermos promovidas porque somos mulheres ou casos de alguma empresa que não nos contrata porque somos mães e não nos vamos dedicar tanto ao trabalho porque há uma criança para cuidar. Portanto, eu acho que nós ainda vivemos isto de uma forma muito mascarada: no papel está, na prática não.

E qual será a maior lição que as mulheres podem retirar desta leitura?

Eu acho que são muitas, mas talvez, e principalmente, espero que consiga fazer com que as mulheres se sintam mulheres na sociedade. Como já disse, eu tentei falar de feminismo de uma forma aplicável e não maçadora, e que sirva para todas as mulheres. Muitas vezes não nos é possível falar de feminismo com outras pessoas porque ainda existem muitas mulheres que não sabem as diferenças, ou que nunca pararam para pensar na desigualdade de género ou, ainda, têm um conceito errado de feminismo. Há mulheres que dizem e defendem que as mulheres têm de ter os mesmos direitos do que os homens, mas depois dizem que não são feministas. E nestas alturas nós temos de explicar que feminismo é isso mesmo: igualdade de géneros. E, claro, depois vêm os conceitos errados, que dizem que as feministas são as mulheres que não se depilam, são as mulheres que não gostam de maquilhagem ou que são mais masculinas… e isso não é verdade, então nós acabamos por ter de falar o básico para quebrar estereótipos. A ideia deste livro é que ele tenha uma abrangência muito grande e que várias mulheres possam ver e perceber que situações destas podem acontecer a qualquer uma. E o objetivo é também o de poder partilhar o livro com outras mulheres, daí o nome da própria página “Empodere duas mulheres”, que é sobre a partilha.

A Maynara já conseguiu cumprir todos os desafios?

Isso é muito curioso, porque uma amiga minha leu o livro, e ela é uma amiga pessoal que sabe muitos problemas e dilemas meus, e eu os delas, e ela estava a falar comigo sobre uma parte do livro em que eu digo para ter calma e paciência, mas a verdade é que, às vezes, nem eu própria tenho essa calma e paciência. Quando assinei o livro dela, eu escrevi: “Olá, esses são os desafios que nem sempre eu consigo aplicar, mas que também fazem parte de mim, porque quando eu escrevi, eles faziam parte de algo que eu estava a tentar desafiar”. Um dia eu até perguntei [no Instagram] que coisas é que as pessoas supõem sobre mim e tive vários comentários a afirmar que eu era, de certeza, a mulher mais empoderada do mundo. E eu respondi que não, que eu estou aqui precisamente porque acho que nós devemos continuar a falar sobre estes assuntos. E é importante entender que todas nós temos vulnerabilidade, temos assuntos mais delicados que outros, e estes desafios são algo que eu também pratico. Não é que eu seja a guru de todos os desafios, porque não sou.

Falando um pouco sobre o feedback deste projeto. Há muitas mensagens, histórias chocantes, a conversa com outras mulheres ajudou a construir o livro? Como tem sido esta ligação com as seguidoras e leitoras? Existem homens também a tentar dialogar?

As mensagens que eu recebo de homens são normalmente homens que acabam por encontrar a página e se apercebem que, se calhar, faziam algumas coisas que não eram assim tão boas quanto pensavam. Alguns têm a coragem de se virem pronunciar e de dizer que faziam algo mal, mas que agora veem o quão errado, machista ou preconceituoso poderia ser. De mulheres, eu sinto que as redes sociais abrem este espaço para poder partilhar, mesmo que de forma mais anónima, porque não é ao vivo. Há mulheres com histórias muito fortes que nunca tiveram coragem de as contar e aqui encontram um espaço onde o podem fazer. Às vezes é difícil aconselhar uma pessoa e eu tento sempre ver se há forma de a pessoa encontrar algum terapeuta ou alguém que possa ajudar de forma mais saudável. Acho que as redes sociais ajudaram as mulheres a ter mais voz e a sentirem que podem falar mais sobre alguns temas. Muitas vezes recebo depoimentos de pessoas que não estão a pedir ajuda, estão apenas a desabafar e a contar alguma história. E as vezes só procuram mesmo ouvir que a culpa não foi delas ou que não estavam erradas.

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