O que é ser não-binário? “Comentadores e apresentadoras devem transmitir conceitos de forma clara”

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Jacques Costa tem 23 anos, é de Loures, licenciada em Relações Internacionais e identifica-se como pessoa não-binária. A concorrente entrou na nova edição do 'Big Brother,' da TVI [Fotografia: Divulgação/TVI]

Jacques Costa tem 23 anos, é de Loures, licenciada em Relações Internacionais e identifica-se como pessoa não-binária. A concorrente, que pediu a Cláudio Ramos para ser tratada por ela, foi selecionada como uma das participantes no reality show da TVI Big Brother na noite de domingo, 24 de março, mas só na terça, 26, é que entrou formalmente na casa, conhecendo os restantes concorrentes. Neste interim, Jacques Costa esteve recolhida a analisar os outros elementos do reality show da TVI conduzido por Cláudio Ramos.

Depois do desconhecimento geral do que é a não-binariedade, após a apresentadora e diretora da estação Cristina Ferreira ter afirmado, na manhã seguinte no formato Dois às 10, que iria continuar a tratar Jacques por ‘ele’ – e não põe ‘ela’ como a concorrente pediu – por lhe dar mais jeito e depois do comentador Zé Lopes ter apontado incongruência à participante por querer ser ‘ela’ sendo não-binária, é tempo de desfazer equívocos antes que se alastrem.

“Uma pessoa não-binária, por definição, não se identifica exclusivamente como homem nem exclusivamente como mulher. Pode identificar-se parcialmente como homem ou mulher ou pode não se identificar com nenhum género do binário (ou identificar-se com ambos). Uma pessoa que se assume como não-binária (independentemente do espectro em que se encontra) não tem que obrigatoriamente optar por usar um pronome neutro, esta é uma decisão pessoal e que, acima de tudo, deve ser respeitada.” A resposta chega de Daniela Filipe Bento, membro da direção da Associação ILGA Portugal.

E se Jacques Costa crê que “a sua presença no Big Brother pode ajudar a mudar mentalidades”, a entidade que pugna pelos direitos LGBTI também espera o mesmo. “Num programa que chega a cerca de um milhão de pessoas, uma participação no Big Brother de uma pessoa não-binária pode significar um primeiro contacto com uma realidade que tem vindo a demonstrar-se cada vez mais visível. Quer pela sua pertinência política, como social, a visibilidade positiva de pessoas não-binárias, o formato pode contribuir para reforçar o empoderamento de outras pessoas que ainda vêem a sua própria identidade questionada e/ou que não têm espaço para exercer o direito à sua liberdade identitária. Pode, neste mesmo sentido, contribuir para a desconstrução de estereótipos relacionados com as diversas identidades de género, promovendo um real esclarecimento da população através da sua autonomia e agência política”, acrescenta a responsável.

“É importante evitar permitir discurso de ódio,
violência e/ou conteúdo desinformado”

Mas como fazer quando são tantos os equívocos demonstrados? “Desfazer preconceitos é uma tarefa árdua e é necessário um trabalho continuado e constante. Para informar o público em geral, pessoas comentadoras e pessoas apresentadoras devem transmitir conceitos de forma clara e diferenciar identidade de género, de expressão de género, de sexo e orientação sexual (que são muitas vezes confundidos entre si). É importante as próprias pessoas serem ouvidas nas suas diversas identidades e expressões, dando-lhes autonomia para falar da sua experiência de forma mais pessoal e/ou estrutural”, pede Daniela Filipe Bento em resposta por escrito à Delas.pt.

Lembra que “é importante evitar permitir discurso de ódio, violência e/ou conteúdo desinformado”. A responsável desaconselha a exibição e “a promoção de debates que não sejam catalisadores de conteúdo informado e concreto” e vinca que “não se deve nem instrumentalizar nem vitimizar esta pessoa pelo peso mediático que tem”. “Em matéria de esclarecimento, pode ser interessante através dos diversos diálogos, promover o conhecimento, sem forçar, desempoderar ou retirar agência para que a visibilidade conseguida por este momento, de certa forma mediático, seja positiva e que contribua para um real entendimento dos assuntos que estamos a tratar. As associações poderão participar através de sessões de esclarecimento, entrevistas ou abertura de caminhos de diálogo para a construção de realidades que muitas vezes podem estar distantes de quem não está no seu dia a dia em contacto com estas realidades”, alerta a responsável da ILGA Portugal.