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Testemunhos: Os pais estão a envelhecer e é preciso cuidar deles e de nós

Vida conjugal: “Nas situações de cuidados aos pais, a relação conjugal ressente-se. O cuidador sente-se sozinho e sem tempo para a vida de casal. O outro elemento sente-se posto de parte, sem voto na matéria e não gosta das mudanças no seu dia a dia. A única forma de combater esta situação é reservar tempo para o casal, tentando minimizar as mudanças e, sobretudo, as interferências", Catarina, psicoterapeuta.
Tempo para os filhos: “Quando os meus filhos estavam em plena adolescência, o meu pai adoeceu e, logo a seguir, a minha sogra enviuvou. Todos precisavam de nós. Eu e o meu marido tínhamos três agendas em paralelo: as nossas agendas, com os nossos compromissos profissionais e pessoais; a agenda para os miúdos, com testes, horários, atividades; e a agenda para os pais, com consultas, tratamentos, pagamentos a fazer. Era uma gestão ao minuto", Fernanda, 54 anos.
Culpa: “A culpa é um sentimento muito ligado à pressão para cuidar e, nesse sentido, está muito mais presente nas mulheres. Espera-se que as mulheres estejam sempre disponíveis para cuidar: das crianças, dos doentes, dos velhos, da casa e da família. Como se isso fosse uma função natural da mulher. Claro que sabemos que não é assim, mas o peso da pressão social e o medo do julgamento são muito fortes e levam as mulheres a procurar fazer tudo e a serem muito exigentes consigo próprias e com aquilo que fazem pelos outros. A culpa surge, claramente, por esta via, afeta a autoestima e leva a fortes sentimentos de insatisfação", Catarina, psicoterapeuta.
Rancor: “Após a morte da minha mãe, fiquei revoltada com o meu pai. Por um lado, aquele pai forte e protetor não evitara a morte dela. Por outro, não entendia o seu próprio enfraquecimento. Sentia-me traída pela sua vulnerabilidade. Racionalmente, eu sabia que era errado, mas não conseguia evitar. Com o tempo, fui vencendo estes sentimentos, mas não foi fácil. Perder essa imagem de pai-herói deixou-me como que órfã e muito só", Sílvia, 55 anos.
Repulsa física: “Há uns dias, quando acompanhei a minha mãe a uma consulta, ela teve um desarranjo intestinal e eu não soube como reagir. O cheiro era terrível. Ela usa fralda,mas não queria que eu a mudasse. Felizmente, foi depois da consulta e acabei por levá-la de imediato para o lar, mas foi tudo muito constrangedor para ambos", António, 63 anos.
Dor: “Há a dor que é normal e saudável, porque nos protege, e há a dor da depressão. Assistir à degradação dos nossos pais e antecipar a sua morte causa tristeza e sofrimento. Contudo, se esse sofrimento e essa tristeza tomam conta de nós, nos fazem perder o interesse pela vida, nos prejudicam o sono e as atividades normais, nos causam distúrbios alimentares, aí tornou-se patológico. Devemos procurar, urgentemente, ajuda especializada. Aqui a família próxima e os amigos são fundamentais, porque a própria pessoa tem dificuldade em distinguir tristeza de depressão", João, psicólogo.
Desgaste: “Já tinha visto amigas muito próximas a cuidarem dos pais de um modo obsessivo. E aconselhava-as a descontraírem e a relativizarem. Mas quando o meu pai ficou doente, eu fiquei igual: sempre exausta, preocupada, triste e a sentir-me impotente. Isso afetou a minha vida, inclusive acabou com a minha relação afetiva e deixou-me ainda mais infeliz. Eu não sabia lidar com a situação e todos os conselhos que dera às minhas amigas não faziam qualquer sentido para mim", Carmen, 55 anos.
Cuidar de si: “Eu sou cuidadora dos meus pais, mas costumo fazer dez dias de férias sem eles. Como sou filha única, recorro à ajuda de uma prima, em quem tenho toda a confiança e de quem os meus pais gostam muito. Vou para o estrangeiro, com umas amigas, descanso, divirto-me e recupero forças para o ano que se segue. Telefono apenas uma vez por dia, para saber como estão", Adélia, 55 anos.
Cuidar da sua saúde: “Os filhos que são cuidadores esquecem-se de cuidar de si próprios, e isto sucede numa altura em que o desgaste e os impactos, físicos e psicológicos, são muito fortes e perigosos. Eu aconselho sempre as famílias dos meus utentes a terem uma consulta médica de avaliação. E lembro-lhes que têm de ter saúde, porque os seus pais precisam muito deles", Filipa, gerontóloga e responsável por equipamento social para idosos.

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A sociedade portuguesa está cada vez mais envelhecida e a resposta vem, na esmagadora maioria, dos cuidadores informais, filhos ou outros parentes que tratam dos seus idosos, muitas vezes quando ainda têm a seu cargo menores e uma vida profissional ativa. Neste universo, são as mulheres quem assume mais esse papel, que tenderá a reforçar-se no futuro, caso a esperança média de vida continue a aumentar e a as relações de género, nesta matéria, não se equilibrem.

É sobre esta inevitabilidade que fica de fora da equação que a maioria das pessoas cria para o seu futuro que a socióloga Maria José da Silveira Núncio, com o contributo da enfermeira Carla Rocha, fala no livro ‘Os Meus Pais Estão a Envelhecer’, editado este mês, pela Ideias de Ler, chancela da Porto Editora.

Por vezes, o cuidado impõe-se como que de um dia para o outro, com uma doença que se revela grave ou crónica, mas na maior parte das situações, o processo é lento e gradual. Pode começar com dificuldades de locomoção, falhas de memória, confusão com questões burocráticas ou outros sinais que vão denunciando o inevitável envelhecimento de cada ser humano. Acompanhá-lo, seja qual for as circunstâncias é frequentemente um desafio, acarretando mais tarefas para conciliar e emoções contraditórias para gerir, entre a frustração do cansaço resultante da prestação dos cuidados e a confrontação da perda, mais ou menos próxima, de quem se ama. São os nossos pais que estão a envelhecer.

No meio de tudo isso, há que assegurar novas logísticas, tomar decisões complexas em relação ao futuro e não ignorar as próprias necessidades. Por isso, o livro alerta também para a necessidade de cuidar do cuidador e deixa alguns conselhos, que reproduzimos abaixo:

• Defina limites.
• Goze períodos de descanso.
• Conviva com amigos.
• Junte-se a grupos de suporte.
• Angarie ajudas.
• Alimente-se e durma bem.
• Faça exercício físico.
• Relaxe e abrande o ritmo.
• Vigie a saúde.

Em ‘Os Meus Pais Estão a Envelhecer’ encontramos, além de vários conselhos práticos para quem tem de cuidar dos seus progenitores, testemunhos reais que ajudam a compreender novas realidades e a partilhar inquietações. Reunimos alguns – de cuidadores, de psicólogos e de responsáveis de lares – que pode ler na galeria acima.

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