Quase três em cada dez portuguesas em idade fértil sem contraceção

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[Fotografia: Pexels/Shvets Production]

Mais de sete em cada dez portugueses em idade fértil (73,8%), dos 15 aos 49 anos, têm acesso a métodos de contraceção moderna. Portugal está, segundo o Atlas Global das Políticas de Contraceção, no primeiro quarto do ranking dos melhores países europeus com acesso e cobertura anticoncecional. Resultados que colocam o território acima da média europeia, que se situa nos 57% de mulheres que dispõe de anticoncecionais.

A taxa de prevalência da contraceção moderna é elevada em comparação com outros países europeus (51% de mulheres entre os 15 e os 49 anos). No geral, uma elevada percentagem da procura de contracetivos é satisfeita com métodos contracetivos modernos (79%)”, especifica o documento de 2023.

Porém, fazendo as contas, o mesmo estudo indica que mais de ¼ da população nacional está sem acesso a estas medidas de planeamento familiar. “Apesar de Portugal estar relativamente bem cotado nas políticas de contraceção, percebemos que elas não estão a chegar a todos os que precisam dela”, afirma a diretora executiva da associação P&D Factor. Alice Frade acrescenta e pergunta: “Quando não existe médico de família e centros de saúde para utentes, como é que as jovens e mulheres têm acesso à contraceção, à saúde sexual e reprodutiva?” Por isso, para a responsável da P&D Factor o caminho é claro. “Preocupa-nos e precisamos de saber quem são e onde estão estas pessoas que não têm acesso”, insiste.

Não ter médico não implica que não se use contraceção e não implica que não faça planeamento familiar”, vinca a presidente da Sociedade Portuguesa de Contraceção (SPC). Fátima Palma recorda que, “hoje em dia, há uma percentagem da população portuguesa que recorre à medicina privada familiar, ginecologia e obstetrícia para fazer as suas rotinas anuais, e essas acabam por fazer aí o aconselhamento contracetivo. Ou seja, temos esse número de mulheres que estão a ser acompanhadas, o que não significa que não façam contraceção”.

Hormonofobia”, uma nova atitude?

Confrontada com os mesmos dados do Atlas da Contraceção, que apontam para ¼ da população portuguesa sem acesso a métodos anticoncecionais (quase três em cada dez), a séxologa Vânia Beliz lembra que “há muitas mulheres que recusam a fazer a contraceção hormonal, preferem métodos naturais como o acompanhamento do ciclo, métodos de perceção de fertilidade” e muitas vezes por via das fases da vida em que se encontram. A especialista admite também a existência de uma eventual “hormonofobia”, com “cada vez mais mulheres a não querem fazer” anticoncecionais.

A presidente da SPC também aborda esta atitude ‘anti-hormonal’ perante os métodos contracetivos e nota-a em crescimento, em particular entre os mais jovens. “Trabalho com adolescentes e noto que a nova geração, a Z [nascidos pós-1995 e já ‘nativos digitais’] tem características especiais. Se formos avaliar os resultados de questionários, penso que se identifica alguma hormonofobia”, afirma. E detalha: “As mulheres jovens, além da ideia do que é sustentável, biológico, natural, acham muito importante não terem nada extra no seu organismo. Não ingerir hormonas é uma preocupação, mas se isso se traduz no método escolhido, não sabemos disso.” Certo é que apesar da diversidade dos métodos, a pílula é recorrentemente o contracetivo mais prescrito, como apontou um estudo da SPC de 2021 e já antes, o de 2015 e de 2005.

Europa a duas velocidades

O Atlas Global das Políticas de Contraceção de 2023 mostrou uma Europa que vive duas realidades distintas em matéria de contraceção. “Há uma polarização entre o Este e o Oeste”, apontou o diretor executivo do Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos (EPF, no acrónimo original).

Neil Datta afirma que os países do “oeste do continente estão a melhorar, mas no outro lado do continente, infelizmente, os países não estão a progredir do vermelho escuro, vermelho ou laranja”, afirmou em fevereiro, aquando da apresentação do documento, que revelou oito países no limite mais baixo de cobertura, ainda assim menos quatro que em 2022.

E se o ranking do acesso à contraceção em idade fértil é liderado pelo Reino Unido (96,9%), França (93,2%), Bélgica (91,1%), Luxemburgo (85,2%) e Suécia (82,9%), o outro lado da tabela é bem diferente. Os países que dispõem de menor acesso, a menos de metade das pessoas em idade fértil, são a Polónia (33,5%), a Bósnia-Herzegovina (39%), a Hungria (40%), o Chipre (42,1%) e a Turquia (42,2%).