Sim à eutanásia mesmo tendo amor?

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‘Viver depois de ti’ (Me before you) estreia amanhã nas salas de cinema portuguesas. O filme é baseado no livro best-seller homónimo da autoria de Jojo Moyes (2012. Louisa, personagem interpretada por Emilia Clarke, apaixona-se por Will (Sam Claflin), que dois anos antes de a conhecer ficara tetraplégico na consequência de um atropelamento.

Apesar do amor, Will está decidido em por fim à vida. O filme está envolto numa polémica acesa, porque recorre a um ator não deficiente para interpretar a personagem, mas sobretudo porque mostra a eutanásia como opção apesar de existir um motivo soberano – o Amor – que surge como um sopro de vida. Mas será suficiente? É o amor capaz de ultrapassar tudo ou haverá circunstâncias maiores que ele?

“Só a força de vontade pode ultrapassar tudo. No filme, Will quer por fim à vida; só ele sabe se está a sofrer ou não. Eu sou a favor da eutanásia, ninguém devia ser obrigado a viver uma vida que não quer”, defende Nuno Carvalho Mata, ex-forcado que aos 26 anos ficou tetraplégico, depois de uma pega no Campo Pequeno. “Na altura do acidente, estava no auge da minha forma física, apaixonado pelo desporto. Gostava muito de festas, tinha muitos amigos e era forcado há 10 anos.”

Para Nuno, a vida em cadeira de rodas e as dificuldades inerentes não são ficção. São reais. Se pensou em desistir? “Claro! Há momentos terríveis. Passei por momentos muito complicados, internado, ligado a máquinas de suporte de vida; foi uma luta bastante dura, mas foi aí que aprendi que há sempre alguém pior do que nós. Ainda hoje, às vezes, desistir passa-me pela cabeça. Quem nunca pensou nisso?! Até por batalhas mais pequenas… Felizmente tenho quase sempre dias bons, sou estupidamente feliz.”

Ao contrário de Will, dono de uma fortuna que lhe permite comprar algum conforto, Nuno teve de contar com a ajuda de amigos “e das pessoas do mundo dos touros: se não fosse esse apoio provavelmente estaria num lar.” E acrescenta: “o Estado Português tinha de ganhar vergonha e aumentar as pensões, que rodam os €260. Quem é que vive com €260 por mês?” No filme, a personagem não tem de lidar com esta versão da realidade.

Nesta versão da realidade, “as principais dificuldades são as barreiras arquitetónicas, a falta de recursos financeiros e o preconceito.” O acidente aconteceu há 4 anos. Hoje com 30, Nuno gere, a partir de casa, a marca de roupa Warrior Mata Clothing de que é fundador. Sim, hoje Nuno precisa de “ajuda para tudo”, como reconhece, mas não lhe falta vontade e ambição.

O relacionamento amoroso entre uma pessoa com deficiência e alguém sem deficiência é outro dos temas de ‘Viver depois de ti’. Filomena Mourinho, 43 anos, professora de inglês do ensino básico e secundário, nasceu com acondroplasia (nanismo). O marido, com quem casou há dois anos, não é portador de deficiência. O primeiro capítulo da história de Filomena e de Nuno Mourinho foi ‘escrita’ há uma década e é pontuada por desafios que, juntos, têm vindo a superar.

“Há o lado dos comentários que a pessoa sem deficiência tem de ouvir por parte de quem tem sempre algo a dizer. Mesmo os amigos chegam a dizer piadas sobre a relação. Depois há o lado pessoal, em que a pessoa sem deficiência tem de lidar muito bem com a deficiência do seu companheiro, dentro de si e do seu coração. Eu acho que é preciso coragem, mas é isso mesmo que torna a vida tão fantástica! Há sempre os olhares, o comentário “será que não conseguiu arranjar ninguém normal?”; mas também há o outro lado, o do apoio dos amigos, da aceitação de quem tu és, como és e pronto.”

Sobre se o amor tudo supera, Filomena é categórica: “O amor é uma força incrível, que pode construir e destruir vidas. No meu caso, tenho a felicidade de ser o primeiro caso. O amor na minha vida veio ajudar-me a ultrapassar muitos desafios. Desisti de chamar problemas às coisas menos boas, porque acredito que são desafios que nos podem fazer crescer como pessoas. Há casos em que, obviamente, o amor não chega, mas na maior parte dos casos que conheço, o amor, seja de um companheiro, de amigos, ou da família, é uma força que impele a viver. Muitas vezes é necessário um trabalho profundo de promover o auto-amor para que seja possível chegar a outras fontes de amor, pois se eu não me amo, não consigo deixar que o outro me ame. Pode parecer conversa de livros de auto-ajuda, mas é verdade: quando comecei a amar-me, o amor começou a fluir mais na minha vida”.

Filomena não ficou deficiente depois de um acidente, mas também ela identifica um antes e um depois na sua vida. “O antes e o depois de perceber que era diferente, e o antes e depois de aprender a aceitar-me. Em criança, comecei a ver que algo em mim era diferente das outras crianças porque algumas pessoas me apontavam o dedo e riam-se de mim. À medida que o tempo ia passando, fui percebendo porquê e que, ao contrário de outras deficiências, a minha provocava o riso nos outros. Este foi o meu primeiro antes e depois. O segundo foi mais importante, veio bem mais tarde, perto dos 30, quando finalmente me aceitei e amei incondicionalmente exatamente como sou. Foi um trabalho longo e por vezes duro, pois a cada esquina havia alguém que me vinha lembrar, através do gozo e do desrespeito, que eu não era ‘normal’. Ainda é difícil? Há dias em que sim, mas felizmente são mais os dias em que é perfeitamente feliz ser eu.”

Ao contrário de Will, Filomena Mourinho e Nuno Mata Carvalho querem viver. Muito. Com amor. Com tudo.