Madre Teresa de Calcutá será, a partir de hoje, Santa Teresa de Calcutá. Às 9h30 começam, na Praça de São Pedro, no Vaticano, as cerimónias da canonização da beata madre Teresa de Calcutá, fundadora da Ordem das Missionárias da Caridade.
A canonização foi decretada pelo papa Francisco a 15 de março, depois de ter sido reconhecido o segundo milagre: a “cura extraordinária”, em 2008, de um engenheiro brasileiro com múltiplos tumores no cérebro. A história deste milagre deu origem ao livro “O Milagre de Teresa” (editado em Portugal, pela Planeta) da autoria do padre brasileiro João Carlos Almeida.
Em declarações ao Delas, o sacerdote explica que este milagre, que aconteceu “a menos de duas horas” da localidade onde reside e lhe despertou a curiosidade de investigador e teólogo, é “claríssimo”, do ponto de vista católico. Isto é, um milagre “sem muita necessidade de explicações, porque a ciência não explica e igreja não complica”.
No dia 9 de dezembro de 2008, um doente com vários tumores no cérebro, que não respondia aos tratamentos e se encontrava em coma, estava, numa tentativa final, a ser preparado para ser operado. “Enquanto isso, a sua esposa, a paróquia, o padre rezavam para a Madre Teresa, pedindo a sua intervenção”, conta o padre João. O homem acordou e a cirurgia acabou por não se realizar.
Faltava documentar o milagre que estava a acontecer e também, diz o padre, o processo é “muito claro”. “Uma tomografia computorizada, que foi feita antes da entrada na pretendida cirurgia, e outra tomografia, 72 horas depois de o doente ter acordado e de a cirurgia não ter acontecido. E o resultado é que o doente ficou completamente curado e ainda teve dois filhos, e já lá vão oito anos. Ele permanece bem e está agora em Roma para participar na canonização de Santa Teresa de Calcutá.”
O passo seguinte foi o da confirmação, por parte da igreja, na pessoa do papa Francisco, que reconhece que “ali houve uma ação direta de Deus, por intermédio de Madre Teresa de Calcutá”, explica o padre João.
A aprovação pelo papa deste milagre encerra o processo que levou à beatificação da freira, em 2003, durante o pontificado de João Paulo II, e que agora culmina com a canonização. Este significa o reconhecimento oficial, pela Igreja, de que a pessoa está no paraíso, mas só acontece quando ela, depois da sua morte, esteja na origem de dois milagres – um para a beatificação e o segundo para a canonização -, e que são interpretados como sinais da proximidade com Deus.
Uma “santa única”
O padre João, de 52 anos, não chegou a conhecer pessoalmente a madre, mas foi acompanhando, à distância, as suas viagens e o seu trabalho ao serviço dos outros.
Para o sacerdote, o processo de canonização decorreu em pouco tempo. “Todas as [santas] Teresas demoraram muito mais para serem canonizadas do que Teresa de Calcutá. Dentro da tradição da Igreja Católica, que estuda as virtudes heroicas de uma pessoa e depois estuda o primeiro milagre para a beatificação e o segundo para a canonização, 20 anos é uma canonização muito rápida”, defende.
Já as Missionárias da Caridade consideram que a religiosa indiana já era santa desde o dia em que morreu, a 05 de setembro de 1997.
De aspeto frágil, e usando um sari branco com três riscas azuis, como hábito, madre Teresa tornou-se num símbolo da ajuda aos “mais pobres dos pobres”, aos quais dedicou a vida. O seu compromisso incansável foi distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 1979. E esta distinção é um dos motivos que a torna uma “santa única”, segundo o padre brasileiro. “É a primeira pessoa que recebeu uma espécie de canonização civil, pelo Prémio Nobel da Paz, e a única personalidade que recebe este prémio e recebe a distinção da Igreja, o reconhecimento de que está no Céu, pela canonização.”
Além disso, ela também é importante pelo exemplo de vida. “É uma santa da Misericórdia. Madre Teresa de Calcutá é um reflexo do colo de Deus para a Terra, para os cidadãos que precisam do olhar providente e misericordioso de Deus, de um socorro. É a santa dos pobres, a santa das sarjetas, o modelo da solidariedade. É também a santa da pressa. Ela sempre dizia que ‘quem tem fome tem pressa’. Por isso rezava duas horas de manhã e depois passava o dia apressada, socorrendo os pobres”, lembra o padre.
O chamamento dos pobres
Nascida a 26 de agosto de 1910 numa família albanesa em Skopje (Macedónia), com o nome Agnes Gonxha Bojaxhiu, entrou aos 18 anos na ordem das irmãs de Nossa Senhora do Loreto em Dublin (Irlanda). Aí tomou o nome de Teresa, em homenagem a Santa Teresa de Lisieux.
Já em Calcutá ensinou durante alguns anos numa escola para raparigas de famílias abastadas, antes de receber “o apelo no apelo”, uma vocação para servir Deus através dos mais pobres.
“A partir daquele dia de 10 de setembro de 1946 a vida dela mudou. Foi obedecer a voz de Cristo, que dizia “tenho sede” nos pobres que morriam nas ruas de Calcutá e que ela socorria, para ao menos dar-lhes uma morte digna”, refere o padre João.
No início de 1948, instalou-se então num bairro de lata de Calcutá para tratar e ensinar. Com antigas alunas, que se juntaram nessa missão, criou as Missionárias da Caridade.
Em 1952, Teresa de Calcutá conseguiu, junto das autoridades da cidade, um velho edifício para receber doentes terminais que os hospitais já não queriam cuidar. Mais tarde, abriu um orfanato, Sishu Bhavan, e depois uma leprosaria, em Shantinagar. Atualmente, cerca de cinco mil Missionárias da Caridade estão presentes em todo o mundo, sempre com o mesmo modo de vida austero. “Esta é uma santa da estatura de São Francisco de Assis”, sublinha o padre.
Apesar disso, houve também quem a criticasse. Alguns acusaram-na de se ter mostrado pouco preocupada em relação à origem das dádivas recebidas e de ser intransigentemente contra a contraceção e o aborto, respeitando a linha da Igreja, mas ignorando a miséria das famílias.
Teresa morreu na casa-mãe da congregação, em Calcutá, em 1997, com 87 anos. O túmulo encontra-se no local.
Prova de fé
O processo canónico que levou à sua beatificação mostrou, através de excertos da correspondência pessoal, o sofrimento relativamente à fé durante a maior parte da sua vida e que a levou, por vezes, a duvidar da existência de Deus.
O padre João, que reuniu algumas dessas passagens no seu livro, explica que Teresa de Calcutá “vivia em permanente prova na fé”. “Ela chega a dizer, ‘não há Deus em mim’. E dizia, ‘vivo na penumbra total, rezo e não sinto que agrado a Deus’”, ilustra.
Teresa de Calcutá não foi a única santa a sentir isso, mas, refere o sacerdote da Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, viveu-o “até ao último dia da sua vida terrena”.
“Talvez de todos os bastidores do milagre, esse seja o maior: uma mulher que não tinha nenhum tipo de retribuição, nem mesmo de Deus, permaneceu fiel ao amor. É a santa do amor puro e gratuito”, conclui.
Imagem de destaque: REUTERS/Savita Kirloskar