Chama-se Bruno Alexandre Silva, mas adotou Virgul como nome artístico há mais de 20 anos, quando passou a fazer parte da banda de hip hop Da Weasel. Em 2010, a banda chegou ao fim e, durante os anos seguintes, o cantor esteve prestes a desistir da carreira na música.

Links_AcessorioEm 2017, regressou com um álbum a solo, ‘Saber Aceitar‘. Longe da sonoridade interventiva dos Da Weasel, este trabalho traz-nos 11 músicas com um ritmo dançante que, segundo nos revelou o cantor, traduz na perfeição o estado de espírito com que Virgul encara a vida: festa e alegria (na galeria de imagens abaixo pode ver a sessão fotográfica que o cantor fez para o Delas.pt).

Esta quinta-feira o cantor lança o videoclipe de mais um single, ‘Nina’, e fala-nos do assédio das fãs, dos desafios de fazer música a solo e das dificuldades que teve de enfrentar quando os Da Weasel chegaram ao fim.

Virgul, este é o seu primeiro álbum a solo, sete anos depois de os Da Weasel se terem separado. Como define este ‘Saber Aceitar’?

É um álbum muito pessoal, energético, à minha maneira. Quis que espelhasse a energia que tenho, não só nos concertos mas também na vida. Estou muito feliz com o resultado, retrata muita coisa pessoal, experiências, vivências e relações. Não só relações amorosas, mas também a relação que tenho com a música.

Porquê o nome ‘Saber Aceitar’?

Tem vários significados, mas o mais importante foi o facto de ter aprendido a saber aceitar-me e de perceber que conseguia fazer música sozinho. Atingi um bom e enorme sucesso com os Da Weasel e isso deixou-me com algum receio de falhar, de não conseguir. Tive de ultrapassar esse medo e saber aceitar que a música faz parte de mim, independentemente de ser bem-sucedido ou não. Tenho de fazer a música com naturalidade. O facto de aprender a aceitar-me também passa para os fãs, para que eles simpatizem com a minha música. Os fãs dos Da Weasel começam, finalmente, a aceitar-me. Houve uma fase nos Nu Soul Family [banda que nasceu em 2009 composta por Virgul, Dino, B@ssman e Dj Alan Gul] em que fui muito criticado, e dou importância a quem me ouve. Costumo filtrar as críticas e aproveitar as construtivas para melhorar. O nome deste álbum vem nesse sentido, de me saber aceitar a mim próprio e de sabermos, de uma forma geral, aceitar as diferenças uns dos outros.

Mas a sua relação com a música nem sempre foi fácil…

Houve uma altura em que pensei em desistir, mas hoje sei que a música é uma grande paixão, que me faz bem e me mantém com um espírito super-positivo e boa energia. Não posso mesmo abdicar dela.

Antes de lançar este álbum lançou três singles: ‘I Need This Girl’, ‘Só Eu Sei’ e ‘Rainha’. A boa aceitação que estas músicas têm tido, principalmente entre o público feminino, dão-lhe confiança?

Claro. Apesar de ter ultrapassado o medo de fazer música sozinho tinha curiosidade em saber como as pessoas iam aceitar, como as coisas iam correr. Felizmente, têm corrido muito bem e estou feliz por isso. Já passaram quase dois anos desde que lancei o primeiro single e tudo está a correr super-bem.

Já passaram também mais de 20 anos desde que começou a sua aventura na música. O que mais mudou na indústria?

De uma forma geral está tudo muito mais rápido. O facto de termos fácil acesso a quase tudo obriga-nos a ser mais rápidos a consumir e comunicar. Temos de trabalhar mais a forma como captamos a atenção das pessoas, o que traz coisas negativas e positivas, mas é possível fazer uma triagem daquilo que realmente gostamos. Hoje em dia, temos acesso a um leque mais variado de artistas. Os músicos pouco conhecidos também podem ter sucesso, não é necessário terem acesso às formas tradicionais de comunicação, que passam pela rádio e televisão. Conheço vários músicos que têm sucesso só com músicas divulgadas no YouTube. Essa é a grande diferença. Voltámos aos singles, como se fazia nos anos 80 do século passado. Por exemplo, lancei o álbum agora [em novembro de 2017], mas estive a tocar três singles deste novo trabalho nos concertos do último ano. É uma forma de dar a conhecer o meu álbum antes de estar à venda.

“Agora aprendi a falar mais sobre mim, ser mais aberto e confiante.”

É uma fórmula que resulta? Mostrar às pessoas algumas das músicas, aguçando-lhes o apetite, para depois comprarem o álbum?

Sim, ponho-me no papel do consumidor e gosto disso, mas também compreendo que, por vezes, atingimos um determinado nível de sucesso com apenas um single, e isso basta para despertar a curiosidade do consumidor para ouvir mais. Em relação a isso sou um pouco paciente. Tive a felicidade de tocar bastante durante 2017 e encontrava imensas pessoas durante os concertos que estavam sempre a perguntar-me pelo álbum. É fixe sentir isso. Com os espetáculos fui percebendo o que funcionava melhor e mudando muita coisa no disco. Regravei muitas vozes. Com a estrada fui ganhando uma confiança e forma de cantar muito diferentes, consegui perceber que músicas deviam ser os próximos singles através do feedback do público, e isso é bom para montar a estratégia.

O próximo single é a música ‘Nina’, cujo videoclipe é lançado esta quinta-feira, dia 15 de fevereiro.

A música já está a tocar numa novela da TVI e as pessoas já têm perguntado por ela. É bom criar essa curiosidade.

Quais são as principais diferenças entre o Virgul dos Da Weasel e o Virgul a solo?

A maturidade. Aprendi, principalmente, a dar entrevistas, a estar mais calmo. Sempre fui péssimo a dar entrevistas, agora aprendi a falar mais sobre mim, ser mais aberto e confiante. A partir do momento em que admiti que era péssimo nisso comecei a perceber o que fazia de errado. Todos deviam fazer esse exercício. Quando admitimos que somos menos bons em alguma coisa, conseguimos perceber e melhorar. Os Da Weasel eram todos muito bons, estava tudo bem dividido e cada um sabia bem o que devia fazer. Sempre admirei muito o Carlão nesse sentido, ele é muito bom na escrita e nas entrevistas, apesar de também ficar super-nervoso. Eu sentia-me mais à vontade nos concertos, essa era a minha praia. Agora tenho de fazer tudo, essa é a grande diferença. A maturidade também faz com que apreciemos as coisas de outra forma.

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Quando tive conhecimento do nome do álbum pensei que o nome, ‘Saber Aceitar’, fosse mais no sentido de nos sabermos aceitar uns aos outros, colocando de lado o racismo e a discriminação. Alguma vez se sentiu discriminado por ser negro ou ter crescido num bairro social?

Não posso dizer que tenha sido vítima de algo muito grave. Sou muito positivo. Se, por exemplo, um amigo meu passa por mim na rua e não me cumprimentam, penso que ele só fez isso porque não me viu. Tento sempre ver o lado positivo. A discriminação e o racismo existem, mas, como sempre fui tão bem recebido pelas pessoas, não noto isso. Vim de um bairro social onde existem famílias desfavorecidas com dificuldade em educar os filhos e acabei por criar defesas e tornar-me forte.

Na música ‘All We Need Is Love’ reforça esta ideia: “Não me julgues pela minha cor, julga-me pelo meu valor.”

É para uma interpretação geral, não tem necessariamente de ser pela cor, pode ser por outra característica qualquer. Às vezes, temos dificuldade em aceitar as nossas diferenças, independentemente do sítio de onde vimos. Há negros que não aceitam os brancos, há um pouco de tudo em todo o lado. Noto que em relação à altura em que comecei a minha carreira na música, no início dos anos 1990, estamos muito mais misturados em termos culturais, não só no que toca à música.

“Quando nos misturamos e temos o melhor de dois mundos, sejam eles quais forem, conseguimos ser melhores.”

Na altura não se via muitas pessoas de raça branca a ouvir kizomba, por exemplo, e agora todos ouvem…

É algo que aconteceu naturalmente. Tudo leva o seu tempo. Tenho uma filha de mãe branca. É mestiça, tem olhos azuis e é coisa mais linda do mundo. A mistura é incrível. Quando nos misturamos e temos o melhor de dois mundos, sejam eles quais forem, conseguimos ser melhores.

Este álbum é uma festa, da primeira à última faixa. Foi assim que o idealizou?

Sim. Os Da Weasel tinham um registo muito interventivo e crítico. Eu fugi um pouco disso, também não o fazia muito nos Da Weasel, sempre fui da parte mais festiva e nós também precisamos disso. Não sou muito bom a criticar e a apontar o dedo, mesmo que às vezes as pessoas mereçam. Deixo isso para quem o sabe fazer bem. Dou alegria às pessoas, gosto de estar nos concertos e pôr as pessoas a cantar. Gosto de receber vídeos com bebés de poucos meses a reagirem às minhas músicas, esse é o meu forte e a minha praia.

Qualquer uma destas músicas nos põe a dançar muito e a dança também é algo que sempre fez parte da sua vida.

Sempre gostei imenso de dançar. O meu irmão casou-se em julho, apesar de os meus pais estarem separados e de o meu pai viver na Alemanha, ele veio com a família dele e não parou de dançar. Arrumou os filhos, sobrinhos e tios sem nunca lhe faltar a energia. Esse gosto pela dança veio dos meus pais, principalmente do meu pai que contagia todos os que estão à volta dele.

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Já pôs a família a dançar as suas músicas?

Já, obviamente. As minhas irmãs e irmãos já dançaram as minhas músicas.

Muitas das músicas deste álbum foram inspiradas num grande amor que não deu certo. Aqui, esse amor é expressado em modo festa, sem ser triste e lamechas. Quer passar às pessoas a mensagem de que é possível tirar sempre algo de positivo dos episódios menos bons?

Sim, é isso que digo na letra da ‘Só Eu Sei’: “Mesmo tu indo embora há todo um mundo lá fora.” Hoje, mais do que nunca, sei que essa fase menos boa, esse amor que me fez sofrer imenso, me trouxe coisas muito boas e inspirou-me muito para este disco. Já estive com essa pessoa e, em tom de brincadeira, ela pediu-me direitos das músicas.

Ela gostou das músicas?

Gostou, claro, e está feliz por mim. É bom quando depois fica tudo bem e desejamos o melhor um ao outro.

Grande parte do seu público são mulheres, desde a altura dos Da Weasel. Como lida com o assédio por parte das fãs?

Lido bem. Gosto de sentir o carinho das pessoas, são sempre muito simpáticas. Não gosto de dizer que faço música para um determinado público, é para todos. Tenho reparado que a minha música agrada a um grupo de mulheres mais velhas do que eu, na casa dos 50 anos. Isso é curioso. Mas há um pouco de tudo. Também tenho muito público mais novo, crianças e adolescentes. Penso também neles quando estou a escrever as minhas músicas. Tenho uma filha pequena e não gosto que ela ouça determinadas coisas. É uma responsabilidade acrescida.

“Há dois anos foi difícil. Andava meio perdido, sem saber bem que rumo tomar.”

Já houve alguma fã que o tenha deixado envergonhado?

Não, por enquanto ainda não.

E quem são as mulheres da sua vida?

A minha mãe e a minha filha, claro, e as minhas irmãs. Tenho uma da minha idade e outras pequeninas. O meu pai teve filhas já com 50 anos, de outro casamento. Sou muito chegado à elas e a toda a minha família.

A sua mãe foi uma das primeiras pessoas a dar-lhe apoio nesta aventura da música. O que é que ela lhe costuma dizer hoje, ao ver que chegou tão longe?

Está muito feliz. Há dois anos foi difícil. Andava meio perdido, sem saber bem que rumo tomar e ela não andava bem com isso. Agora o meu irmão casou, eu tenho um álbum cá fora. Estamos a viver uma fase muito feliz.

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Como é que ela lida com o facto de agora ser uma figura pública?

Ela sempre lidou bem com isso. Compra as revistas, mostra às amigas e fala imenso de mim, mas sempre teve os pés bem assentes no chão.

E você? Há alguma coisa que tenha deixado de fazer ou com a qual tenha mais cuidado?

Não, faço tudo igual. Continuo a frequentar os mesmos sítios e a ir ao meu bairro. Até costumo ir ao Almada Fórum. Moro lá na cidade e adoro ir ao cinema. Às vezes escolho as horas em que sei que há menos gente, mas na maior parte das vezes não. Até gosto de sentir o carinho das pessoas e que elas me reconheçam na rua. Há quem crie distanciamento, que prefira ser inalcançável perante o público. Eu não, gosto que as pessoas saibam quem sou e estejam perto tanto do Bruno como do Virgul.

“Ter músicas nas telenovelas dá-nos uma visibilidade incrível.”

Também tem tido músicas a tocar em novelas. Uma delas até foi genérico da ‘Ouro Verde’, da TVI. A sua mãe é daquelas mães babadas que vê as novelas para ouvir as músicas do filho?

Ter músicas nas telenovelas dá-nos uma visibilidade incrível, permite-me chegar a outros públicos. A minha mãe já via a novela e ia ver de qualquer maneira. Ter a minha música lá era um bónus.

Tem uma filha pequenina, a Carolina. Quais são os principais valores que lhe tenta passar todos os dias?

É principalmente amar o próximo como a si mesmo. Respeito, acima de tudo.

Como quer que a sua filha o recorde daqui a uns anos?

Que fui um bom pai.

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Neste último ano tivemos muitos novos talentos a surgir no panorama musical nacional. Quem é que nos aconselha a acompanhar?

A April Ivy. E não digo isto por ela ser da mesma editora que eu. A April tem mesmo um talento incrível e é muito focada. Tem muito para dar e vai ter muito sucesso, de certeza.

Já confessou várias vezes que a música pop é o seu género musical preferido. Há algum tipo de música que evite ou não goste tanto de ouvir?

Não, ouço tudo. Pop, rock, hip hop, fado.

Qual foi o último álbum que comprou?

Não me lembro, foi mesmo há muito tempo. Continuo a comprar álbuns e a ouvir muita música todos os dias, mas faço tudo através do Spotify. Recentemente ouvi o último álbum dos Orelha Negra e está incrível, muito bom. A música portuguesa está em boas mãos. Agora é muito mais fácil conhecermos novos talentos graças à Internet e às redes sociais. Antes, sem essas plataformas, tínhamos acesso a menos coisas.

Para terminar, que mensagem gostavas de deixar aos miúdos com poucas possibilidades económicas, que vivem em bairros mais desfavorecidos, mas têm o sonho de fazer e viver da música?

Que experimentem muita coisa e descubram o que realmente gostam de fazer. Quando souberem têm de lutar por isso, com muita persistência.

Agradecimentos: O Bom O Mau e O Vilão