A narrativa de Alessandro Michele

Esta quarta-feira, dia 22 de fevereiro, rezou-se o Credo no desfile da Gucci. Esta oração é um dos pilares do catolicismo e refere todas as crenças que são a base desta religião. A oração ouviu-se em latim e foi repetida várias vezes por cima de uma música poderosa tocada em viola de arco e contrabaixo, que evoluiu depois para uma melodia mais eletrónica.

No centro da sala de desfiles levantou-se um cortina teatral que desvendou uma pirâmide egípcia, símbolo do tempo, da imortalidade, da espiritualidade, mas também do endeusamento dos homens – já que os faraós eram considerados semi deuses. A pirâmide é também usada como a simbologia dos eleitos -aqueles pertencem a uma elite intelectual e espiritual superior.

Um ambiente espiritual condizente com a alquimia que Alessandro quis criar para o desfile, que se completa quando a primeira modelo surge com a cabeça tapada, não por um hijab ou lenço, mas por uma peça de cabeça idêntica à usadas pelas freiras por baixo dos hábitos ou com os gorros que eram usados por baixo das armaduras do cruzados. Os elementos religiosos voltam a aparecer com uma capa com o espírito santo bordado nas costas. No entanto, e apesar de todos estes elementos, este desfile não teve nada a ver com religião mas sim com narrativas, as que nos são contadas pela sociedade através de tudo o que é idolatrado, as nossas narrativas individuais e a nossa capacidade de auto-determinação. A ideia de que nada é novo e de que tudo vem de ideias já existentes.

O diretor criativo da Gucci renega a ideia de que se tem de contar uma história nova em cada estação, e por isso criou este laboratório anti-modernidade (como o própria apelidou) onde foram cristalizadas referencias que vão desde o século dezoito ao mundo fantástico dos super heróis. Em declarações à Vogue Inglesa Alessandro declarou que “precisamos de deixar o mundo abrandar. Se não fizermos isso, não temos tempo para refletir e nos tempos que correm é preciso refletir mais.”

O desfile aconteceu dentro de um corredor de vidro em torno da pirâmide, tendo os modelos desfilado isolados da plateia, como se estivessem noutro espetro, sem tempo, nem lugar. Nesta pequena cápsula apareceram referências a David Bowie com os óculos em forma de raio e cortes de cabelo semelhantes ao do cantor, apareceu também a “Wonder Woman” com um máscara de brilhantes, clutchs com a forma dos livros, o capuchinho vermelho com cestos de flores levados pela mão e divas de Hollywood com lenços de seda na cabeça e óculos escuros.

Foram estas algumas das histórias que a História nos contou e que nos influenciaram de uma maneira ou de outra. Foram estes os eleitos, os idolatrados, que levaram uma legião de fãs a seguir o seu caminho. Da mesma forma que as convicções espirituais presentes no ambiente influenciam as decisões e escolhas de cada crente, uma ligação que pode ter levada à introdução de correntes em alguns acessórios.

Estes dois elementos são a representação das narrativas culturais que nos guiam. Mas a auto determinação também entra nesta história estando representada em detalhes inesperados como: as meias por cima dos jeans, nas leggings transparentes por baixo de vestidos calções, nos homens com sapatos de saltos e nas misturas tão inesperadas que se tornaram na assinatura Gucci, desde que Alessandro Michele está na sua direção criativa. Esta irreverência e multiplicidade de ideias que se repetem constantemente é a antítese de uma moda que segue tendências de forma disciplinada, este é a narrativa que a Gucci determinou para si. Outro elemento a destacar são as frases do artista Coco Capitan escritas diretamente em algumas peças da coleção e onde se podem ler frases como “Tomorrow is Yesterday” ( “Amanhã é ontem”), mais uma referencia à reinvenção constante do mundo em que vivemos.

The nails! The rings! The armour! At Gucci

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A coleção apresentou 119 coordenados e foi o primeiro desfile misto da marca. A roupa manteve-se fiel ao caminho que tem seguido nos últimos anos incorporando os mesmo elementos das coleções passadas : folhos, bordados, estampados, rendas, laços, animais e muitos brilhos. Também as cores se mantiveram dentro da paleta cromática usada nas últimas estações. Em cada modelo são muitas a ideias e exagerados os detalhes, uma estratégia que pretende dificultar as cópias e que fez a marca aumentar as vendas no ano passado. Os materiais primam mais uma vez pela riqueza de detalhes e elevada qualidade, bem como os modelos que continuam a ter uma imensidade de referências. Podemos por isso dizer que a coleção de outono-inverno da Gucci não surpreendeu, mas que como desfile foi absolutamente brilhante e arrebatadora.

Na nossa galeria veja a coleção que está nas bocas do mundo.


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