Dânia Neto: “Não viram o filme, senão saberiam o que é a Dânia nua”

Aos 34 anos, a atriz Dânia Neto tem 20 trabalhos de televisão no currículo. Com os papéis cómicos das telenovelas da SIC – como a inesquecível vendedora de fruta de ‘Laços de Sangue’ – conquistou os portugueses pelo riso. Recentemente estreou-se enquanto personagem dramática no filme Perdidos, de Leonel Vieira. Apesar de ser um remake do filme alemão Pânico em Alto Mar, a atriz reforça as diferenças entre as duas produções e, em conversa com o Delas.pt, relata as maiores dificuldades que enfrentaram durante as gravações em Porto Santo, na Madeira, em alto mar.

Apaixonada por cinema, a atriz de 34 anos quer ter mais oportunidades de trabalho na área e não se importa com a exposição que tem nos media portugueses e nas redes sociais. Encara tudo como uma consequência do seu trabalho.

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O filme Perdidos é o seu trabalho mais recente. É um remake de Leonel Vieira do filme alemão Pânico em Alto Mar. Já tinha visto o original quando soube que ia participar neste filme?

Sim, já tinha visto o original, conhecia perfeitamente a história e isso também torna o desafio maior. Mas não é um copy paste. O Tiago Santos [responsável pelo argumento de Perdidos] reescreveu todas as falas. Aliás, a relação entre as personagens acaba por ser muito mais rica do que no filme original. Estou muito contente com o resultado deste filme, [mas] sou suspeita.

O que pensou quando soube que ia dar vida à protagonista?

Para mim, como atriz, é tudo o que pedimos. É um mega desafio com um registo completamente diferente daquilo que tinha feito até hoje, dramático, com uma carga emocional muito grande. Tenho uma relação ótima com a água, sempre tive, e a minha personagem tem pânico. Soube logo que ia ser um trabalho difícil estar constantemente dentro de água em pânico quando o próprio ambiente já não é, de todo, confortável. Ao contrário do que acontece no filme alemão, não estávamos numa piscina, estávamos no mar, longe da costa. Estar a desempenhar o papel de uma personagem que está constantemente a hiperventilar e em pânico não é o mais confortável, mas foi um desafio incrível, uma superação coletiva.

Como foi o processo de preparação para uma personagem que já tinha sido interpretada por uma atriz estrangeira?

Todos fizemos as personagens à nossa maneira, com a visão que tínhamos dessas mesmas personagens. Não copiámos o trabalho de ninguém e a minha personagem, o conflito dela, também é muito diferente do original. Apesar de também ter pânico da água e um filho bebé, em todas as outras coisas é diferente. No original o filme começa com um casal feliz, neste não. Começa com um casal que já está em rutura, demasiado cansado, que teve um bebé há pouco tempo e está casado há três anos. Percebe-se que aquela relação está no limite e que o dono do barco foi namorado desta minha personagem muito tempo antes, quando eram adolescentes. Tudo isto não existe no original, o nosso tem muito mais história, não são só cinco pessoas no mar a tentarem sobreviver. Existe muito mais do que isso e esse fator cria o elo emocional entre o espetador e as personagens. As pessoas começam a dizer durante o filme: “Ai coitada. Ela tem um filho, estava mal com o marido e agora vai morrer. Deviam ter feito as pazes. E o outro, que já foi namorado dela e agora fez-lhe isto.” Todas estas reações são muito giras, é o que cria também aquele frio na barriga.

Perdidos
Gravações do filme ‘Perdidos’

Tem noção da quantidade de horas que passaram dentro de água?

Não, não faço ideia. Começámos a filmar em outubro, quando o inverno estava a chegar, e o tempo foi piorando muito ao longo das filmagens, que iniciámos em terra. Tal como no filme, começámos cronologicamente. Tivemos de tudo um pouco numa ilha que tem quatro estações num só dia, tanto está sol como começa chover. Apanhámos dias de alerta laranja, em que era completamente impossível filmar. Tínhamos de voltar para terra porque o mar estava muito difícil e não nos permitia trabalhar. Este filme foi uma aventura em tudo e não controlávamos nada, deixávamos acontecer.

Houve algum episódio durante as gravações que a tenha marcado particularmente?

Foram tantos num trabalho tão intenso, tão avassalador como este, que é muito difícil ir buscar só um momento. A última noite foi um desafio gigante para mim. Era o último dia, tivemos de compactar tudo o que não conseguimos fazer durante os dias de alerta laranja e em que não tínhamos visibilidade. Às vezes o barco vinha para cima de nós e por, questões de segurança, tínhamos sair da água. Muitas das cenas do filme foram feitas à primeira porque não havia hipótese nenhuma de repetir. Nesta última noite fizemos uma maratona desde as 14h00 às 6h40 do dia seguinte, começámos a filmar os últimos takes às 4h45. Tivemos cerca de 1h40 para terminar uma sequência de oito minutos que envolvia uma subida ao barco e a morte do Diogo Amaral. Era a resolução da história. Foi uma noite muito especial por ser tão assustador estar dentro de água à noite, não sabermos o que estava ali debaixo e pela resistência física que é preciso ter num trabalho destes. Ninguém calcula a exaustão e o frio. Terminei este filme completamente esgotada, com a sensação de dever cumprido e de que não podia fazer mais nem melhor nas condições que tínhamos. Dei tudo. Pela primeira vez na vida soube o que é chegar ao limite.

Tiveram algum tipo de preparação para gravar nestas condições?

Não, ninguém sabia muito bem aquilo que ia enfrentar. Sabíamos que íamos fazer uma coisa dentro de água, que fisicamente ia ser puxado, mas ninguém sabia ao certo como ia ser, foi uma surpresa para todos. À medida que o filme ia avançando, todos os dias e a todos os momentos, tínhamos de estar constantemente a resolver problemas. Nós atores trabalhamos enquanto conjunto, com mãos, pernas e braços. Ali só tínhamos o rosto e a voz, era passar tudo através desses dois meios.

Perdidos 3
Dânia Neto durante o filme

A sua personagem tem pânico de água, mas a Dânia adora. Uma atriz com medo de água conseguiria fazer este filme?

Não, nenhuma atriz com uma fobia real é capaz de estar numa situação daquelas, nem é possível. Quando vemos um filme queremos ver a emoção que o ator nos dá, mas não queremos ver uma pessoa descontrolada. Alguém que tenha pânico está descontrolado.

E há algo de que a Dânia tenha medo?

Há coisas que não me sinto muito confortável a fazer, mas pânico não tenho. Já fiz de tudo um pouco, até salto de paraquedas. No meu trabalho deparo-me, ao longo da carreira, com este tipo de situações que também me ajudam a superar-me. Esta sensação de superação coletiva era constante no filme, era uma alegria para todos ultrapassar as várias etapas porque, enquanto atores, também tínhamos os nossos receios, contávamos muito uns com os outros e só podia ser assim. Existia um bote de apoio, mas estava do outro lado do veleiro. Numa situação limite, se acontecesse alguma coisa ou alguém se sentisse mal, só podíamos contar com a pessoa que estava connosco dentro de água. Ia demorar algum tempo até alguém chegar perto. Tudo isto torna as ligações entre as pessoas mais especiais. Os rapazes [Diogo Amaral, Afonso Pimental e Lourenço Ortigão] foram incríveis connosco, mesmo cansados foram cavalheiros acima de tudo, davam sempre passagem às meninas para entrar no barco. Estávamos sempre todos cheios de frio, cada vez que subíamos a bordo tapávamo-nos com toalhas e roupões. Enquanto grupo criámos uma ligação muito especial.

Vale a pena, para quem já viu o filme original, ir ver este ao cinema?

Vale muito a pena, está muito melhor que o original, sem dúvida nenhuma. Por vários motivos o nosso filme é diferente e temos uma fotografia linda. O facto de termos feito isto numa situação real, dentro do mar com uma câmara em caixa estanque, dá constantemente ao espetador a sensação de que está dentro de água connosco e isso não existe no original. A sensação que tive quando vi o original é de que o espetador está sempre um bocadinho a salvo do que se está a passar dentro de água, é como se fosse um mirone que está de fora a ver o que se está a passar. Neste filme não, temos a sensação constante de que estamos a viver aquilo dentro de água. A água bate na lente, a caixa estanque dá, em simultâneo, imagens constantes de dentro e fora de água e isso causa ansiedade. Há muitas pessoas que me dizem que acabam de ver o filme completamente exaustas porque o corpo está sempre a reagir ao que está a ver e é muito interessante termos conseguido passar isso. O original foi feito em condições completamente diferentes, dentro de um tanque, na Alemanha, com água quente. O casco do barco era um contraplacado e a água quase não mexe. Há grandes diferenças em tudo, o nosso está muito melhor. Os outros que me desculpem, mas é a minha opinião.

Está a ser um sucesso. É o filme português mais visto do ano. No início de junho já contava com mais de 40 mil espetadores.

Esperamos fazer um bocadinho mais.

Perdidos

Enquanto estavam a fazer o filme já comentavam que podia resultar bem, que os portugueses iam gostar?

Quando estamos a fazer não pensamos muito no resultado final, queremos fazer o melhor nas condições que temos e este filme foi complexo por isso. Tivemos apenas três semanas, não chegou a um mês. Algumas pessoas estavam noutros trabalhos enquanto faziam esta rodagem. Queríamos sobretudo terminar o filme. Agora sim, temos noção de que temos um filme que pode ter sucesso, está a ser muito bem acolhido pelo público e a crítica, principalmente ao desempenho dos atores, tem sido ótima, o que me deixa muito feliz.

A Dânia tem feito algum cinema, mas a sua carreira tem sido preenchida sobretudo com trabalhos em televisão. O que prefere fazer?

Essa pergunta é muito difícil porque fazer cinema não tem nada a ver com fazer televisão. Gostava muito de fazer mais cinema porque a minha experiência em televisão é maior. Espero que existam oportunidades disso porque o nosso cinema é quase inexistente.

Também já fez teatro. Gostava de fazer mais?

Sim, mas às vezes é muito difícil conjugar televisão com teatro e já tive essa experiência. É muito desgastante, os horários de teatro não são compatíveis com os horários de televisão. Em TV acordamos às 6h30 para ir para o estúdio, saímos do teatro à meia-noite e não conseguimos dormir logo quando chegamos a casa porque há a excitação das palmas e o nosso corpo está preparado para estar em cena, não desliga facilmente. O desgaste de vários meses com essa carga horária, e com o corpo a não descansar, é muito grande. Há também poucos apoios para o teatro em Portugal. Adorava tirar um ano para fazer só teatro, mas não é possível pagar as minhas contas a viver disso. Mas espero que existam convites para projetos aliciantes, bons de se fazer e com condições, que também é importante.

Dânia Neto

Entre estes três géneros, teatro, cinema e televisão, onde é que um ator em Portugal consegue ganhar mais?

É em televisão.

O Leonel Vieira disse, na antestreia, que tinha comprado este thriller porque não tinha encontrado ninguém em Portugal capaz de lhe escrever um filme do género. Faltam argumentistas nacionais de qualidade?

O Tiago é ótimo, escreve muito bem, tem feito muita coisa e adaptou esta história muito bem, tal como adaptou o Pátio das Cantigas e outros filmes portugueses. Existem boas pessoas a escrever, mas algumas ainda não foram descobertas. Não ficamos aquém de país nenhum. Como há uma grande falta de investimento no cinema português as pessoas acabam por ter de fazer outras coisas. Acredito que exista quem escreva coisas interessantes, mas os produtores não têm dinheiro para produzir. Existem por aí muitas pessoas para serem resgatadas e descobertas.

Qual é o feedback que tem recebido por parte das pessoas?

Tem sido muito positivo, as pessoas não se inibem de deixar comentários, de dizer que adoraram, que se arrepiaram com as minhas cenas e que estou muito bem. Desejam-me sucesso, tudo de bom e reconhecem que este filme não fica nada atrás do que se faz lá fora. Os portugueses costumam ter o defeito de criticar sem ver e às vezes dizem mal só por dizer, portanto fico muito contente que as pessoas que veem tenham coragem de deixar comentários positivos. Isso também passa para nós.

Dânia Neto
Momento em que a personagem de Dânia Neto, com pânico de água, é empurrada para o mar

O seu papel neste filme é muito dramático. Os portugueses estão mais habituados a vê-la num registo cómico. Qual deles prefere?

Tinha muita vontade de fazer um registo dramático, a comédia para mim não é novidade, é um registo em que já me sinto em casa, mais do que à vontade, sai-me naturalmente. Num registo dramático tenho de trabalhar um bocadinho mais, mas fui, em tudo, uma grande surpresa para o público, é esse o retorno que estou a ter. As pessoas dizem bem, dizem que estou incrível e que fui a grande surpresa deste filme por estar num registo completamente diferente. Tenho ouvido muito isso, o que é interessante. Era algo que queria fazer há muito tempo mas não me davam oportunidade. É bom porque mostra versatilidade, mostra outro lado meu, e os atores gostam de se sentir completos.

Mas sai-se muito bem no registo cómico. Já provou que consegue mesmo fazer rir os espectadores.

Sim, mas não é por ter essa virtude que não posso fazer outras coisas. Tenho mais para dar ao mundo, aos espectadores e quero muito investir nessas outras vertentes. Um ator trabalha pelo estímulo, não é só pela parte financeira. Precisamos de fazer coisas diferentes para o nosso coração palpitar e o sangue bombar. Isso aconteceu-me muito neste filme porque tudo era uma novidade.

Como é a Dânia no dia-a-dia?

Acessível, simpática, de bem com a vida, divertida e com muita energia, mas não muito cómica. Sou uma pessoa leve.

Dânia Netoo

No Instagram tem sempre o cuidado de responder aos comentários dos seus seguidores ou deixar-lhes um ‘gosto’. É a sua forma de retribuir o carinho que lhe dão?

Sim e é uma forma de me manter em contacto com as pessoas para que sintam que as coisas que dizem ali não se perdem, que eu as vi e li. Ninguém gosta de falar sozinho, eu também não gostaria de deixar um comentário a alguém e não ter feedback ou retorno. No fundo são essas pessoas que também fazem de mim aquilo que sou, são elas que me apoiam, que vão ver os meus trabalhos, não perdem um episódio da novela e vão ao cinema comprar um bilhete. Tenho de os respeitar tal como eles respeitam o meu trabalho. Se gostam de mim, me acarinham e me admiram não custa ter esse respeito. Até gosto, é algo que me dá prazer.

A Dânia é uma pessoa de afetos, que não tem dificuldade em demonstrar o que sente?

Sim, sou uma pessoa de muitos afetos.

De quem herdou essa característica?

Não sei, é muito meu. Não posso dizer que o meu pai ou a minha mãe sejam assim, não é algo que identifique facilmente noutras pessoas da família. É muito a minha essência.

Sempre que publica uma fotografia com menos roupa nas redes sociais vários jornais acabam por replicar essa imagem e divulgá-la. Como lida com esse tipo de situações?

Essas pessoas não viram o filme, senão saberiam o que é a Dânia nua. Não é como estava naquela fotografia, onde só vejo as costas e o rosto de perfil. Mas lido muito bem, a exposição que tenho é uma consequência do trabalho que faço. Como estou num momento de muita exposição é mais do que normal que isso aconteça.

Dânia Neto nua
Imagem de Dânia Neto que foi muito partilhada nas redes sociais e nos media portugueses. Fotografia de Afonso Pimentel

Costuma ir ver os comentários que as pessoas escrevem?

Não, só leio o que escrevem no meu Instagram, nas minhas páginas. Trabalho, tenho muita coisa para fazer.

Já viveu alguma situação mais constrangedora, seja na rua ou nas redes sociais?

Nada, as pessoas têm sempre muito cuidado quando me abordam, são sempre muito simpáticas. Até nesta questão da nudez o feedback foi ótimo, tanto por parte da família como por parte dos seguidores ou de pessoas que nem conheciam o meu trabalho. Muitos me disseram que a nudez nem importa porque estou muito bem, fui muito intensa e arrepiam-se. A morte do Diogo e a cena final, com o bebé, são as cenas de que as pessoas mais falam.

Tem um irmão mais velho e duas meias-irmãs. Como é que o irmão lida com a sua exposição? É muito protetor?

Já não liga. Ando aqui há 15 anos, já nem é um assunto.

Dânia Neto Insta

É também muito elogiada por outras mulheres.

Para mim, quando os elogios vêm de uma mulher têm muito mais valor. As mulheres são mais espontâneas em tudo, tanto a criticar como a elogiar, são muito sem filtros. Os homens pensam mais, refletem mais, não dizem tanto o que pensam. Quando são mulheres também, como eu, tem outro impacto.

Que novos projetos vêm aí?

Têm surgido muitas coisas mas ainda não sei muito bem o que vai acontecer. Ainda estou a analisar os projetos, preciso de descansar um bocadinho, é importante. Um mês é suficiente para recarregar baterias. Há praticamente três anos que não tenho férias, vai saber-me muito bem.

O que gostava de fazer?

Gostava de continuar a fazer cinema, investir mais nessa carreira porque tenho feito muita televisão. Não significa que não volte à televisão mas, se pudesse escolher, gostava de fazer mais cinema.