Marisa e Maria: o que une e o que separa as candidatas a PR

Mário Cruz/Lusa
As candidatas à Presidência da República, Marisa Matias e Maria de Belém Roseira conversam momentos antes do debate com os 10 candidatos às Eleições Presidenciais na Antena 1, a 4 de janeiro MÁRIO CRUZ/LUSA

Maria de Belém tem 66 anos. Marisa Matias tem 39. Concorrem ambas ao lugar de Presidente da República. Que opiniões as separam, que pontos de vista têm em comum? Com as eleições já a 24 de janeiro, traçamos aqui o perfil das duas mulheres e mostramos as ideias que tornaram públicas.

Divide-as as subvenções vitalícias, as missões militares, o orçamento retificativo, a acumulação de cargos políticos com cargos no privado e todo o percurso político. Une-as a voz ativa feminina, a importância que dão às mulheres chegarem a cargos de alto nível, e agora, no caso particular de Belém, a intenção de pôr termo ao gabinete de primeira-dama ou de primeiro-cavalheiro. Mas fazem-no de formas distintas.
Marisa diz-se uma “mulher de Esquerda” que assume as “causas”. “Não tenciono fingir que sou neutra para conquistar simpatias. Não quero ser politicamente correta, quero ser politicamente verdadeira”, declarou no manifesto.
Já em campanha, Maria de Belém Roseira sustentou que “muitas mulheres sentem que é chegado o momento de ter um exercício da Presidência diferente” e que há hoje “maturidade democrática” no país, “que percebe bem a importância das mulheres no exercício da vida política”.
Quem são as mulheres que lutam por Belém e o que as caracteriza, o que fizeram e o que as distingue. Para Maria de Belém este último aspeto é simples de explicar: “O que me separa da Marisa Matias, mais do que qualquer outra coisa, é o tempo de vida e de experiência”, afirmou a deputada socialista no frente-a-frente de 3 de janeiro. A eurodeputada do Bloco de Esquerda também se distanciou e considerou que não vê as eleições presidenciais como “um concurso de antiguidade”ou “prémio de carreira”.

Lutas estudantis envolvidas ou “com algum distanciamento”?
Nascida na aldeia de Alcouce, nos arredores de Coimbra, em 1976, Marisa Matias é filha, tem dois irmãos, de uma empregada de limpeza e de um guarda-florestal. Na infância, cuidava de cabras e ajudava na terra, tarefas que realizava depois da escola. Cedo começou a trabalhar.
27 anos antes, Maria de Belém Roseira nascia no Porto. Era a mais nova de dois irmãos e de duas irmãs. Aos 17, deixou a casa dos pais para ir estudar para Coimbra. Ainda vacilou entre o curso de Direito e de Medicina, mas acabaria por escolher o primeiro, que concluía em 1972. A aluna estava na cidade aquando das lutas estudantis de 1969, mas, como já afirmou, acompanhou-as “com algum distanciamento”.
Marisa Matias fez diferente. Já depois do secundário feito, a candidata bloquista rumou a Coimbra para estudar Sociologia, na Faculdade de Economia. Mais tarde, doutorou-se em Saúde Pública e Ambiente e tornou-se investigadora do Centro de Estudos Sociais da referida Universidade. O tempo de faculdade acabaria também por ser investido em participações e envolvimento em causas como o ambiente ou a despenalização do aborto. Esta causa também recolheu o apoio de Maria de Belém que, apesar de se definir como católica, também pugnou pela despenalização até às 10 semanas. “Bater-me-ei pela introdução de um período de aconselhamento, para a mulher ponderar a decisão, onde seja dada informação sobre as alternativas, o estatuto da adoção,” afirmava Belém em 2007.

A política em Lisboa e o caminho na Europa
Com um longo percurso profissional, Maria de Belém Roseira foi, até 2014 (e desde 2011), presidente do Partido Socialista liderado por António José Seguro e a quem coube elaborar um estudo de Direito comparado em matéria de eleições primárias dentro do partido. Eleições que seriam vencidas por António Costa, atual primeiro-ministro. No passado, a deputada socialista tinha ocupado os cargos de ministra da Saúde e da Igualdade nos governos de António Guterres (entre 1995-2000).
Tinha Marisa Matias oito anos e Maria de Belém chegava a chefe de gabinete do Ministro da Saúde, em 1984. Dois anos depois, com 37 anos, a deputada socialista tornava-se administradora da Teledifusão de Macau. Regressaria em 1988 para exercer o cargo de vice-provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e tornar-se-ia mais tarde administradora-delegada do Centro Regional de Lisboa do Instituto Português de Oncologia.
Em 1995, António Guterres convida-a para regressar à política e, em 1999 – quando também era presidente da Assembleia Geral da Organização Mundial de Saúde -, é eleita deputada pela primeira vez. Seja pelo círculo do Porto, Aveiro ou Lisboa, a atividade parlamentar de Maria de Belém manteve-se até 2015. Para lá da atividade política, a socialista foi, entre outros, fundadora da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, da Liga dos Amigos do Hospital de S. Francisco Xavier. Condecorada por Jorge Sampaio em 2005, em 2012 Maria de Belém publica o livro de biografias ‘Mulheres Livres’.
Já do lado de Marisa Matias, tinha apenas 33 anos quando obteve o primeiro mandato para eurodeputada, conciliando a vida entre Bruxelas e Estrasburgo. Desde 2009 que a bloquista está no Parlamento Europeu, foi reeleita e lá em sido em sido uma das vice-presidentes da comissão especial que investiga as práticas fiscais nos Estados membros, coordena a comissão de assuntos económicos e monetários e é elemento integrante das comissões da indústria, investigação e energia. Marisa Matias é ainda vice-presidente do Partido da Esquerda Europeia.

“Rajada de esperança” e “privilégio”
Maria de Lourdes Pintasilgo, a única mulher que chefiou um governo, de julho de 1979 a janeiro de 1980, é uma referência que têm em comum. Marisa Matias evoca o caminho que a antiga primeira-ministra e também candidata a Belém, em 1986, percorreu e classifica-a como “uma rajada de esperança”, Maria de Belém trabalhou diretamente com Pintasilgo na Secretaria de Estado da Segurança Social, pouco depois do 25 de Abril e elogiou-a. “Foi um privilégio ter trabalhado com ela. Mostrou-nos a importância de construir uma sociedade mais justa, mais igualitária”, afirmou em entrevista em Jornal de Negócios, em 2010.
Volvidos 30 anos sobre a candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo à Presidência da República, Marisa Matias e Maria de Belém são as agora as duas mulheres que concorrem para o mais alto cargo da nação. Ambas casadas, olham para o papel das mulheres como um mundo onde ainda há muito por fazer.

Sobre as subvenções vitalícias
Maria de Belém Roseira – Depois de ter afirmado que não conhecia o acórdão do Tribunal Constitucional, na sequência do pedido de fiscalização da constitucionalidade à norma do Orçamento do Estado para 2015, veio a saber-se que tinha integrado o grupo de 30 subscritores que pediram esses mesmos esclarecimentos. Posteriormente, declarou:

“O Tribunal clarificou a natureza legal da subvenção vitalícia. Nunca a recebi. Irei avaliar as consequências da decisão do Tribunal Constitucional ao meu caso pessoal e, oportunamente, decidirei.”

Marisa Matias escreveu na sua página de Facebook:

“A decisão do Tribunal Constitucional sobre os privilégios dos titulares de cargos políticos, é uma decisão que envergonha o próprio TC, os deputados que a exigiram e que degrada a nossa democracia. Eu repudio esta decisão, não consigo compreender como é que o TC se conseguiu esquecer de um pequeno e singelo princípio constitucional que se chama igualdade, e não me conformarei com ela.”

Sobre a igualdade de oportunidades e candidatura a Belém
Maria de Belém Roseira:

“Acho que em Portugal temos uma maturidade democrática que percebe bem a importância das mulheres no exercício da vida política […] Muitas mulheres sentem que é chegado o momento de ter um exercício da Presidência diferente […] A desigualdade é cultural e a desigualdade demora muito tempo a desaparecer, por isso é que é tão importante continuarmos a investir na igualdade de oportunidades na medida em que a desigualdade tem muitas manifestações e uma delas é a da violência doméstica, que radica muito no desvalor que se dá às mulheres, nas mulheres consideradas como propriedade de alguém”, afirmou a 13 de janeiro, em Ílhavo.

Marisa Matias:

“É grave ainda ser notícia que, 41 anos depois da democracia estar instaurada em Portugal, falemos ainda da existência de candidatas mulheres […]. As mulheres não têm de pedir desculpa, temos todo o direito de exercer as mesmas funções que os homens, em igualdade de oportunidades. Uma sociedade é tão mais justa quanto mais poder haver uma representação igual da mulher e homens e isso inclui pos mais altos cargos da nação”, afirmou em entrevista ao Porto Canal.

Sobre a acumulação de cargos políticos
Maria de Belém Roseira:

“A presidente da comissão parlamentar de Saúde não decide nada”, afirmou no debate frente à candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda, reagindo à acusação de ter acumulado aquela função com a de consultora da Espírito Santo Saúde.

Marisa Matias:

“É uma questão política” que “sendo legal”, porque a lei permite acumulação de cargos, a candidata não concorda.