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Alzheimer: “Que doença? Não é coisa que se dê nem a um cão”

Percorra a galeria e fique a saber que subsídios existem em Portugal e que soluções estão ao dispor. Propostas que ainda não olham diretamente para os cuidadores e ainda distantes do que se vê fora de portas [Fotografias: Shutterstock]
Prestações sociais
Complemento por cônjuge a cargo: Apoio comentário mensal para os que que beneficiam de pensões de velhice e invalidez e cujo companheiro tenha rendimentos iguais ou inferiores a 36,95 euros por mês (os valores são de 2016). Leia mais aqui.
Subsídio por Assistência de Terceira Pessoa: Montante transferido mensalmente a crianças ou adultos com deficiência e que necessitem de o apoio de uma terceira pessoa. As regras diferem entre quem descontou para a Segurança Social e quem não o fez. Todos os detalhes aqui.
Complemento Solidário para Idosos (CSI): Valor pago mensalmente para os idosos que têm recursos inferiores ou iguais a a 5084,30€ por ano (2017). Em casal, o montante sobe para 8897,52€ anuais. Os rendimentos dos filhos dos idosos podem levados em linha de conta, mesmo que não vivam com a pessoa. Saiba tudo aqui.
Benefícios Adicionais de Saúde (CSI): Se já recebe o CSI, então está habilitado a este benefício, bastando que apresente, no Centro de Saúde e no prazo máximo de 180 dias, os recibos de medicamentos, óculos e lentes, programa nacional de saúde oral e outras despesas médicas. Estes valores são variáveis, têm periodicidade definidas e percentagens díspares. Saiba mais aqui.
Complemento por Dependência: Apoio mensal prestado em dinheiro aos que se encontram em situação de dependência e que precisam da ajuda de outra pessoa para cumprir as necessidades básicas da vida quotidiana. Falamos de activadas tão simples como a higiene pessoal, a alimentação ou autonomia na deslocação. Podem candidatar-se os que, recebendo qualquer tipo de pensão, tenham visto reconhecidas as suas limitações pelo Sistema de Verificação de Incapacidades da Segurança Social. Veja todos os detalhes aqui.
Pensão por velhice: Após a reforma, que em 2018 é de 66 anos e quatro meses, é concedido um apoio aos que tenham descontado para a Segurança Social durante, pelo menos, 15 anos. Informação oficial aqui.
Pensão Social de Velhice: É diferente da pensão de velhice porque apoia os beneficiários não abrangidos por qualquer
sistema de proteção social obrigatória ou que não têm descontos suficientes para a Segurança
Social para ter direito à pensão de velhice (não cumprem o prazo de garantia). Para tal, é preciso ter 66 anos e dois meses, não ganhar mais do que 40% do Indexante aos Apoios Sociais (IAS): 428,90 euros, este ano. Já se for o casal, juntos não podem ganhar mais que 60% do
Indexante de Apoios Sociais. Valor antes dos descontos. Leia mais aqui.
Pensão por Invalidez: Há dois tipos, a relativa e a absoluta. Em ambos casos, trata-se de um apoio financeiro pago mensalmente em dinheiro. Consulte toda a informação aqui.
Pensão Social de Invalidez: Cumpre os mesmos requisitos da pensão social de velhice. Mas difere da pensão de invalidez do regime geral porque apoia quem não abrangidos por sistemas de proteção social ou que não apresentem descontos suficientes para a Segurança Social. Ler mais aqui.
Regime Especial de Proteção na Invalidez: Especialmente desenhada para pessoas que, em situação de incapacidade permanente, têm prognóstico para a rápida perda de autonomia. Inscrevem-se aqui as demências, os patologias de Oncologia e, entre outras, doenças raras. É um apoio em dinheiro, e pode ser lido ao detalhe aqui.
Suplemento Especial de Pensão: Destinada a compensar os antigos combatentes e que recebam pensão de invalidez ou de velhice do regime geral de Segurança Social. Pago anualmente em outubro, trata-se de um apoio calculado em função do tempo de serviço militar bonificado (que tenha sido prestado em condições de dificuldade ou perigo). Conheça-o aqui.
Complemento Especial de Pensão: Também anual, é uma prestação entregue aos antigos combatentes que recebam uma pensão social ou rural. Rege-se pelas mesmas regras de cálculo que a anterior. Leia mais aqui.
Acréscimo vitalício de pensões: Anual, é um valor pago aos combatentes que fizeram as sua contribuições para a Segurança Social. Leia tudo aqui.
Rendimento Social de Inserção: Este é um dos mais conhecidos. Trata-se de um apoio a cidadãos e famílias marcadamente em situação de carência financeira grave. Para o obter há regras estritas a cumprir. Recorde-as aqui.
Pensão de Sobrevivência: Trata-se de uma pensão paga aos familiares (também abrange descendentes) do falecido, que tinha integrado o regime geral da Segurança Social. Esta prestação mensal procura suprir a perda de rendimentos que resulta do desaparecimento do familiar. Conheça-a aqui.
Pensão de Viuvez: Valor monetário mensal pago ao cônjuge do falecido e que estava a receber pensão social. É atribuída a quem tiver rendimentos mensais iguais ou inferiores a 40% do IAS, ou seja, 428,90 euros, este ano. Leia tudo aqui.
Subsídio para Assistência a Filho: Apoio concedido em dinheiro aos que têm que faltar ao trabalho para prestar assistência urgente e necessária aos filhos (biológicos, adotados ou do seu cônjuge), em caso de doença ou acidente. Saiba mais aqui.
Subsídio para Assistência a Neto: as regras são as mesmas, mas a prestação social é atribuída aos avós que tenham de faltar ao trabalho. Este subsídio desdobra-se em várias modalidades. Conheça-as aqui.
Bonificação por deficiência: Adicionada ao abono de família, é um montante pecuniário para crianças e jovens com deficiência e procura compensar as famílias pelos encargos. Tem regras diferentes para quem descontou e não o fez para a Segurança Social. Leia mais aqui.
Subsídio por morte: Pago em apenas uma só vez, é um subsídio para os familiares de beneficiário do regime geral da Segurança Social e
 regime rural, compensando despesas devidas à morte do beneficiário. Conheça os detalhes aqui.
Reembolso das despesas de funeral: Também pago de uma só vez, trata-se de um montante que visa suprir as despesas do funeral do beneficiário falecido. Leia aqui.
Descanso do Cuidador: A Rede Nacional de Cuidados Continuados pode ter ainda internamentos com menos de 90 dias (máximo 90 dias por ano) quando há necessidade de descanso do principal cuidador. Leia mais aqui.
Respostas sociais para pessoas idosas. Atenção, nenhuma delas tem cariz gratuito.
Serviço de Apoio Domiciliário: Atribuição de cuidados individualizados em casa do utente e mediante motivo de doença, deficiência ou mesmo outro impedimento, impedindo-o de garantir regular ou episodicamente as necessidades básicas e/ou as atividades do quotidiano.
Centro de Dia: O utente entra de manhã, sai ao fim da tarde e fica na sua casa à noite. Durante o dia está nesta instituição que presta serviços que contribuem para a manutenção das pessoas idosas no seu meio sócio-familiar.
Centro de Noite: Ao contrário da anterior, esta resposta social carateriza-se pelo acolhimento noturno, prioritariamente para pessoas idosas com autonomia, evitando solidão, isolamento ou insegurança.
Estrutura Residencial para Pessoas Idosas: Apoio social e cuidados de enfermagem, de uso temporário ou permanente, e onde são desenvolvidas atividades de apoio social.
Acolhimento Familiar para Pessoas Idosas e Adultas com Deficiência: Consiste em integrar, com caráter episódio ou permanente, o utente idoso ou adulto com deficiência em famílias consideradas idóneas. O recurso é possível mediante prova de ausência, inexistência de familiares, falta de condições da família ou não resposta do sistema social.
Centro de Atendimento, Acompanhamento e Reabilitação Social para pessoas com deficiência e incapacidade: Trata-se de uma resposta especializada e vocacionada para, por um lado, a reabilitação do utente e, por outro, para a capacitação e apoio às famílias, incluindo, claro, cuidadores informais.
Centro de atividades ocupacionais: Resposta social para pessoas com deficiências graves, estes centros procuram a valorização do utente, desenvolvimento das suas capacidades e a sua integração.
Existem ainda as residências autónomas e os lares residenciais.

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Deolinda Rodrigues tem 82 anos e, “há cerca de cinco anos” que está “a viver a mocidade”. O tempo que nunca teve para si – entre cuidar e educar os filhos, tratar dos sogros e, depois, do marido com doença de Alzheimer – chegou por altura de 2013, quando o companheiro acabou por morrer. Zé sucumbiu depois de um longo processo de debilitação provocado pela doença e por um AVC, aos 60 anos, e que o deixou sem falar até aos últimos dias.

Foram 18 anos de trabalho diário, nunca delegado a ninguém de fora ou nenhuma instituição e levado a cabo mesmo durante a recuperação a várias cirurgias ao joelho a que esta “mulher do campo” – como se apelida – teve de se submeter. Um trabalho que durou quase duas décadas e que começou quando Deolinda, residente na Barreiria, uma aldeia nos arredores de Fátima, não tinha mais do que 58 anos. “Levei esta cruz com paciência”, constata, de voz firme, mas sem um tom pesado.

“A vida começou tal e qual depois da morte, mas de outra maneira. Morreu, agora precisa que reze pai-nossos por ele. Voltei a gozar a minha vida”

No dia em que assinala mundialmente a doença de Alzheimer, 21 de setembro, o Delas.pt republica o testemunho de quem pôs a sua vida em suspenso para que a de outros não caísse em mãos erradas, que arredou os seus próprios interesses para, no caso de Deolinda, cumprir os desígnios de Deus e as promessas que fez no altar quando se casou: Amar e respeitar na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da vida, até que a morte os separasse.

“Tenho é saudades de cuidar de mim e dos meus”

É com a certeza do dever cumprido e com o pragmatismo de quem sabe que agora o que pode fazer pelo marido é “rezar”, – que cumpre todos os dias -, Deolinda diz não ter saudades do companheiro no sentido em que todos nós imaginamos este processo. Primeiro, cuidou-lhe do corpo, agora continua a olhar por ele: trata-lhe da alma.

“Não tenho saudades nenhumas, foi muito trabalho. Tenho é saudades de cuidar de mim, dos meus netos e dos meus bisnetos. A vida começou tal e qual depois da morte, mas de outra maneira. Morreu, agora precisa que reze pai-nossos por ele. Voltei a gozar a minha vida”, atira, de voz pronta e enérgica, esta mulher a quem o pai roubou à escola ainda na segunda classe para trabalhar no campo. “Mas sei que tinha capacidade para mais. Tenho pena”, desabafa.

Com estas características, esta leiriense inscreve-se no perfil-tipo da cuidadora informal em Portugal.

Trabalho dos cuidadores informais vale 82 milhões por semana

É mulher, foi acompanhou o marido na maior parte do tempo do intervalo previsto – entre os 45 e os 75 anos -, tem baixas habilitações literárias e rendimentos baixos. Valeram-lhe algumas poupanças. Na galeria acima veja alguns dos benefícios disponíveis para quem tem pessoas a cargo, numa altura em que o Estatuto do Cuidador ainda está longe de ficar definido na letra da Lei.

“Às vezes, até diziam que parecíamos um casal de namorados”

Deolinda é uma das centenas de milhares de pessoas que, atualmente e em território nacional, têm um familiar a cargo, que poupam custos à saúde nacional e que, muitas vezes, guardam silencio das agruras e das dificuldades.

Partir de saúde, regressar doente

Anos depois de casar, Deolinda dizia adeus a Zé, que partia para a Alemanha, rumo a um sustento maior do que o que o campo, nas redondezas de Fátima, poderia gerar. Em Portugal e sob a tutela desta mulher, ficavam quatro descendentes: a mais velha, com dez anos, a mais nova, com três. Deolinda tinha ainda “a fazenda e a criação” a cargo, recebendo, depois, as ajudas monetárias do marido. E as visitas: “Ele vinha um mês no inverno para ajudar na poda e, em abril, para semear as terras. Eu fui lá três vezes”, recorda.

Com o passar dos anos, esta hoje octagenária teve de cuidar dos sogros: “fi-lo durante nove anos”, recorda. A sua nova profissão – a de cuidadora informal – tinha acabado de nascer e Deolinda não sabia ainda para o que estava guardada.

“Gostava de ser eu a dar-lhe as voltas, cá à minha maneira e com a minha paciência. Mesmo a não poder [quando recuperava das cirurgias], fiquei com pena de o perder”

Apesar de andar a pedir pedir a Zé que regressasse da Alemanha – uma insistência que durou mais de dez anos -, ele achava que ainda não era altura de fechar o cofre. Regressaria ao fim de 22 anos, com uma reforma de invalidez na mala.

Uma vida feita mesmo em comum

“Mesmo com o Zé doente, ia de férias com ele para a praia da Nazaré, todos os verões. Ia com ele à missa aos domingos, levava-o na cadeira de rodas. Até levava uma garrafa de água para que ele bebesse depois de tomar a hóstia. Ia comigo para todo o lado. Às vezes perguntavam-me por que não queria tirar férias sozinha? Não! Ia com ele para todo o lado, sempre.”

Deolinda chegou até a comprar peças de roupa iguais para si e para o marido, para usarem quando saíam juntos à rua. Mas nem sempre era possível. Quando não, esta mulher tentava ir com indumentária dentro do mesmo tom. “Às vezes, até diziam que parecíamos um casal de namorados”, ri-se, com orgulho.

Em casa, a vida era dura. De dia e de noite. “Eu é que lhe dava o comer, lavava-o, dava-lhe banho, às vezes duas vezes por dia, punha-o numa grua especial para conseguir fazer isso. Tive de fazer obras em casa, mas tratei sempre dele, tive ajuda das minhas filhas já mais na fase final”, relata. “Foi muito trabalho, mas o corpo tem muita força… e gostava de ser eu a dar-lhe as voltas, cá à minha maneira e com a minha paciência. Mesmo a não poder [quando recuperava das cirurgias], ficava com pena de o perder”. E Deolinda repete esta frase muitas vezes: “Nunca chorei, muito menos à frente dele.”

“Quando ele morreu, até a médica que foi lá a casa me deu os parabéns, porque ele está muito zeladinho e limpinho”

A recompensa chegava todos os dias. Era um gosto ver o marido bem cuidado, era um gosto levá-lo para todo o lado e perceber que todos reparavam no quão “bem tratado estava o Zé“, desfia a octagenária. “Quando ele morreu, até a médica que foi lá a casa me deu os parabéns, porque ele está muito zeladinho e limpinho. A minha filha, às vezes fazia-lhe a barba, mas aquilo não estava a meu jeito”, repara. “E ainda hoje digo aos meus netos – a quem ofereci máquinas de barbear – ‘Vocês não pareçam o [Franciscco] Lucas Pires!’. Bonito é um rapaz novo andar com a cara barbeada”, conta, entre risos.

E as dificuldades da doença: Agressividade, por exemplo!

Mas se cuidar de uma pessoa já é, mesmo assim, uma coisa difícil, ainda há a questão da agressividade, que é uma realidade bem mais presente do que se possa imaginar, e que Deolinda diz ter conhecido bem. “Ele às vezes batia-me. Eu nunca lhe bati, tentei levá-lo com paciência, o que às vezes era difícil. Uma vez, empurrou-me de tal maneira que caí e bati com a cabeça no sofá. E disse-lhe que se voltasse a fazer aquilo, que o punha longe, num lar. E ele compreendia”, desabafa.

A frustração do doente, o desaire, a consciência de que está com faculdades diminuídas ou amputadas, todos esses pensamentos bailam, durante muitos anos, na cabeça de quem está dependente. A agressividade surge, muitas vezes, como resposta, logo eles que não dispõem de todas as capacidades para controlarem esses ímpetos, o que dificulta tudo. “Às vezes cuspia a comida de propósito, às vezes fazia coisas más, mas eu lá o tentava levar à minha maneira. Pior foi no início, quando ele tinha ainda muita força, andava e fugia-me, batia-me, empurrava-me. Mas eu ameaçava-o com a minha muleta se me continuasse a tratar mal e ele compreendia”.

“Ele às vezes batia-me. Eu nunca lhe bati, tentei levá-lo com paciência, o que às vezes era difícil”

Mas isto não era, nem foi, a vida toda de Deolinda e de Zé. Foram antes os “momentos mais complicados”. Hoje, enquanto fala com o Delas.pt, esta ex-cuidadora informal relata: “Tenho aqui a fotografia dele em casa, à minha frente, e todos os dias lhe rezo.”

“O que me fez falta? Era ele falar, não conseguia”

“Que doença? Não é coisa que se dê nem a um cão”, analisa agora esta mulher que se recusou a pôr o marido, com Alzheimer e também um AVC, num lar ou a pedir ajuda. “Num lar? Não! O lar é em casa, é a pessoa que lhe fala desde sempre, o que lhe dá muita saúde. Isso é meio caminho andado para uma pessoa que não fale”, reage, deixando uma mensagem: “Temos de ter carinho pelas pessoas e toda a vida. Se aquele homem trabalhou sempre e se teve o azar de cair nestas doenças, merece todo o carinho, dedicação e zelo.”

Mesmo quando a família perguntava por essa possibilidade, Deolinda chutava-a para longe e provocava: “Era um belo exemplo que vos deixava a vocês [filhos], aos meus netos e aos meus bisnetos…”

“Se aquele homem trabalhou sempre e se teve o azar de cair nestas doenças, merece todo o carinho, dedicação e zelo”

Hoje, mediante a pergunta sobre o que lhe fez falta – apoios, instituições, pessoas – Deolinda refere apenas: “O que me fez falta? Era ele falar, não conseguia. Nunca me prendi com os bens da terra e com o dinheiro. Só queria ter o dinheiro que chegasse para cuidar dele, para ter a certeza que podia comprar as melhores fraldas e os melhores cremes. E nunca me apanharam zangada, nem a chorar. Sempre disse que ia fazer o que pudesse”, relata. ” Jurei isso em frente ao altar, foi com isso que me comprometi.” E foi mesmo o que Deolinda fez até 20 de janeiro de 2013.

Imagem de destaque: Shutterstock

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