Annie Ernaux: a herança feminista da Nobel da Literatura 2022

(FILE) FRANCE NOBEL PRIZE LITERATURE
Annie Ernaux [Fotografia: EPA/CATI CLADERA]

As experiências pessoais angustiantes pelas quais passou na vida foram matéria dissecada e amplificada na sua obra. Annie Ernaux venceu, esta quinta-feira, 6 de outubro, o Nobel da Literatura 2022z, no reconhecimento de uma obra que tem muito das lutas e das batalhas das mulheres na sociedade do seu tempo.

A autora, de 82 anos, é um modelo feminista para muitos – independente e franco e que expôs relatando os seus tempos, criando inaugural género de autoficção, dando forma narrativa à experiência da vida real. “Quando escrevo, não tenho a impressão de estar a olhar para dentro de mim, olho para dentro de uma memória”, afirmou em tempos.

O seu primeiro romance, Armário Vazio, de 1974, trouxe um relato frio, angustiante de um aborto que fez na juventude e que manteve secreto da família. Casou-se com vinte e poucos anos e teve dois filhos. O divórcio chegaria em 1984, tendo criado os seus filhos sozinha enqaunto escrevia e ensinava no subúrbio parisiense de Cergy-Pontoise, onde ainda mora.

Ernaux disse que a sua decisão de manter um emprego diário se deveu ao medo de perder tudo – uma preocupação enraizada nas lutas da classe trabalhadora da sua juventude – e também ao desejo de manter sua escrita livre de obrigações financeiras. “Se eu fizesse da escrita o meu único trabalho, seria obrigada a querer que os meus livros vendessem”, e essa “necessidade material” iria repercutir-se na obra, ainda que inconscientemente, “mancha-a”.

Nos últimos anos, Ernaux tem sido uma voz forte ao lado do movimento #MeToo. Travou uma batalha contra a atriz Catherine Deneuve depois de esta ter, inicialmente, defendido o “flirt” masculino e o direito dos homens de seduzirem as mulheres. “Eu estava tão envergonhada por Deneuve”, disse Ernaux, considerando estes comentários como “o reflexo de um grupo de mulheres privilegiadas”. “Na França, ouvimos muito sobre nossa cultura de sedução, mas não é sedução, é dominação masculina”, afirmou.

No mais recente livro editado em Portugal, O Acontecimento, Ernaux narra a angústia de uma jovem estudante obrigada a um aborto clandestino, em França, em 1964, 11 anos antes da despenalização no país.

com agências