Abusos sexuais na Igreja. Comissão começa a receber denúncias esta terça, 11 de janeiro

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[Fotografia: Juan Pablo/Pexels]

A comissão que vai investigar abusos sexuais na igreja católica em Portugal começa na terça-feira, 11 de janeiro, a receber denúncias de vítimas, de casos ocorridos desde 1950, que podem ser remetidos às autoridades e investigados se os crimes ainda não tiverem prescrito.

O objetivo do trabalho da comissão é o da recolha de testemunhos, para um estudo que não procederá a reparações financeiras nem judiciais, mas que pode dar como reparação às vítimas o quebrar de um silêncio e de um sofrimento pessoal, disse o coordenador da comissão, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, na apresentação do plano de ação e que foi apresentado esta segunda-feira.

Foi já criada uma plataforma, Dar voz ao silêncio, e que pode aceder aqui, e a mesma chega com um número de telemóvel e um email, contactos para os quais podem ser enviadas as denúncias. O contacto telefónico vai estar disponível entre as 10:00 e as 20:00 diariamente, mas, refere Filipa Tavares, assistente social com experiência em acompanhamento de crianças e famílias, que integra a comissão, que não pretende ser nem uma “linha SOS, nem de apoio psicológico”.

Os testemunhos podem também chegar por email – [email protected] – por escrito, enviadas para um apartado que vai estar disponível no site da comissão ou presencialmente, mediante marcação prévia de entrevista.

A Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja Católica Portuguesa começa na terça-feira a receber testemunhos de vítimas que o queiram fazer, ou de terceiros que queiram denunciar casos que conheçam, sendo que o grupo de trabalho tem mecanismos instalados para triar falsos testemunhos que possam surgir, disse Pedro Strecht.

Crimes não prescritos serão encaminhados

Todos os testemunhos recebidos que possam ser enquadrados como denúncias de crimes ainda não prescritos serão “imediatamente encaminhados” para as autoridades competentes, explicou o membro da comissão Álvaro Laborinho Lúcio, juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e ex-ministro da Justiça.

“Nós vamos distinguir claramente denúncias de testemunhos. As denúncias não as vamos trabalhar, mas vamos imediatamente enviá-las para as instâncias competentes”, disse o juiz conselheiro, referindo que estão já estabelecidos canais de comunicação com as hierarquias superiores da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Judiciária.

“A comissão existe para que em último caso e sempre que necessário, orientar queixas para quem de direito pode e deve investigá-las e dar-lhes respostas sobre a moldura jurídica existente em Portugal”, disse, por seu lado, Pedro Strecht.

O coordenador da comissão independente sublinhou que esta “deseja esclarecer tudo quanto possa ter acontecido em Portugal ao longo dos últimos anos no que se refere à abordagem desta realidade tão complexa como necessária de apurar”.

“A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) depositou nesta comissão uma total autonomia e total confiança que nos dá a certeza de podermos a partir de agora de trabalhar o melhor possível para honrar os compromissos para os quais fomos investidos”, afirmou, sublinhando por diversas vezes ao longo da conferência de imprensa uma ideia de abertura e colaboração da igreja católica no processo que agora se inicia e que decorre até 31 de dezembro de 2022.

Disse também que a comissão já entrou em contacto com as 21 comissões diocesanas criadas para lidar com o tema e sublinhou que se não houvesse perante a comissão uma “posição inequívoca” da CEP os membros da comissão seriam os primeiros a declará-lo.

“Acho que quando nos foi feito este convite foi porque a igreja católica já fez esse movimento interior de querer esclarecer a questão”, disse Pedro Strecht quando questionado sobre eventuais resistências do clero à investigação.

Laborinho Lúcio esclareceu ainda que a comissão vai funcionar em sigilo compromissório relativamente aos que vão trabalhar na investigação, mas que não existe qualquer declaração de sigilo firmada com a igreja católica.

“A comissão existe para estar ao lado das pessoas, tem disponibilidade total para escutar a seu tempo e com tempo uma a uma, porque todos, mas todos, contam. A comissão irá também procurar validar estes testemunhos em sigilo profissional, fazendo-o de diversas formas, para que cada qual sem medo, vergonha ou culpa, tenha finalmente um espaço de referência onde se sinta confortável para poder falar”, disse Pedro Strecht.

Eventuais denúncias de crimes ocorridos fora da igreja católica serão também encaminhadas para as autoridades judiciais e não serão tratados por esta comissão, que vai investigar abusos ocorridos entre 1950 e 2022, recorrendo a análise de arquivos históricos da igreja, comunicação social, autoridades judiciais, ministério da saúde, entre outros, e, sobretudo, focar-se nos testemunhos pessoais que pretende recolher.

Relatos de abusos cometidos até aos 18 anos das vítimas

Para a recolha de testemunhos de vítimas que tenham sofrido abusos na infância e adolescência – a comissão vai trabalhar relatos de abusos até aos 18 anos – este grupo de trabalho apela ao envolvimento da comunicação social na divulgação do trabalho da comissão, para que motive eventuais vítimas a testemunhar.

O trabalho desta comissão independente vai decorrer ao longo deste ano, num espaço físico “descaracterizado” e “autónomo” da Igreja, estando prevista a apresentação de um relatório em dezembro. O financiamento dos trabalhos será assegurado pela CEP, mas estará aberto a eventuais contribuições de outras instituições, que serão divulgadas “mais à frente” deste processo, disse hoje Pedro Strecht.

Na apresentação da comissão, em dezembro, o presidente da CEP, o bispo José Ornelas, reivindicou a importância de se trilhar “um caminho de verdade, sem preconceitos nem encobrimentos” para a Igreja Católica portuguesa, reforçando o interesse da Igreja em apurar a verdade, mas evitando traçar expectativas sobre as descobertas e conclusões da comissão, a quem garantiu que terá meios de trabalho.

Na conferência de imprensa de hoje, que decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa), foi apresentada publicamente a composição da comissão, que, para além do coordenador, integra o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos.

 

CB com Lusa