Da garantia que não recua no aborto à violência. O que defende o novo governo para as mulheres?

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[Fotografia: Pexels/Timo Miroshnichenko]

Portugal já tem chefe para o novo executivo, com o social-democrata Luís Montenegro a tutelar a posição em nome da Aliança Democrática (AD), que reúne o PSD, CDS-PP e PPM.

Depois de uma campanha eleitoral que ficou marcada por declarações polémicas de eventual recuo do aborto proposto por um dos partidos que integra a coligação, na voz do centrista Paulo Núncio, e de Montenegro ter garantido que não iria haver retrocessos nessa matéria, é tempo de reler as propostas apresentadas em campanha para as mulheres horas após ter sido indicado novo primeiro-ministro, sucedendo a António Costa.

E se o aborto não é palavra que esteja no programa eleitoral da AD, a IVG e as limitações que as mulheres têm sofrido nesta matéria nos últimos tempos também não recebem qualquer menção ou proposta para melhorar. As ideias vão sobretudo no sentido da promoção da natalidade.

No capítulo da saúde, a coligação defende o fortalecimento “da rede pública de apoio à Fertilidade e Procriação Medicamente Assistida”, que “reforçar o apoio para técnicas médicas de fertilidade humana com melhores tecnologias disponíveis no SNS e parceiros privados com acordo de colaboração”, “assegurar a referenciação mais precoce dos Médicos de Família para centros de PMA” e “aprofundar e melhorar os protocolos clínicos e boas práticas assistenciais para obtenção da menor mortalidade infantil da UE”.

A natalidade emerge como uma das prioridades, num país em que a fecundidade é cada vez mais baixa, pelo que a coligação liderada por Montenegro quer “definir uma Estratégia Nacional para a Natalidade e Longevidade”, “garantir o acesso universal e gratuito às creches e ao pré-escolar, mobilizando os setores público, social e privado”, “equacionar a criação de benefícios fiscais, no âmbito da revisão do respetivo regime, para empresas que criem programas de apoio à parentalidade”. Neste capítulo, o programa eleitoral da AD quer promover o fomento de “creches no local de trabalho para filhos de colaboradores, que contratem grávidas, mães/pais com filhos até aos 3 anos, horários flexíveis e outros benefícios que facilitem a vida familiar dos funcionários, contribuindo para mudar a cultura de “penalização” de progenitores pelos empregadores”, lê-se no documento.

Mas as medidas promotoras da natalidade que querem “aproximar, no médio prazo, o valor do Índice Sintético de Fecundidade de 2,1 filhos por mulher, com políticas constantes e consensualizadas” vão mais longe e propõem “garantir o acesso gratuito a cursos de preparação para o parto e parentalidade nas Unidades de Saúde Familiares”, “comparticipar em 100% suplementos prescritos na gravidez (ácido fólico e iodeto de potássio), contribuindo para o bom desenvolvimento das gerações futuras”, “ponderar a redução do IVA para a taxa mínima na alimentação para bebés, apoiando as famílias no acesso a alimentação adequada do ponto de vista nutricional às necessidades dos bebés” e “facilitar e agilizar os processos de adoção, reduzindo a burocracia e oferecendo apoio para as famílias que optam por adotar”.

Destaque para, “com caráter prioritário, encetar um processo de valorização profissional e remuneratória dos homens e mulheres que servem nas forças e serviços de segurança” e a meta de “redução da disparidade salarial entre homens e mulheres para trabalho igual”. Uma nota para subinhar a intenção de “alargar rastreios aos cancros do pulmão, próstata e gástrico e melhorar o acesso aos rastreios do colo do útero, mama e colorretal”.

Olhando para a juventude, a AD quer “reduzir a idade média em que os jovens deixam a casa dos pais”. Já sobre a habitação para este segmento, propõe a “eliminação do IMT e Imposto de Selo para compra de habitação própria e permanente por jovens até aos 35 anos e redução para 6% do IVA da construção”. Do outro lado, na longevidade, o programa promete a criação do “estatuto do Idoso” em dois anos e, em quatro, “aumentar o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) para um valor de 820 euros, tendo como objetivo a equiparação ao valor do salário mínimo nacional, na legislatura seguinte”.

Na rede de cuidadores informais, peso sobretudo suportado por mulheres, a proposta defende “reduzir a burocracia no processo, reforçar as condições de apoio, descanso e acompanhamento aos cuidadores”, “desenvolver e divulgar o Plano Nacional de Formação para Cuidadores Informais” e “promover as Cidades Amigas do Envelhecimento”.

No capítulo da Igualdade de género, a AD reconhece no seu programa que, “apesar da tendência positiva alicerçada nas últimas décadas, continuamos a viver numa sociedade com uma inaceitável desigualdade de género, em prejuízo das mulheres”. Admite ainda que “a sociedade não encontrou ainda as respostas necessárias para valorizar e proteger as mulheres que, em tantas circunstâncias, assumem funções adicionais na nossa sociedade, conjugando responsabilidades familiares, profissionais e sociais. Acresce, que, ao assumirem o papel de cuidadoras, são muitas vezes prejudicadas nas suas expectativas ou carreiras profissionais, dedicando-se à educação dos filhos bem como, muitas vezes, cuidando da família direta mais idosa, como os pais”.

Ora, estas premissas, a que se junta o “flagelo” da “violência doméstica”, a AD avança com metas como a “redução da violência doméstica e de género”.

Mas como? A coligação compromete-se a “expandir a Rede Nacional de Apoio à Vítima por forma a abranger todo o território nacional”, a “instalar salas de apoio à vítima em todas as esquadras da Polícia de Segurança Pública e postos da Guarda Nacional Republicana, destinadas ao acolhimento de casos de maus-tratos a crianças e vítimas de violência doméstica”, a “reforçar o acesso das vítimas à justiça e o direito a uma proteção adequada, como resposta direta às necessidades específicas das vítimas de violência contra crianças, entre Homens e Mulheres, contra idosos e de violência doméstica”, a “prestar um apoio adaptado às necessidades específicas das vítimas de violência de género ou doméstica”.

Para lá desta matéria, a AD garante “criminalizar determinadas formas de violência: tipificação especial e específica do crime de assédio sexual e do crime de “ciberperseguição”, de “ciberassédio” e de incitamento à violência e ao ódio online”.